“Acho que [a recuperação económica portuguesa] vai ser lenta, porque nós temos aqui a erupção de um fator novo que também tem consequências económicas que é o medo”, afirmou o responsável, em entrevista à Lusa.
“Portanto, o regresso das pessoas à normalidade vai ser mais lento, estamos a ver nas reações. Há vários setores da população que têm reações diferentes, é aquilo que se chama a economia zombie, vamos ter aqui uma economia a funcionar a 70%, 80%, se tanto”, prosseguiu.
“E basta isso para afetar todas as cadeias logísticas, as cadeias de transporte e de criar dificuldades na recuperação da economia, vamos ter isso durante algum tempo. Penso que até se descobrir a vacina realmente vai ser um período difícil”, considerou.
Questionado sobre o horizonte temporal desta recuperação, Costa Silva recordou que “quando a SIDA surgiu a demora foi de seis anos até ter o primeiro tratamento eficaz”.
Agora, “não digo que vamos passar seis anos, mas a vacina pode eventualmente não surgir de um dia para o outro. Portanto, se tivermos mais um ano nesta situação isso tem efeitos já lesivos significativos na economia, para além daqueles que existiam”, salientou.
“E atenção que a economia portuguesa estava a crescer, mas mesmo assim o crescimento ainda era um crescimento lento, como em toda a zona europeia. Portanto, temos aqui a retração provocada nesta crise sobre um paradigma de crescimento que já por si era lento, e isso é outra coisa que nós temos nas sociedades ocidentais”, disse.
Questionado sobre se a dívida portuguesa condiciona ou pode condicionar o seu plano de recuperação económica de Portugal, António Costa Silva disse que “tudo depende de como é que os recursos financeiros que a União Europeia vai providenciar chegarem ao país”.
Ou seja, “o desenho que existe atualmente” é de que “grande parte desses recursos vão chegar sob forma de subvenções”. Se forem subvenções, “não vão afetar a dívida pública portuguesa, se vierem sob a forma de empréstimos poderão afetar”, prosseguiu o gestor.
“Sabemos muito bem que uma dívida elevada funciona como uma espécie de inibidor do crescimento e, portanto, é muito importante aí o país também lutar ao nível da União Europeia para realmente haver grande parte — como defendeu a presidente da Comissão Europeia — que venha sob a forma de subvenções, para impedir que a dívida dos países seja sobrecarregada numa fase de si que já é muito difícil”, considera.
“Penso que isso pode ser atingido, aliás, a União Europeia está a dar sinais muito claros a esse nível de que terá provavelmente aqui um novo quadro mental, estou muito esperançado”, afirmou.
Relativamente à reindustrialização, no qual Portugal tem de estar alinhado com os propósitos da União Europeia, António Costa e Silva referiu que o bloco europeu “está a estudar isso” e a “definir exatamente” o que “significa a autonomia estratégica da Europa nos vários setores da economia”.
Defendeu que Portugal deve “sintonizar-se com isso e analisar as suas valências internas e ver como é que pode capitalizar essa reorganização, sobretudo, das cadeias logísticas, aproveitando as potencialidades da indústria nacional”.
No entanto, admitiu que a reconversão está “muito dependente também daquilo que for o programa europeu”.
Plano de recuperação económica deverá ser entregue no final do mês
O plano de recuperação económica terá "cerca de nove ou 10 pilares estratégicos" e deverá ser entregue "no final do mês", disse António Costa Silva.
O ministro do Ambiente, Matos Fernandes, "tem participado e dado uma colaboração muito grande com a sua equipa, que tem sido extraordinária" e, portanto, "estamos a terminar a fase de reunião com os vários ministros" envolvidos nos vários pilares estratégicos, acrescentou o gestor.
São "cerca de nove ou dez pilares estratégicos" que o plano vai ter "e depois vamos começar a ouvir as personalidades da sociedade civil, empresários, líderes de instituições, enfim, para a visão ser o mais abrangente possível e refletir, de facto, as várias visões que existem na sociedade e digamos ser uma questão polifacetada", acrescentou.
Trata-se de um "plano para recuperação da economia do país para ser executado ao longo da próxima década, se assim for determinado depois pelos responsáveis políticos", disse Costa Silva, referindo que a sua contribuição é "meramente a de sugerir um quadro estratégico, os pilares do desenvolvimento". Ou seja, os que são "abertamente cruciais para mudar o país e para o sintonizar com todas as tendências", nomeadamente a "transição energética, a luta contra as alterações climáticas, a descarbonização, a necessidade" de criar e desenvolver "uma economia mais justa e mais equilibrada", acrescentou.
