"Não terminamos de certificação, porque o quadro jurídico-legal é um quadro muito burocrático. Precisamos catalisar e de fazer com que Cabo Verde possa ganhar dinheiro com a aviação e não gastar dinheiro com aviação, como tem acontecido até agora", lamentou Nuno Pereira, ao ser ouvido pelos deputados da Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) à privatização, em 2019, dos Transportes Aéreos de Cabo Verde (TACV) - vendida então a investidores islandeses e renacionalizada em julho de 2021 devido à pandemia -, incluído a liquidação da operação da companhia nos voos domésticos.

Os voos interilhas estão concentrados desde então numa única companhia privada, até maio de 2021 operada pela espanhola Binter e desde então pelo grupo de origem angolana BestFly, presente além de Angola e Cabo Verde também em Portugal, entre outros países.

"Há várias jurisdições que usam a sua aviação civil sem que para tal sacrifiquem aquilo que são os princípios basilares da aviação, que é a segurança operacional, a excelência operacional. Mas que ganham dinheiro. Não é possível, não é sustentável, demorar seis, sete ou oito meses para certificar um avião e noutras jurisdições, o mesmo processo leva um mês, um mês e meio. Na pior das hipóteses dois meses", acrescentou o presidente do conselho de administração da BestFly, ouvido por videoconferência pelos deputados, na cidade da Praia.

A administração da BestFly anunciou em 04 de junho que previa uma frota de seis aeronaves para a operação em Cabo Verde, incluindo um segundo jato Embraer 190 -- o primeiro chegou nesse dia ao aeroporto da Praia -, e ligações do arquipélago com África ocidental e Portugal.

Contudo, praticamente cinco meses após a chegada do primeiro do primeiro jato Embraer 190 (E-190) da companhia e o primeiro a ser certificado pela Agência de Aviação Civil (AAC) de Cabo Verde, continua sem iniciar operação, que chegou inicialmente a ser anunciada para julho passado para ligar a costa ocidental africana, nomeadamente Bissau, à Praia e a Portugal (Ponta Delgada e Lisboa), mas também Angola, Nigéria e Senegal.

Na sua intervenção perante os deputados, o administrador sublinhou que Cabo Verde "tem vários desafios, nomeadamente a nível a nível jurídico", que passam por resolver "os impedimentos legais que existem": "A regulamentação é uma regulamentação que, de certa forma, está ultrapassada e precisa de uma atualização para estar de acordo com as novas regulamentações em vigor e a BestFly opera em várias jurisdições, como vocês sabem, temos conhecimento e temos a experiência de outras jurisdições".

"Temos uma autoridade bastante competente, mas bastante, entre aspas, desatualizada em termos de regulamentação, que precisa de um 'refresh' para poder permitir que se ajustassem às novas realidades da indústria e que permitissem um crescimento da indústria de aviação em Cabo Verde, que nós acreditamos que pode ser um grande polo de desenvolvimento, aeronáutico, na região. Mas enquanto não houver este ajuste jurídico-legal, do quadro regulamentar, tal não será possível", acrescentou Nuno Pereira.

O administrador afirmou que a BestFly não recebeu qualquer apoio do Estado quando assumiu a concessão emergencial das ligações domésticas e que continua em Cabo Verde pela ligação afetiva dos sócios, angolanos mas com origens cabo-verdianas.

"A não ser que tenha investidores, como é o caso da BestFly e da BestFly World Wide, em que existe uma ligação efetiva, afetiva e emocional com Cabo Verde, que vai além do negócio. E perdoe-me dizer isto, mas se fossemos olhar para Cabo Verde somente como um negócio, provavelmente não estaríamos em Cabo Verde", desabafou.

O plano para a operação do verão de 2022 do novo E-190, apresentado pela BestFly em junho e que acabou por não se concretizar, previa em concreto e em "formato de estrela", a partir de Cabo Verde, ligações Praia -- Luanda, Praia -- Ponta Delgada, Praia -- Dacar, Praia -- Lisboa, Praia -- Lagos, Praia -- Bissau, Dacar -- Bissau, Luanda -- Acra e Sal -- Lisboa.

"Até final do ano temos no nosso plano de negócios o projeto de incrementar a nossa frota com mais um E-190 e com duas aeronaves Twin Otter, com menor capacidade, de 19 lugares, para poder fazer esse complemento à necessidade que existe de fazer evacuações médicas, de auxílios pontuais em ilhas pontuais", afirmou igualmente, na mesma altura, Alcinda Pereira, diretora executiva do grupo angolano.

A BestFly opera os voos domésticos em Cabo Verde com dois ATR 72-600 próprios -- através do operador aéreo nacional TICV -, tendo realizado no primeiro ano de operação mais de 3.400 voos entre as ilhas cabo-verdianas e transportado mais de 170.000 passageiros, com uma taxa de ocupação média de quase 71% (de 17 de maio de 2021 a 17 de maio de 2022).

O grupo BestFly iniciou a atividade em Cabo Verde, nos voos domésticos, em 17 de maio de 2021, com uma concessão emergencial de seis meses, após a saída da Binter -- que era também a única operadora -, e em julho do mesmo ano comprou a TICV, operador aéreo certificado pela AAC (detida até então pela Binter), prevendo "concentrar a atividade na marca única BestFly".

O Estado de Cabo Verde detém 30% da operadora aérea TICV, estando os restantes 70% nas mãos da BestFly.

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