
"Certamente" que a relação pode ser retomada, declarou o presidente ucraniano em entrevista à Fox News, mas ressaltou que não deve desculpas ao seu homólogo americano.
Reconheceu que seria "difícil" para a Ucrânia conter a invasão das forças russas sem o apoio americano e que gostaria que Trump estivesse "realmente mais" ao lado do seu país. "Ninguém quer acabar com a guerra mais do que nós mesmos", frisou.
A entrevista ocorreu horas depois de um encontro que começou bastante bem e terminou mal: sem a assinatura de um acordo que daria a Washington acesso a minerais raros ucranianos, numa conferência de imprensa.
Trump, que se orgulha da proximidade com o presidente russo Vladimir Putin, cumprimentou Zelensky com um aperto de mãos antes de fazer uma piada sobre seu fato de estilo militar.
Mas, na Sala Oval, o presidente dos Estados Unidos pediu que a Ucrânia aceitasse "concessões".
Zelensky exigiu que não houvesse condescendência com o presidente russo, a quem chamou de "assassino", e mostrou fotos da guerra iniciada há três anos, após a invasão do seu país.
De repente, o tom mudou. O vice-presidente J.D. Vance interveio, para defender a "diplomacia".
"Desrespeitoso"
Zelensky, esforçou-se para permanecer calmo, expressou o seu desacordo e argumentou que Putin, após anexar a Crimeia em 2014, nunca cumpriu a palavra sobre a Ucrânia.
O comentário enfureceu Vance. Acusou-o de ser "desrespeitoso" e criticou-o por forçar "os recrutas" a lutar na linha de frente, enquanto o convidado permanecia com os braços cruzados.
O Presidente ucraniano ficou tenso. "Já esteve na Ucrânia alguma vez?", perguntou-lhe.
Vance acusou-o de propor uma visita "propagandística".
Zelensky tentou defender-se, disse que os Estados Unidos vão acabar a sentir os efeitos da guerra, embora um oceano os separe da Europa.
E foi nesse momento que Donald Trump interveio: "Não nos diga o que vamos sentir", protestou, gesticulando e levantando a voz. Zelensky apenas levantou as sobrancelhas e tentou falar.
"Está a colocar-se numa posição muito má. Não tem as cartas" na mão, disse Trump.
"Terceira Guerra Mundial"
"Está a brincar com o risco de uma Terceira Guerra Mundial, e o que está a fazer é a faltar ao respeito a este país", afirmou Trump.
A discussão continuou, perante os olhares surpresos dos jornalistas.
"Agradeceu?", interveio o vice-presidente, referindo-se à ajuda militar entregue pelos Estados Unidos durante o governo do democrata Joe Biden.
Quando Donald Trump lhe disse que sem a ajuda militar dos Estados Unidos a guerra terminaria "em duas semanas", o presidente ucraniano, exasperado, respondeu: "Em três dias. Isso foi o que eu ouvi de Putin."
O presidente dos Estados Unidos deu a estocada final ameaçando seu convidado: "O seu povo é muito corajoso, mas ou alcançam um acordo ou estamos fora."
Mais tarde, na sua rede Truth Social, Trump foi enfático: "[Zelensky] não está preparado para a paz [...] Faltou ao respeito aos Estados Unidos no estimado Salão Oval. Ele pode voltar quando estiver preparado para a paz."
O secretário do Tesouro, Scott Bessent, que estava presente na discussão, confirmou à Fox News que, após o incidente, os ucranianos foram "convidados" a "sair da sala" e depois "sair do edifício".
Na rede social X, Zelensky agradeceu ao presidente, ao Congresso e ao povo dos Estados Unidos. "A Ucrânia precisa de uma paz justa e duradoura e estamos a trabalhar nisso", escreveu.
Antes que a reunião azedasse, o presidente ucraniano afirmou que Trump estava "ao lado" da Ucrânia, e o republicano de 78 anos congratulou-se por ter alcançado um acordo "muito justo" sobre o acesso aos recursos ucranianos.
Um acordo que fica no ar. Para Trump, funcionaria como uma espécie de "rede de segurança", porque duvida que alguém "vá procurar problemas" se os Estados Unidos tiverem "muitos trabalhadores" a extrair minerais na Ucrânia.
Horas mais tarde, Trump declarou que o seu convidado "forçou a barra" e exigiu "um cessar-fogo agora" na Ucrânia, cujo comandante-chefe do Exército afirmou que "as forças armadas estão" com Zelensky.
Ucrânia e Europa têm acompanhado com preocupação a aproximação entre Trump e Putin, que iniciaram negociações para pôr fim à guerra.
"Não está sozinho"
O magnata republicano reiterou que confia no presidente russo, apesar das repetidas advertências de Londres e Paris sobre a fragilidade de qualquer trégua que não seja acompanhada de um mecanismo sólido de controlo e segurança.
Trump recusa-se a considerar Moscovo responsável pela guerra e fechou completamente a porta para uma possível adesão da Ucrânia à NATO.
