Falando no ano passado no plenário da Câmara do Representantes, o deputado democrata Tim Ryan lamentou com raiva a falta de bipartidarismo após a insurreição de 06 de janeiro e disse que a oposição dos republicanos a uma comissão de investigação foi um "estalo na cara" aos polícias agredidos pelos apoiantes do então Presidente Donald Trump naquele dia.
Ryan tem sido mais cuidadoso este ano ao concorrer ao Senado pelo Ohio, um estado que já foi um campo de batalha eleitoral e que teve tendência para a direita na era Trump.
Num debate recente, o seu rival republicano, JD Vance, acusou Ryan de ter uma "obsessão" com a insurreição e chamou de "golpe político" contra Trump a investigação do 06 de janeiro por um Comité da Câmara dos Representantes.
"Eu não quero falar sobre isso, tal como outros" respondeu Ryan. "Quero falar sobre empregos, quero falar sobre salários, sobre pensões... mas, meu Deus, isso tem que ser investigado", acrescentou.
A cautela de Ryan é um reflexo da divisão política que permanece quase dois anos após a violenta insurreição do Capitólio estimulada pelas mentiras de Trump sobre uma eleição presidencial roubada em 2020.
Muitos republicanos ainda acreditam que a contagem de votos foi manipulada contra Trump, e os políticos do partido subestimaram repetidamente o ataque violento, que deixou pelo menos cinco pessoas mortas e feriu mais de 100 polícias.
Mas a relutância de alguns democratas em falar sobre o 06 de janeiro na campanha é um reconhecimento de que os eleitores estão focados principalmente em questões económicas e financeiras, como os preços da gasolina e o aumento da inflação, num ano em que as intercalares poderão ser um referendo ao Presidente no poder.
Essa dinâmica fez com que os democratas tentassem encontrar um equilíbrio sobre essa questão, especialmente aqueles como Ryan, que concorrem em áreas mais republicanas ou estados inconstantes.
"O público vê isso [ataque ao Capitólio] como algo do passado, enquanto lidam agora com a inflação", defendeu o investigador do Partido Republicano Frank Luntz, que conduziu grupos de foco sobre o ataque de 06 de janeiro.
Se o cidadão não se pode dar ao luxo de alimentar a sua família ou atestar o depósito com gasolina, observou Luntz, "discutir algo que aconteceu há dois anos não está no topo da sua lista".
Ainda assim, alguns candidatos apostam que os eleitores continuam a importar-se.
O independente Evan McMullin, um ex-republicano que concorre contra o senador do Utah, Mike Lee, um fiel apoiante de Trump, fez da insurreição uma parte central da sua campanha.
Num debate este mês, McMullin disse que Lee havia cometido uma "traição à república americana" após ter sido revelado que o senador republicano tentou encontrar maneiras de Trump reverter a sua derrota.
McMullin também apareceu, num evento em Salt Lake City, ao lado do representante de Illinois Adam Kinzinger, um dos dois republicanos que integram o comité que investiga o ataque ao Capitólio.
Falando para uma plateia na qual era possível ver cartazes com a frase "o país em primeiro lugar", os dois homens enquadraram as eleições como uma luta pela democracia.
Num debate no início deste mês, a deputada democrata Elaine Luria, defendeu o seu trabalho como membro do painel que investiga o ataque, dizendo que é "a coisa mais importante" que fez ou fará profissionalmente, além do seu serviço militar.
Mais tarde, a sua campanha publicou imagens da sua oponente, a republicana Jen Kiggans, recusando-se a dizer se o Presidente Joe Biden foi eleito de forma justa.
"Eu não sou a sua candidata se você ficar com os insurretos", disse Luria no debate. "Eu não sou a sua candidata se você preferir ter Trump como Presidente novamente."
Em Wisconsin, o democrata Brad Pfaff opõe-se ao republicano Derrick Van Orden, mas aposta que mais pessoas votarão contra o seu rival político se descobrirem que ele estava entre os apoiantes de Trump no exterior do Capitólio no dia 06 de janeiro.
A investigadora democrata Celinda Lake diz que a questão da democracia provou ser proeminente entre os eleitores democratas, particularmente entre as mulheres mais velhas que vivem em subúrbios e que têm opiniões menos favoráveis a Trump.
John Zogby, também pesquisador democrata, concorda que a ameaça à democracia é uma questão de primeira linha para muitos democratas. Mas tem notado menos interesse entre os eleitores independentes que podem decidir as eleições mais competitivas.
Assim como Tim Ryan, alguns candidatos democratas que falaram abertamente sobre a insurreição em Washington falaram menos sobre ela durante a campanha.
A deputada de New Hampshire Annie Kuster e o deputado de Michigan Dan Kildee falaram sobre o seu stress pós-traumático por terem estado presos na galeria da Câmara dos Representantes enquanto os manifestantes tentavam derrubar as portas do edifício em 06 de janeiro.
Agora, em disputas competitivas de reeleição, nenhum deles se concentrou muito no ataque ou nas ameaças à democracia -- embora ambos tenham mencionado isso ocasionalmente.
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Lusa/Fim
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