Vivemos tempos em que as pessoas sentem a necessidade de expressar a sua opinião e convicção sobre todos os assuntos. Com as redes sociais, a constante informação e o culturismo do ego recorrendo aos esteroides dos likes, as pessoas perderam o bonito hábito de assumir que não sabem nada sobre um determinado assunto. Sempre ouvi dizer que o silêncio era de ouro, quando não tínhamos nada a acrescentar, e que o primeiro passo para o conhecimento era assumirmos que não sabemos tudo.
Pensemos no caso da Patrícia Mamona e o alegado racismo sofrido à entrada de uma discoteca. Basta varrermos a ala digital do Júlio de Matos, também conhecida como zona de comentários dos jornais online, para percebermos que todos têm uma opinião convicta sobre o assunto. Para uns, foi racismo, para outros foi apenas uma situação normal que acontece todos os dias. Vamos por partes: existe discriminação à porta das discotecas? Óbvio que sim, sempre existiu. Seja a constante discriminação de género, já que os homens, quando não vão acompanhados de mulheres, são muitas vezes barrados ou apenas entram mediante pagamento de 150€; existe a discriminação de roupa onde o calção é, por norma, olhado de lado; e existe discriminação racial em muitas discotecas e só quem vive numa bolha é que acha que não. Agora, será que a Patrícia Mamona e os seus amigos foram vítimas de racismo ou apenas de uma discriminação, infelizmente normal, que acontece todos os dias à porta das discotecas? Não sei. Viram? Não tive qualquer problema em assumir que não sei. Não faço ideia. Não estava lá, não sei os factos todos, não há forma de ter a certeza. Houve discriminação? Isso é óbvio que sim, já que sempre que alguém não pode entrar num estabelecimento aberto ao público está a ocorrer o crime de discriminação a que todos fechamos os olhos. Se este caso foi discriminação racial, de género ou de roupa, não sei. Repito: não sei.
Os pais da Maddie mataram a miúda? Não sei.
O Sócrates é corrupto? Não sei, mas alegadamente sim.
O Carlos Cruz é pedófilo? Não sei. Estou a gozar, claro que é. Foi condenado, por isso tenho a obrigação de saber e confiar na justiça.
Esta atitude socrática de assumir que só sabemos que nada sabemos é o primeiro passo para ficarmos a saber alguma coisa. Se eu estiver convicto que sei o suficiente sobre um determinado assunto para formar a minha opinião, isso impede-me de o investigar mais a fundo, ou seja, acharmos que sabemos algo é o que nos leva a não o sabermos. Profundo, não foi? No entanto, temos algumas questões às quais não podemos responder que não sabemos; exemplo: a terra é redonda ou plana? Podemos não saber directamente porque não temos o conhecimento para fazer os cálculos, mas há quem saiba por nós e, por isso, se optarmos por responder que não sabemos, estamos só a ser burros. Nestes casos, responder que não sabemos face às evidências comprovadas cientificamente, é o mesmo que ficarmos do lado dos mentecaptos que acreditam que a terra é plana.
Só nestas situações é que assumir que não sabemos é uma atitude de gente burra, na maioria dos casos, assumir essa ignorância é o mais inteligente que podemos fazer. Vivemos tempos em que não ter opinião é mal visto; em que nos sentimos burros se não tomarmos partidos e não polarizarmos as discussões tornando-as todas preto e branco. A ignorância toma assim a forma conhecimento, mascarando-se de opiniões formadas e racionais, quando, na verdade, são só convicções infundadas. Isto é mau para a sociedade ou bom porque nos faz discutir os assuntos mais abertamente, fazendo perguntas estúpidas que podem dar origem às respostas certas? Não sei.
Sugestões e dicas de vida completamente imparciais:
Para ver: Ozark, segunda temporada na Netflix.
Para rir: The Famous Fest, em Lisboa
Para ouvir: Kamikaze
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