
Em requerimento dirigido ao coletivo do Tribunal da Relação do Porto que foi incumbido de o julgar, a que a agência Lusa teve hoje acesso, o juiz de primeira instância Porfírio Vale requer que a leitura do acórdão “tenha lugar na sua ausência, considerando-se dele notificado na pessoa do seu defensor”, o advogado Ernesto Novais.
Alega o juiz-arguido que no dia do acórdão “tem agendadas para todo o dia audiências de julgamento” em quatro processos - audiências essas que, conforme garante, não foram por ele agendadas.
Um dos processos, alega ainda, já foi adiado devido à pandemia da covid-19 e outros dois são de natureza “urgente e inadiável”.
Especifica que um se reporta a perseguição e outro a violência doméstica.
A leitura do acórdão já esteve marcada para 16 de setembro e para essa altura o arguido também tinha feito o mesmo pedido, argumentando então que tinha agendadas para tal dia três audiências de julgamento, uma delas também “de natureza urgente, por se tratar de um processo de violência doméstica”.
O juiz de primeira instância Porfírio Vale está a ser julgado pelas 4.ª secção criminal do Tribunal da Relação do Porto por alegada violência doméstica vitimando a sua ex-mulher.
Para efeitos de julgamento de magistrados, um tribunal da Relação funciona como se fosse um tribunal de Comarca.
Nas alegações finais do processo, em 08 de julho 2020, o Ministério Público (MP) pediu pena suspensa para o juiz pronunciado por violência doméstica sobre a ex-mulher.
"Ficou cabalmente demonstrado que o arguido [juiz] cometeu o crime de violência doméstica", disse o procurador nas alegações finais do processo.
Em devido tempo, o MP absteve-se de acusar o magistrado judicial, que só foi a julgamento após pronúncia, mas o procurador sublinhou que isso não o vincula.
Nas suas alegações, o procurador junto da Relação declarou ser “muito penoso e delicado” intervir num processo em que um juiz é levado à barra judicial, ademais que lhe é imputada violência doméstica - um crime punível com prisão entre um e cinco anos.
Também a advogada da queixosa e assistente no processo pediu a condenação do juiz a pena suspensa, mas insistiu sobretudo na sua condenação ao pagamento de indemnização à vítima no valor de 75 mil euros.
Para classificar a conduta do arguido, a advogada usou expressões como "terrorismo íntimo". Disse ainda que a mulher foi vítima de "'bullying' judicial".
Já a defesa do juiz Porfírio Vale defendeu a absolvição do juiz, rejeitando o alegado quadro de violência doméstica, sustentado pela queixosa e no despacho de pronúncia.
"Se não fosse juiz, não estaria aqui", afirmou o advogado, atribuindo à mulher o intuito de perseguir o arguido, prejudicando a sua carreira na magistratura, em oito queixas e duas participações.
O MP tinha arquivado a queixa da mulher, mas a Relação do Porto e o Supremo Tribunal de Justiça determinaram que um coletivo de juízes julgasse o magistrado judicial, da primeira instância de Vila Nova de Famalicão, por alegadamente “atormentar” a ofendida através de conversas telefónicas, correios eletrónicos e centenas de mensagens de telemóvel (SMS), a partir de 2015, ano de oficialização do divórcio.
De acordo com a pronúncia, “resulta singela e indiciariamente que o arguido, a pretexto de resolver aspetos de regulação do poder parental e das partilhas”, procurou intimidar e controlar a ex-mulher, “comprometendo a sua autoestima” e ofendendo-a na sua honra e consideração.
Em resultado dessa conduta, acrescenta a pronúncia, a ex-mulher, veterinária de profissão, ficou “completamente desorientada, manietada e sem conseguir sequer trabalhar, mormente fazer cirurgias”.
Porfírio Vale é acusado, designadamente, de ter dito à ex-mulher que “não iria ter contemplações” para com ela e que lhe iria “desgraçar a vida”.
No despacho de pronúncia salienta-se que Porfírio Vale apelidou a ex-mulher de “nulidade” e “atrasada mental”.
Numa posição reiterada em audiência, o arguido negou o teor dos telefonemas e, quanto às mensagens, alegou que elas foram “recortadas”, são “parciais” e aparecem “descontextualizadas e cronologicamente invertidas”.
O arguido e a ex-mulher estiveram casados durante 10 anos e têm um filho menor, tendo o divórcio ocorrido em finais de 2015.
Numa primeira fase, o MP arquivou a queixa por violência doméstica da ex-mulher, que se constituiu assistente e pediu abertura de instrução, tendo a Relação do Porto pronunciado o arguido.
A defesa do arguido recorreu, invocando nulidades e inconstitucionalidades do despacho de pronúncia, mas o Supremo julgou esse recurso improcedente, considerando que o caso devia ir mesmo a julgamento.
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