
Mencionou-se o papel do Eng.º Cravinho enquanto ministro do XIII Governo (28.10.1995 – 25-10 1999) e as suas conceções de desenvolvimento e planeamento da produção e da economia a nível do território nacional. Mencionou-se também o seu papel nas propostas de luta contra a corrupção. Indo mais atrás, no princípio, mencionaram-se as lutas estudantis, mas sem grande detalho. O passado é passado e é melhor não recordar aqueles tempos negros da repressão…
Afinal estão no activo políticos que estiveram dos dois lados nessas lutas ou em lado nenhum e o melhor é ir esquecendo. O engenheiro João Cravinho enquanto estudante do Técnico fez parte da Reunião Inter Associações (RIA) com Prostes da Fonseca, Alfredo Noales e Júlio Pequito. Por essa altura deram-se as lutas dos estudantes contra o decreto 40.900, o qual pretendia acabar com a autonomia das associações de estudantes. Os estudantes venceram, aliás com o apoio de um deputado da União Nacional, Daniel Barbosa. Mas entretanto houve enfrentamentos com a polícia na escada da assembleia Nacional, bastonadas e corridas. O costume. Estávamos em 1956/57. Entretanto já algumas associações, como a de Medicina, tinham passado a Pro-Associação, porque a Associação tinha sido fechada após batalhas anteriores. É bom aproveitar o falecimento dos antigos para ir recordando estas coisas.
O salto seguinte dá-se com praticamente a omissão de que João Cravinho foi Ministro da Indústria e Tecnologia do IV Governo Provisório, tendo como um dos secretários de Estado o Engº Martins Pereira durante todo o período da governação que foi de 26 de Março a 8 de Agosto de 1975. Acontece que no discurso hegemónico da comunicação social, o período que vai de 25 de Abril de 1974 até 25 de Novembro de 1975 é apagado como se não tivesse havido legislação, decisões, discussões, conquistas de sectores importantes. São “os anos loucos do PREC”, o tal processo Revolucionário em Curso e faz-se de conta que não existiram. Não se tratou afinal de uma “Evolução” e não de uma revolução? Mas foi revolução e houve um salto na história, como se Portugal tivesse percorrido em alguns meses o que não tinha percorrido em anos. Não foram só as conquistas legislativas das mulheres e a sua libertação do Código Civil, fantásticas, mas a interrupção da interrupção voluntária da gravidez ficou para depois. Foi o salário mínimo que passou para o dobro.Foram as campanhas de alfabetização. Foi o Serviço
Médico à Periferia. Foi a aplicação do horário de trabalho. Foram as creches por iniciativa popular. Foram as cooperativas agrícolas e a possibilidade de se manterem se houvesse crédito da banca nacionalizada e circuitos para a venda dos seus produtos, para além dos voluntários e improvisados, organizados pelas comissões de bairro. Esse país existiu e tem História, para além das histórias.
Ora o Engº João Cravinho esteve num governo que teve programa e que tinha um projecto. O IV Governo Provisório presidido por Vasco Gonçalves tinha um elenco de luxo. Para além de João Cravinho, Jorge Sampaio na Cooperação Externa, Ribeiro Teles no Ambiente, Avelãs Nunes no Ensino Superior e Investigação Científica, Freitas Branco na Cultura, Oliveira Baptista na Agricultura, Mário Ruivo nas Pescas, Sá Borges nos Assuntos Sociais, Carlos Macedo na Saúde, Rui Grácio na Educação e Orientação Pedagógica, Mário Monteiro no Planeamento e coordenação económica. Um governo comunista? Não. Um governo de unidade, com personalidades que não precisaram de estar no Governo para darem o seu contributo e tornarem-se notáveis até ao fim da vida. Esse programa e esse projecto não constam do arquivo oficial dos Governos Provisórios ou é difícil encontra-los. Pode-se recorrer ao que já foi escrito por Martins Pereira, para termos uma ideia do projeto. Não ia haver “sovietização” das empresas. Nacionalizações havia, da banca, da siderurgia, cimentos, estaleiros navais, química pesada, petroquímica e celuloses. Estas indústrias podiam ter-se salvo em vez de morrerem de morte natural, excepto as celuloses. Não passava pela cabeça de ninguém nacionalizar as pequenas e médias empresas, que constituíam o pobre tecido empresarial do país e que precisavam era de crédito para se manterem e desenvolverem. Crédito de um banco nacionalizado. Nesta nacionalização foi pena não se aproveitar para investigar as bases do nascimento do Banco Espírito Santo e escusávamos de chegar a 2025 para julgar os fluxos financeiros desta família. Em 1974/75 deveria ter-se investigado o que é que se tinha passado com o ouro nazi que foi a base do desenvolvimento desta empresa financeira familiar. Todavia, voltaram para ser ressarcidos dos “desmandos” do PREC. Estes acontecimentos históricos na comunicação social actual ou são mencionados com vagas definições “ideológicas” ou não são mencionados. Como diz Rita Luís em recente livro publicado (“A Revolução a que se pode ir de carro”) na imprensa espanhola contemporânea não se deve analisar a forma como se relata, mas também se o assunto é mencionado, ou não.
Em Portugal houve uma revolução e uma contra-revolução. Entrámos pois no que se chama uma “democracia liberal” e é o que se vê. Há pobreza e estão a voltar os bairros de barracas. Outra evolução tinha sido possível? Talvez. Mas que ao menos não se apague no registo histórico aquilo que, para muita gente, foram os dezoito meses mais felizes das suas vidas. Passaram a ser gente.
*Médica, professora da Faculdade de Medicina de Lisboa, activista política
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