“Na Amadora, temos uma coisa especial. Somos daqui e temos um orgulho especial de ser daqui. Não consigo explicar”. A frase sai da boca de André Geraldes, presidente da SAD do Club Football Estrela da Amadora.
Esta é a terceira nomenclatura do clube. Na sua origem, foi criado e nascido em 22 de janeiro de 1932, tendo desaparecido em 2009, após ter sido decretada a insolvência por dívidas de mais de 30 milhões de euros. Reapareceu em 2011, debaixo de um novo batismo (Clube Futebol Estrela) e foi, por fim, rebatizado, após fusão com o Club Sintra Football, aprovada em Assembleia-Geral, em julho de 2021, ganhando, assim, acesso direto ao Campeonato de Portugal, antecâmara das competições profissionais.
A identidade, essa, é a mesma de sempre. Datada de 1932, assegura André Geraldes ao SAPO 24, numa conversa com vista para o Estádio José Gomes.
Na sala, que "serve para ações institucionais, comerciais e assinatura de contratos", fica, desde logo percetível, a história de um clube que deu vários jogadores à seleção nacional.
Há, debaixo de uma mesa cujo vidro deixa ver, um registo do maior feito alcançado: a conquista da Taça de Portugal, em 1990, após finalíssima, sob o comando do treinador, João Alves e Paulo Bento, em campo. Um recorte de jornal assinala o momento em que Duílio, capitão, percorre a pista de tartan com o troféu. O troféu, esse, está penhorado e é pertença da massa insolvente, em conjunto com o Estádio e o Bingo.
“O que vemos aqui, mais do que nunca, é o velho Estrela da Amadora, o que nasceu em 1932. Tudo o que nos rodeia é o Estrela de 1932. Vamos fazer 89 anos em 22 janeiro. É essa a afirmação da nossa identidade”, sustenta André Geraldes.
Uma identidade expressa num passado escrito para memória futura. “Figuras como Jorge Jesus, Fernando Santos, João Alves, Jesualdo Ferreira, Jorge Andrade, Paulo Bento, Dimas, Paulo Madeira, Calado, Rebelo, Rodolfo, grandes nomes do futebol português, chamámos todos e, mesmo em tempos complicados, passaram por cá. O Estrela de sempre está vivo outra vez”, assegura o líder do clube que recebe hoje à noite o Sport Lisboa e Benfica, numa partida dos oitavos de final da Taça de Portugal.
Será uma noite de regresso de um filho da casa. Retorno testemunhado na televisão ou nas varandas dos prédios que se erguem paredes-meias com a infraestrutura desportiva.
Para Jorge Fernando Pinheiro de Jesus, nascido na Amadora a 24 de julho de 1954, este será um jogo especial. “Tenho um sentimento muito forte pelo Estrela. Foi onde nasci, onde me formei como jogador e treinador, fico muito feliz por voltar à minha terra e defrontar o clube do meu coração,” disse, na conferência de imprensa após o sorteio ditar este reencontro do antigo jogador (entre 1984 e 1987) e treinador (1998-2000 e 2001-2003).
“É importante o apoio dessas figuras. Revêm-se nesta identidade e fazem as pessoas olhar para o Estrela”, realça Geraldes, destacando a “grandeza” da escola de jogadores e de treinadores. “O atual selecionador nacional, Fernando Santos, o atual treinador do Benfica, Jesus e José Mourinho, que se sentou aqui como adjunto de Manuel Fernandes”, enumera.
“Mais que um projeto financeiro, é um projeto emocional”
Antigo administrador do Sporting Clube de Portugal, ex-presidente da SAD do Farense e atual líder da SAD amadorense, André Geraldes explica as razões por ter aceitado o convite para o projeto que tem em Francisco Lopo o rosto visível de um conjunto de investidores. Um “sim”, no qual a ligação afetiva falou mais alto.
“O emocional foi determinante. Só faz sentido fazer com o Estrela da Amadora e não com outro clube. Tinha de aceitar este desafio”, remata. “Mais que um projeto financeiro, é um projeto emocional”, sublinha, sem revelar o investimento na criação da SAD.
Deixa as razões financeiras de lado e prefere falar de temas do coração. “Sou estrelista. Nasci na Amadora, desde pequeno que vinha aqui ao José Gomes ver os jogos”, recorda. “O meu avô vinha ver os treinos, era um adepto ferrenho do Estrela, acompanhava de perto a vida do clube. Passou ao meu pai, que jogou futebol até aos juniores — chegou a ter uma proposta para ir para o Sporting, recusada pelo meu avô. E o meu pai passou isso para mim. Absorvemos o estrelismo”, reconhece o antigo morador no concelho da Amadora. “Hoje, moro ao lado, em Benfica”, informa.
O “estrelismo” que o presidente da SAD do CF Estrela da Amadora não se cansa de destacar está bem patente em toda a envolvência. Respira-se a cada canto. Fala com orgulho da obra feita em tão pouco tempo. Uma demonstração de bairrismo e clubismo de mãos dadas.
“Aqui constrói-se grandeza e glória”
A remodelação passou por “ginásio, balneários, bancadas, tudo feito com a ajuda de sócios e adeptos estrelistas que se envolveram no projeto e andaram a pintar e por cadeiras no lugar”, realça. “Até ajudaram a colocar o novo relvado de fazer inveja a equipas da 1ª Liga”, regista.
