Quem vir Mariana Castro Moura, da associação Caminhos do Amor, a subir diariamente a Avenida da Boavista na sua missão de apoio aos sem-abrigo e aos carenciados pode achar que ela opera sozinha, mas por trás do seu trabalho há muitas pessoas, dádivas e cooperação que foi reunindo em redor do seu projeto, iniciado em março de 2020.

Mas hoje em dia já não é bem assim, garante: "O aumento do custo de vida está a ter muita influência negativa no fazer chegar alimentos às pessoas. Estamos com muitas dificuldades para angariar donativos seja em géneros seja monetários (...) porque as pessoas estão [a atravessar] dificuldades e temos perdido muita gente que nos ajudava".

Questionada sobre que tipo de respostas recebe atualmente de quem antes a ajudava, Mariana Castro Moura foi taxativa: "de umas o silêncio, de outras a constatação de que estão em dificuldades económicas. Conheço casos de pessoas que antes me ajudavam e que hoje em dia sou eu quem as está a ajudar".

E prosseguiu: "tenho hoje muito mais gente a pedir ajuda, pessoas que já estiveram muito bem na vida e que hoje estão muito mal, da alta sociedade. Pessoas que se escondem".

A nova realidade retirou-lhe também a capacidade de programação, mas não o "positivismo", assegurando que, apesar da "preocupação" por não saber o que terá para oferecer na semana, vai continuar a "tentar chegar ao máximo de pessoas e de empresas para conseguir assegurar o valor mensal" para encher a despensa da associação.

Os cerca de 80 'kits' que entrega diariamente, descreveu à Lusa, contêm "um pacotinho de bolhas, as madalenas, um sumo, um leite achocolatado ou um iogurte líquido. Dia sim, dia não, têm um chocolatinho. Os rebuçados estão sempre presentes, a fruta: banana ou laranja, e a sandes".

Na Porta Solidária, na Igreja da Nossa Senhora da Conceição, no Marquês, as refeições são servidas às 18:00. É uma rotina antiga agravada com a chegada da pandemia, lembrou à Lusa o padre Rubens Marques.

"O grande peso foi quando começou a pandemia, depois fomos normalizando um bocado durante o início deste ano e agora estamos a sentir outro grande problema devido à inflação, ao menor poder compra das pessoas. Não temos ofertas, a despensa está a ficar vazia. O número das pessoas que vêm cá comer anda na média dos 320 por dia e agora com tendência a aumentar, sobretudo nas famílias. E essa é que é a nossa grande preocupação: o equilíbrio da despensa e aqueles que precisam de ser alimentados", disse o responsável do projeto.

O apoio, acrescentou, inclui um "serviço de distribuição de roupa e de ajuda em medicamentos", e o 'termómetro', conta, voltou a 'manifestar-se': "quando aumenta muito a pobreza, chegam mais pedidos de medicação e de botijas de gás. São as duas coisas que aumentam sempre".

Nas filas, contou o padre, vê "muitos jovens, sobretudo imigrantes, e mais famílias, onde há um salário, mas que não é o suficiente para a economia diária do agregado".

Daniel Neves, voluntário do projeto, revelou que "falta um pouco de tudo" depois de no início da pandemia as dádivas terem feito chegar muito da "mercearia básica".

"Neste momento temos falta de um pouco de tudo, com mais pormenor na questão das proteínas, como a carne e o peixe. Por várias razões: pelo preço desses alimentos que está absurdo, que está muito caro para as famílias comuns e também devido ao facto de termos pouca capacidade de armazenamento. Ou seja: precisávamos de ter dádivas constantes, uma vez que não conseguimos armazenar em grande quantidade", relatou.

As empresas, neste contexto, estão também a falhar nas dádivas, revelou o voluntário, explicando-o à luz do "aumento dos combustíveis, o défice, a inflação, a falta de mão-de-obra que tem uma influência nisso" e que na sua leitura, obriga as empresas a ter de "fazer uma ginástica maior a nível orçamental - e isso reflete-se depois, como é lógico, na questão dos alimentos".

Ali a lado, na cozinha, o empratamento da massa esparguete com carne picada segue a bom ritmo entre os 15 voluntários de serviço, ao mesmo tempo que a cozinheira Maria Antónia Meireles confirma à Lusa a "menor disponibilidade atual de peixe e de carne", o que obriga a que tenha de se "dosear muito bem".

JFO // MSP

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