Na praça desta pequena cidade da região de Donetsk, leste ucraniano, onde se destacava uma estátua de Lenine, a sua ação foi apoiada por alguns populares, menosprezada por outros. Acabou detido pela polícia ao serviço dos separatistas e levado para uma prisão local.
Hoje com 71 anos, frente à câmara municipal local onde prefere não entrar porque o presidente eleito é “pró-russo”, numa região também com larga influência da Igreja ortodoxa dependente do patriarcado de Moscovo, Anatoli Vodolazski distribuiu bandeirinhas da Ucrânia, azuis e amarelas, onde inseriu a sua assinatura com a frase “Herói nacional da Ucrânia”.
Conta que, quando irrompeu pela praça nesses dias de guerra, a polícia lhe tapou a cara com um saco, o forçou a entrar num carro e que não foi morto porque alguns jornalistas presentes filmaram o incidente.
Foi levado para a prisão local onde o forçaram a limpar os sapatos com a bandeira que tinha erguido na praça central.
“Fui interrogado, espancado, torturado, partiram todos os dentes”, diz, acompanhado por um amigo e num ambiente pouco agradável. A temperatura desceu para os oito graus negativos, neva suavemente, o vento intensifica-se, mas Anatoli Vodolazski, hoje com 71 anos, insiste em prosseguir com a sua história, frente ao poder local. Tornou-se um símbolo da resistência e do nacionalismo ucranianos e assim continua a ser apresentado aos visitantes.
A caminho da antiga prisão, hoje uma espécie de museu improvisado em muito mau estado onde foram colocados diversos objetos que diz terem sido utilizados nos interrogatórios – uma obsoleta máquina de escrever, um telefone, um gravador de bobines, uma farda – duas bandeiras flutuam lado a lado no alto de um ferrugento moinho de água. A atual bandeira do país e uma vermelha e negra, as cores da Ucrânia “independente” fundada em 1941 por Stepan Bandera, com o apoio da Alemanha de Hitler, e que teve vida efémera na sequência da derrota nazi em 1945.
Na entrada do edifício, uma placa também com as cores vermelha e negra, e um pequeno símbolo nacional, esclarece: “Museu da Resistência Ucraniana do Donbass aos Regimes de Ocupação”. Uma forma de reivindicar as regiões de Donetsk e Lugansk onde foram autoproclamadas as duas “repúblicas populares” separatistas, e uma recordação das ocupações nazi, e em particular a “soviética”, em tempos da ex-URSS.
Na sequência dos acordos de Minsk, com a delimitação da “linha de separação”, Druzhkivska está incluída na Ucrânia, mas a linha da frente, a “linha de contacto”, não está longe. Do outro lado, os “terroristas”, como são designadas as milícias separatistas na linguagem oficial mais assertiva.
A eleição nesta localidade de um presidente de câmara “pró-russo”, após os frágeis acordos de paz, reflete a complexidade da situação, num momento em que prosseguem os alertas sobre uma “invasão militar” da Rússia também alegadamente em socorro das populações russófonas, tradicionalmente maioritárias no leste ucraniano.
Nas últimas semanas têm-se acumulado nestas regiões armamentos letais de várias origens, num firme 'braço de ferro' entre a Rússia de Vladimir Putin e a NATO, cuja progressão da expansão para leste, em particular na Ucrânia, o Kremlin tenta evitar a todo o custo. Mesmo sabendo que um país com contenciosos fronteiriços, internos ou externos, não reúne condições para se juntar à Aliança ocidental, ou as reservas ainda colocadas por alguns países europeus sobre essa adesão.
Após os acordos de paz de Minsk de 2015, a frente estabilizou e os combates diminuíram de intensidade após meses de bombardeamentos recíprocos, com as atuais regiões separatistas também duramente atingidas, e com a sua população a considerar a Rússia com a sua salvadora face às tropas ucranianas.
Com o conflito congelado, mas de novo em risco de derrapar, uma via de saída pode estar nos acordos de Minsk II de 2015, concluídos em fevereiro de 2015 pelos chefes de Estado da Alemanha, França, Ucrânia e Rússia.
No entanto, não têm sido reanimados em particular devido ao bloqueio da Ucrânia, e pelo facto de estes acordos favorecerem mais a Rússia. Os seus textos preveem a concessão de um estatuto de autonomia às duas entidades secessionistas com contornos a definir e “em acordo com os representantes das regiões mencionadas”, e que deverá ser inscrito na Constituição ucraniana.
De seguida, devem ser convocadas eleições para definir quem serão os responsáveis por essa autonomia. Nesta perspetiva, uma ampla autonomia seria favorável aos interesses de Putin, por constituir um peso permanente sobre a vida política ucraniana e impedir um posicionamento internacional desfavorável à Rússia, em particular a eventual adesão de Kiev à NATO.
Na perspetiva de diversos observadores, é a questão principal que bloqueia a execução dos acordos de Minsk, com contínuas violações do cessar-fogo de parte a parte – sempre negadas pelo lado ucraniano – e o recuo das forças combatentes para uma distância de vários quilómetros, exigida pelos acordos, mas nunca executada.
Nos diversos encontros dos signatários, Kiev tem pedido a retirada das tropas russas do Donbass – Moscovo apenas admite a presença de “voluntários russos” que não controla –, e o regresso do controlo das fronteiras com a Rússia como condição prévia para a aplicação de outras disposições.
Apesar da recente degradação da situação militar, admite-se que Putin numa situação limite possa ser tentado a “trocar” a autonomia do Donbass pelo compromisso de Kiev em não aderir à NATO, e protelar as suas conversações de adesão à União Europeia (UE). Os habituais jogos geopolíticos de bastidores quase sempre decididos à margem das populações envolvidas, mesmo que continuem a reivindicar os seus heróis nacionais.
* Por Pedro Caldeira Rodrigues, da agência Lusa, em Druzhkivska, leste da Ucrânia
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