O estádio está renovado. André Geraldes faz questão de o mostrar e pede uma visita guiada a ser conduzida pelo gabinete de comunicação. Começa nos troféus. A vitrina, um braço da sala onde decorre a conversa, mostra um passado de Taças. Tudo exposto, igualmente, aos olhos de quem se senta nas bancadas. No espólio, falta uma, a principal, por sinal. A Taça de Portugal. “Está nas mãos de um credor”, revela André Geraldes.
De seguida, somos transportados até ao coração do clube: os balneários. “Aqui constrói-se grandeza e glória”. A frase liga Fernando Santos a Jorge Jesus e serve de inspiração, em especial, ao atual e futuros timoneiros. JJ aparece pintado de costas voltadas para Sérgio Conceição... o filho.
“Em campo honramos os nossos”, “Por aqui passaram” ou “Aqui nasceram” são gritos escritos que recordam os nomes de quem subiu ao relvado de chuteiras calçadas e emblema do Estrela no coração. Kennedy, Rui Neves, Paulo Fonseca, Duílio ou Gaúcho entram nas paredes da fama da Amadora.
Um dos rostos desenhado é de Jorge Andrade. Está no ginásio, local onde nos deparamos com uma frase motivacional da autoria do presidente da SAD: “Diz-me como treinas, digo-te como jogas”, lê-se.
“Representei o Estrela dos 8 aos 22 anos. Tive sempre um espírito de ser do Estrela, juntamente com outros jogadores que conheço desde pequeno, como o Rodolfo”, disse o antigo internacional português em conversa telefónica com o SAPO24.
A ligação ao clube do ex-jogador nascido e criado na Amadora começa pelo lado paterno. “O meu pai jogou na 3ª divisão (Borbense), mas trabalhava na Amadora e treinava durante a semana no Estrela”, recua.
“Morei em pequeno ao lado do Centro Comercial Babilónia e depois bem perto do estádio”, recorda. Hoje, reside no Parque das Nações, mas o coração nunca saiu da Amadora. “Mantenho-me ligado ao clube pela emoção. Dava pena o ver o estádio abandonado. Agora, sinto uma alegria ver o que se está a passar”, expressa, ajudando, através de ações presenciais, a reerguer o emblema que envergou.
A visita termina com mais um banho de magia tricolor. No acesso ao relvado, um imponente graffiti destaca a Taça de Portugal. João Alves e José Gomes, antigo presidente, são os últimos bonecos antes do tapete verde.
Após a entrada em campo, os olhos fixam a mensagem escrita por cima da baliza contrária, mesmo lado da sala de troféus: “Façam magia”.
Trazer a cidade de volta ao clube
“A Amadora é uma marca. Não é possível olhar para este projeto e não pensar que em breve estaremos na 1ª Liga a disputar os primeiros 10 lugares”, antecipa André Geraldes. “Não é fácil, os adversários são fortes e investem mais. Não queremos cometer os erros do passado e queremos um orçamento sustentável, cumprir obrigações e ser competitivos a nível desportivo. Se no fim conseguirmos os nossos objetivos, estaremos mais perto de ganhar”, garante.
“Somos o terceiro grande de Lisboa, com todo o respeito pelos outros. O Belenenses é grande, mas está partido. Aqui a relação com o clube é ótima. E queremos solidificar a relação, com um pacto social forte e coeso que mantenha a identidade do velho Estrela”, antevê o responsável.
“Teremos pela frente um trabalho, a médio prazo, com clube: ir aos bairros, instituições sociais, escolas, escolas de futebol, futsal, procurar talentos e segurar ativos, para que voltem a sair daqui grandes nomes do futebol nacional”, atira ainda André Geraldes.
Volta a tocar na tecla da paixão clubística. “O desaparecimento de 12 anos do Estrela não ajuda a que se tenha conseguido solidificar a paixão pelo Estrela. No entanto, se o clube estiver vivo e forte desportivamente, sentimos que há muito espaço para que as pessoas sejam do Estrela e ponto final, que se identifiquem só com o clube. E tal só se consegue com vitórias”, garante.
“Queremos pessoas com a identidade própria do Estrela. Agora necessitamos de trazer a cidade de volta e acreditamos que é possível. De forma natural, se formos competitivos, teremos, de novo, 6 ou 7 mil adeptos, nas bancadas a cada jogo”, prevê.
Uma bancada na qual paira a incógnita do preciso local onde será, apesar do otimismo do presidente da SAD. A razão é conhecida. O Estádio José Gomes, campos de treino e Bingo fazem parte da massa insolvente. E SAD e credores estão à mesa das negociações.
“A câmara municipal da Amadora chumbou a alteração ao PDM e temos um parecer, com 15 dias, que diz que não se pode fazer mais nada aqui (nos terrenos) do que jogar futebol”, anuncia.
“Temos propostas com parceiros para que deixe de ser um tema. Para que o Estádio do Estrela continue a ser o estádio do Estrela. Estamos a tentar chegar a acordo com os credores”, sublinha André Geraldes, presidente da SAD do Club Footbaal Estrela da Amadora.
“Aconteça o que acontecer, o estrelismo manter-se-á vivo, mas seria pena que saísse do José Gomes. Acredito que o bom senso vai imperar”, finaliza.
Comentários