Há muito que se fala da implementação do trabalho remoto a tempo parcial nas empresas. Contudo, apesar dos dados existentes sobre o trabalho presencial revelarem que grande parte dos trabalhadores não está motivado, apresenta desempenhos insuficientes e passa muito tempo no escritório sem estar realmente a trabalhar, a resistência a esta prática parecia persistir. Com as restrições resultantes do surto da pandemia, esta tendência foi acelerada e inúmeras empresas viram-se forçadas a adotar o trabalho remoto de um dia para o outro.
Esta não é a primeira vez que uma crise nos fez recorrer ao teletrabalho, ainda que nunca tivesse acontecido a uma escala desta dimensão. Nos Estados Unidos, o interesse pelo trabalho remoto aumentou exponencialmente depois do 11 de Setembro e dos ataques de antraz que se seguiram. Também muitos locais de trabalho em Christchurch, na Nova Zelândia, migraram para o teletrabalho durante uma série de terramotos entre 2010 e 2012.
Com os bloqueios a relaxarem um pouco por todo o mundo, o próximo desafio será adaptar os métodos tradicionais de trabalho às novas exigências de higiene pessoal e distanciamento social. Muitas organizações terão de limitar o número de trabalhadores no escritório, com horários desfasados ou equipas em espelho, e investir em equipamentos de proteção social. Uma empresa holandesa cunhou o termo “6 feet office” [escritório dos seis pés, a medida norte-americana] com o objetivo de redesenhar os espaços de trabalho para ajudar os trabalhadores a manter o distanciamento social.
Com todas estas imposições e obrigações, muitas empresas poderão chegar à conclusão de que não compensa fazer estas alterações no escritório e é possível que acabem por optar pelo teletrabalho enquanto a propagação do vírus ainda for uma preocupação. Como tal, há quem defenda que, depois da pandemia, o trabalho remoto irá prosperar e permanecer na nossa sociedade.
Quais são as vantagens e desvantagens do teletrabalho?
Vários estudos demonstram que os trabalhadores remotos são mais produtivos, satisfeitos e motivados do que os seus colegas de escritório. Segundo questionários recentes realizados pela McKinsey e pela Buffer, os trabalhadores remotos, livres das restrições da vida no escritório, relatam níveis mais altos de satisfação e maior produtividade. Para além disso, os dados existentes indicam que a confiança e as equipas eficazes são construídas principalmente por meio de comportamentos e comunicação interpessoal e não por proximidade diária.
O trabalho remoto elimina as interrupções, as viagens de negócios e reuniões desnecessárias e o tempo que demoramos a chegar aos escritórios. Cada trabalhador é incentivado a trabalhar ao seu ritmo e conforme o seu horário. Não interessa onde se resolve um problema ou a que horas este é resolvido: o importante é que o trabalho apareça feito.
Nos EUA, os gerentes estão a livrar-se das mesas vazias nos escritórios numa tentativa de poupar dinheiro enquanto a economia entra em colapso. O mercado imobiliário focado nos escritórios já está a cair à medida que os empregadores tentam renegociar os seus contratos de aluguer. Segundo um estudo da Global Workplace Analytics, em média, os empregadores que permitem aos seus funcionários trabalhar em casa em período parcial poupam cerca de 11.000$ por ano por cada funcionário. Ao investir menos em imóveis e instalações, os empregadores podem utilizar parte deste dinheiro para investir em equipamentos para trabalho remoto, mostrando, assim, uma preocupação com o bem-estar dos trabalhadores e com a ergonomia do seu local de trabalho em casa.
Isto porque, com a rapidez com que a Covid-19 nos fez migrar para o teletrabalho, muitos trabalhadores chegaram à conclusão de que não tinham o equipamento necessário para realizar o seu trabalho de forma confortável na sua habitação. Algumas empresas, ao terem de mandar os seus trabalhadores para casa, forneceram às suas equipas recursos adicionais para ajudar a facilitar a transição para o trabalho remoto. Na Shopify, foram oferecidos aos trabalhadores 1.000$ para comprar os equipamentos necessários para os seus escritórios em casa. Enquanto isso, na Twitter todos os funcionários receberam um reembolso pelas despesas de equipamentos de escritório, incluindo mesas, cadeiras e almofadas ergonómicas. Serão este tipo de medidas os welcome packages do futuro?
O trabalho remoto não é para toda a gente. Muitos empregadores afirmam que gerir uma equipa à distância pode ser uma tarefa herculana e o isolamento profissional pode ter efeitos negativos no bem-estar dos trabalhadores e na progressão das carreiras. As pessoas que trabalham remotamente também acabam por trabalhar mais horas por dia e os gerentes podem acostumar-se ao facto dos trabalhadores estarem sempre ativos e disponíveis. Em França, este estilo de vida sempre ativo é considerado tão prejudicial para a saúde que o país proibiu o envio de e-mails fora do horário de trabalho. Outra barreira ao teletrabalho é a existência de pessoas que sofrem de ansiedade provocada pela tecnologia e, para alguns, estar numa videochamada pode ser extremamente cansativo.
Apesar dos obstáculos mencionados, Kate Lister, presidente da firma de consultoria Global Workplace Analytics, prevê que 30% dos trabalhadores irá trabalhar remotamente vários dias por semana nos próximos dois anos. Lister acrescentou que houve uma procura por parte dos funcionários por maior flexibilidade na vida profissional e que o coronavírus apresentou uma oportunidade para testar este novo modelo de trabalho.
O que pensam os portugueses?
Também em Portugal observámos grandes números de trabalhadores e empresas a adotar o trabalho remoto. Segundo Alexandra Leitão, ministra da Modernização do Estado e da Administração Pública, o teletrabalho tinha “algumas resistências de dirigentes”, mas a atual situação de pandemia serviu para provar que o regime laboral “veio para ficar” e é “uma forma de excelência de conciliar a vida profissional e a familiar”.
Cerca de dois terços dos trabalhadores pretende continuar em teletrabalho “no longo prazo” e quase 60% dos empregadores concorda com essa opção, de acordo com um inquérito da plataforma portuguesa digital Fixando, que consultou cerca de 1300 empresas e trabalhadores inscritos na sua rede. Segundo um questionário realizado pela Worx, quando questionados sobre se o teletrabalho pode ser uma tendência futura, 86,4% dos colaboradores inquiridos considera que sim.
No período pós-pandemia, teremos de encontrar um ponto de equilíbrio entre o bem-estar e a segurança dos trabalhadores e uma dinâmica positiva para as empresas.
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