A porta-voz da diplomacia russa estimou que Trump e Vance agiram com "moderação" perante o "canalha" Zelensky.
Mas o líder da minoria democrata no Senado americano, Chuck Schumer, acusou-os de fazer o "trabalho sujo" de Putin.
Numa declaração conjunta, os líderes da União Europeia, Ursula von der Leyen, presidente da Comissão, e António Costa, presidente do Conselho, garantiram a Zelensky que "não está sozinho".
"Não tenho palavras": discussão entre Trump e Zelensky causa indignação na Ucrânia
"Não tenho palavras", diz o ucraniano Roman Shkanov, que trabalha num escritório, surpreendido e indignado após a discussão desta sexta-feira entre os presidentes Volodymyr Zelensky e Donald Trump na Casa Branca.
"Que um país tão forte adote uma postura tão fraca e apoie ditaduras... Que, em suma, beije os seus pés...", lamentou Shkanov, aos 32 anos, ainda sem acreditar no que tinha ocorrido horas antes. "Defendeu totalmente os nossos interesses, não deixou que nos arrastassem para uma espécie de escravidão", disse sobre Zelensky.
O encontro entre os dois líderes em Washington terminou com Trump repreendendo Zelensky e acusando-o de não ser grato o suficiente pela ajuda fornecida pelos Estados Unidos para conter a invasão russa iniciada em fevereiro de 2022.
Nas ruas de Kiev, a maioria das pessoas ouvidas pela AFP pensa como Shkanov e apoia Zelensky perante as críticas feitas por Trump, que pareceu estar mais em sintonia com o presidente russo, Vladimir Putin.
"Não pode ficar calado" quanto Trump e Vance "dizem essas estupidezes", comentou Valentin Burianov, aos 26 anos. "Fez o que deveria", afirmou, sobre Zelensky.
Esperança desfeita
A médica de 26 anos Anna Plachkova ressaltou, em Kiev, que todos os ucranianos "estão muito agradecidos e muito cientes do que as pessoas de outros países sacrificam para oferecer assistência à Ucrânia. Trump tocou num ponto sensível aqui, é uma acusação muito grave dizer que somos ingratos."
Os Estados Unidos forneceram à Ucrânia mais de 60 mil milhões de dólares em ajuda militar desde o começo da invasão russa, segundo dados oficiais.
A notícia da discussão na Casa Branca preocupa Anna: "O apoio dos Estados Unidos é muito importante. A discussão pode ter um grande impacto na nossa situação e no curso da guerra."
Lilia Ivanova, 22, tem o mesmo medo. "Sinto que nada disso é bom. O que está a acontecer não é bom para a Ucrânia", lamentou a jovem, que acreditava que Trump poderia trazer a paz para o seu país: "Tínhamos esperança de que a guerra terminaria numa semana, em três meses, num ano... Tínhamos alguma esperança com Trump, mas ela está a dissipar-se."
A discussão inédita de sexta-feira entre Donald Trump e Volodymyr Zelensky, na Casa Branca, provocou uma onda de reações no mundo, com Moscovo a aplaudir o que chamou de momento "histórico" e as potências ocidentais reafirmam o apoio à Ucrânia.
Rússia: "Histórico"
"Histórico", considerou Kirill Dmitriev, gestor do Fundo Russo de Investimento Direto e um dos negociadores russos nas conversas russo-americanas de 18 de fevereiro na Arábia Saudita.
"Pela primeira vez, Trump disse a verdade na cara do palhaço cheirador de cocaína", declarou, por sua vez, o ex-presidente Dmitry Medvedev, atual número dois do Conselho de Segurança russo, ao referir-se ao presidente ucraniano.
"Como Trump e Vance se contiveram e não deram um estalho nesse canalha é um milagre da moderação", escreveu a porta-voz da diplomacia russa, Maria Zakharova, no Telegram.
Ucrânia: "Paz sem garantias"
"A paz sem garantias não é possível", considerou o primeiro-ministro ucraniano, Denys Shmyhal. "O presidente Zelensky tem razão", acrescentou. "Um cessar-fogo sem garantias é o caminho para a ocupação russa de todo o continente europeu".
O comandante-chefe do Exército ucraniano, Oleksandr Sirski, disse que "as forças armadas estão com a Ucrânia, com o povo, com o comandante supremo", referindo-se a Zelensky.
UE: "Nunca estará sozinho"
"A sua dignidade, honra, a coragem do povo ucraniano. Seja forte, seja valente, seja intrépido. Nunca estará sozinho, querido presidente Zelensky", escreveram a presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen, e o presidente do Conselho Europeu, António Costa.
"Vamos continuar a trabalhar consigo para uma paz justa e duradoura", acrescentaram numa declaração conjunta.
"Hoje ficou claro que o mundo livre precisa de um novo líder. Cabe a nós, europeus, assumir esse desafio", disse a chefe da diplomacia da UE, Kaja Kallas.