A visão deste plano de recuperação, disse, "assenta em dois polos", um para o curto prazo, que visa "recuperar a economia, proteger o emprego", e para médio e longo prazo, com o objetivo de "transformar a economia, tornando-a mais sustentável do ponto de vista ambiental, económico e social e, depois, mais eficiente no uso dos recursos, mais inovadora, mais interconectada, mais resiliente, mais digitalizada", dando também, "uma massa crítica para o país poder competir no futuro a nível global".
A aposta na economia do mar, as infraestruturas ferroviárias e o fim da bitola ibérica, a aceleração da transição digital são alguns dos pontos que integram o plano.
Sobre as vantagens competitivas de Portugal, António Costa Silva destacou que a primeira é o "recurso geográfico, a sua localização".
Portugal é "uma economia atlântica que está no cruzamento de três continentes e isso é extremamente importante. Somos um país que tem um relacionamento muito bom com o espaço europeu, embora haja um condicionamento grande por Espanha por razões territoriais e históricas, mas a relação com Espanha é muito boa, mas também somos um país que lutou contra esta dependência territorial ou continental, forjando alianças históricas com aliança com o Reino Unido e a aliança com os Estados Unidos da América", prosseguiu.
"E ao meu ver, na política externa portuguesa, estas são vertentes que têm de se manter independentemente de tudo, mas depois o país tem relações extraordinárias com as várias Ásias, com a Índia, que deve ser explorada muito mais, com a China, com o Japão", tal como "as Américas e África".
Costa Silva visualiza o futuro de Portugal com "quatro, cinco ou seis futuros possíveis". Um é de ser um país "que usa os portos, as plataformas que tem" para se inserir nas redes mundiais de "energia, de comércio" e, neste século, os países de insucesso são aqueles que são incapazes de integrar as redes globais.
"A segunda é construir um grande espaço geoeconómico à volta dos seus recursos endógenos, as energias renováveis, o hidrogénio, os recursos minerais estratégicos, depois é um país que pode ser uma espécie de plataforma tecnológica", prosseguiu, recordando que Portugal tem atraído multinacionais para o país, apontando que "uma das grande ideias do plano de recuperação económica" é transformar as áreas metropolitanas de Lisboa e Porto "numa espécie de macro regiões competitivas globais", criando cidades inteligentes.
"É apostar nestas grandes áreas metropolitanas, nos sensores, nos dados, no tratamento da informação. Para quê? Para integrar todas as cadeias de energia de resíduos de água, para construir cidades que sejam sustentáveis que tenham ao nível da sua digitalização um impacto muito grande na vida e na atratividade das pessoas", explicou.
Questionado sobre o plano de transição digital do Governo, o gestor considerou ser "muito importante para o país".
"O que recomendo é a extensão da fibra ótica a todo o país e a capacitação dessas instituições" e depois "um grande programa para as competências digitais das pequenas e médias empresas. Acredito que isso pode ser um fator que faz crescer a produtividade das empresas", salientou.
"Não é justo deixar todo o interior do país" sem essa cobertura porque "estamos a excluir partes do país", afirmou.
"Estamos a impedir que a economia do interior se insira na economia nacional", disse ainda.
"Penso que se estes recursos financeiros vierem", sendo que uma das questões claras da União Europeia como está assumida é a transição digital, "o Estado pode equacionar a hipótese de criar incentivos ou ele próprio assumir com as empresas um pacto para a extensão da fibra ótica".
Isso "é benéfico para o país, reduz as desigualdades e impede que haja um país a várias velocidades", rematou.
Sobre o setor tradicional - têxteis, calçado, vinhos, turismo -, Costa Silva disse que o documento tem um pilar "muito claro com o comércio, serviços e turismo para auxiliar" estas indústrias.
"Defendo a combinação do novo com aquilo que nós temos", salientou, dando exemplo da reinvenção da indústria do calçado na sequência da última crise, tal como a indústria metalomecânica, a cortiça, os vinhos ou as pescas.
"Todas elas podem sofrer um estímulo novo nesta nova fase", considerou.
Comentários