Portugal: “A Ucrânia pode sempre contar com Portugal”
O primeiro-ministro português transmitiu hoje uma mensagem de apoio ao Presidente ucraniano depois de uma reunião tensa na Casa Branca que terminou sem acordo.
“A Ucrânia pode sempre contar com Portugal”, pode ler-se num mensagem publicada nas redes sociais de Luís Montenegro, escrita em português e em inglês, e na qual o primeiro-ministro português identifica Volodymyr Zelensky.
Espanha: "Com a Ucrânia"
"Ucrânia, a Espanha está consigo", escreveu o presidente de governo espanhol, o socialista Pedro Sánchez, na rede social X, após a discussão acalorada.
Sánchez tem sido um apoiante ativo da Ucrânia após a invasão russa há três anos. Nesta segunda, durante uma reunião internacional em Kiev, prometeu um novo pacote de assistência militar para os ucranianos de mil milhões de euros em 2025.
França: "Agressor" russo
"Existe um agressor que é a Rússia. Existe um povo agredido que é a Ucrânia", declarou o presidente francês, Emmanuel Macron, durante visita a Portugal.
"Acho que estávamos certos ao ajudar a Ucrânia e sancionar a Rússia há três anos, e continuar a fazê-lo", afirmou.
"É preciso agradecer a todos os que ajudaram e respeitar os que lutam desde o princípio, porque lutam pela sua dignidade, a sua independência, pelos seus filhos e pela segurança da Europa", prosseguiu Macron. "São coisas simples, mas é bom lembrá-las em momentos como este."
Alemanha: "Não confundir agressor e vítima"
"Ninguém deseja mais a paz que os cidadãos da Ucrânia! Por isso procuramos juntos o caminho para uma paz duradoura e justa. A Ucrânia pode contar com a Alemanha e com a Europa", afirmou o chefe do governo alemão, Olaf Scholz, em comunicado.
O vencedor das recentes eleições e provável sucessor, o conservador Friedrich Merz, disse a Zelensky que apoia a Ucrânia "tanto nos bons como nos maus momentos". "Jamais devemos confundir agressor e vítima nesta terrível guerra", afirmou.
Reino Unido: "Apoio inabalável"
O primeiro-ministro britânico, Keir Starmer, afirmou que conversou tanto com Trump quanto com Zelensky. "Mantém um apoio inabalável à Ucrânia e faz tudo o que pode para encontrar o caminho para uma paz duradoura baseada na soberania e na segurança da Ucrânia", declarou uma porta-voz.
"Está ansioso para receber no domingo os líderes internacionais, incluindo o presidente Zelensky", numa cimeira dedicada à guerra na Ucrânia em Londres, acrescentou.
Itália: cimeira "sem demora"
A primeira-ministra italiana, Giorgia Meloni, pediu a convocação "sem demora" de uma reunião da cimeira entre os Estados Unidos, a Europa e os seus aliados sobre a Ucrânia.
O objetivo é "discutir com franqueza como pretendemos abordar os grandes desafios atuais, a começar pela Ucrânia, que defendemos juntos nos últimos anos", manifestou.
Polónia: "Amigos ucranianos"
O primeiro-ministro polaco, Donald Tusk, assegurou ao presidente ucraniano e aos seus compatriotas que "não estão sozinhos" numa mensagem publicada após a discussão entre Trump e Zelensky.
"Querido Zelensky, queridos amigos ucranianos, vocês não estão sozinhos", escreveu Tusk na rede social X minutos depois de o mandatário ucraniano deixar a Casa Branca.
Países Baixos: Apoio "intacto"
"O apoio dos Países Baixos à Ucrânia continua intacto, principalmente agora", afirmou o primeiro-ministro Dick Schoof. "Queremos uma paz duradoura e o fim da guerra de agressão desencadeada pela Rússia."
Hungria: "Obrigado"
O primeiro-ministro húngaro, Viktor Orban, agradeceu a Trump por ter defendido "corajosamente a paz".
"Os homens fortes fazem a paz, os fracos fazem a guerra. Hoje, o presidente Donald Trump defendeu corajosamente a paz, embora, para muitos, isso seja difícil de digerir. Obrigado, sr. presidente."
Outros países
Outros países ocidentais também expressaram apoio a Kiev. O Canadá enfatizou que a Ucrânia luta pela sua liberdade, mas também "pela nossa", e a Dinamarca disse ter orgulho "de apoiar a Ucrânia e o povo ucraniano".
"Uma Suécia unida apoia os nossos amigos da Ucrânia", manifestou o premier sueco, Ulf Kristersson.
O seu homólogo australiano, Anthony Albanese, disse que o país "apoiaria a Ucrânia" pelo tempo que fosse necessário e denunciou as "intenções imperialistas" de Putin.
Também na Oceania, o primeiro-ministro da Nova Zelândia, Christopher Luxon, expressou seu apoio "inabalável" à Ucrânia na defesa de "uma nação orgulhosa, democrática e soberana, mas também do direito internacional".
*Com agências
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