Atualmente, num total de 13 juízes do Tribunal Constitucional (TC), três mantêm-se em funções apesar de o seu mandato já ter terminado, uma vez que os restantes 10 não conseguiram chegar a acordo sobre os nomes escolhidos para os substituírem.
Para perceber como são escolhidos os juízes do TC e o que levou ao atual impasse, eis algumas perguntas e respostas:
Como são escolhidos os juízes do Tribunal Constitucional?
A Constituição da República estabelece que o Tribunal Constitucional (TC) é “composto por treze juízes, sendo dez designados pela Assembleia da República e três cooptados por estes”.
Segundo a Lei Orgânica do Tribunal Constitucional, o mandato destes juízes tem uma duração de nove anos, “contados da data da posse”, cessando “funções com a posse do juiz designado para ocupar o respetivo lugar”.
No que se refere aos juízes escolhidos pela Assembleia da República, é feita uma eleição, em voto secreto em urna, que requer uma maioria qualificada de dois terços dos deputados presentes para que um nome seja aprovado.
Já a escolha dos juízes cooptados é feita numa reunião dos 10 juízes eleitos pela Assembleia da República através de um voto secreto. Para que um nome seja escolhido, é necessário “um mínimo de sete votos na mesma votação”.
“Se após cinco votações não tiverem sido preenchidas todas as vagas, organiza-se nova relação nominal para preenchimento das restantes”, estipula a lei do TC.
Quantos juízes já ultrapassaram o seu mandato?
Na atual composição do TC, os três juízes cooptados já chegaram ao final do seu mandato, mas mantêm-se em funções, uma vez que os restantes 10 juízes, escolhidos pela Assembleia da República, ainda não chegaram a acordo sobre os nomes para os substituírem.
Pedro Machete, vice-presidente do Tribunal Constitucional, terminou o seu mandato em 01 de outubro de 2021, Lino Ribeiro, em junho de 2022, e João Caupers, atual presidente do TC, também viu o seu mandato terminar no passado dia 06 de março.
Em entrevista à RTP na quarta-feira à noite, Caupers admitiu que a situação “não é comum”, mas descartou qualquer responsabilidade dos três juízes em questão, salientando que a lei estabelece que “os juízes só cessam funções quando são substituídos”.
“Não cabe a nenhum dos três juízes que devem ser substituídos resolver o problema, nem têm um instrumento para resolver o problema. (…) Se nós decidíssemos os três amanhã deixar o tribunal, nesse mesmo dia o tribunal deixaria de funcionar: ficava sem presidente, sem vice-presidente, com uma secção reduzida a quatros juízes e duas reduzidas a três”, disse.
Como é que surgiu o atual impasse?
O atual impasse surgiu depois de, em maio de 2022, os juízes conselheiros terem chumbado a escolha de António Almeida Costa para substituir Pedro Machete.
O chumbo ocorreu depois de o Diário de Notícias ter noticiado que António Almeida Costa, escolhido pela “ala direita” dos juízes, tinha assumido no passado posições antiaborto.
De acordo com o jornal, António Almeida Costa tinha, num artigo académico publicado em 1984, considerado que “os casos de gravidez proveniente de violação [são] muito raros”, o que “afasta, desde logo, a indicação ética ou criminológica como fundamento para a legalização do aborto”.
Nesse artigo, Almeida Costa considerava que o aborto era permissível apenas em casos de morte iminente da mãe - apesar de, mesmo assim, descartar a existência de “qualquer argumento favorável à legalização da interrupção voluntária da gravidez" - e referia-se a experiências nazis como “investigações médicas”.
O nome de António Almeida Costa acabou por ser chumbado na reunião dos juízes conselheiros para elegerem o substituto de Pedro Machete.
Segundo o Observador, o nome de António Almeida Costa foi submetido a votação por cinco vezes, mas foi sucessivamente rejeitado com seis votos a favor e quatro contra, não conseguindo assim reunir os dois terços dos votos necessários à sua eleição.
Na entrevista à RTP na quarta-feira à noite, Caupers admitiu que foi esse chumbo que levou ao atual impasse, uma vez que “adulterou o ambiente das relações entre os juízes”.
“Os processos de cooptação fazem-se há 40 anos, eu próprio fui cooptado, e nunca houve um problema destes. Porque é que neste caso isto aconteceu? Provavelmente porque ocorreram factos na tentativa falhada de cooptação que adulteraram as relações. Eu acho que foi isso”, referiu.
Pode haver alterações ao modelo de designação de juízes?
Após a polémica relativa ao caso de António Almeida Costa, vários constitucionalistas defenderam que o processo de cooptação dos juízes do Tribunal Constitucional deve ser mais transparente ou eventualmente alterado.
O próprio Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, numa sessão que assinalou os 40 anos do TC, apontou vicissitudes ao processo de designação de juízes, apesar de considerar que aquele órgão judicial tem feito um “constante esforço para minimizá-las”.
Na entrevista de quarta-feira, João Caupers admitiu que, “se não for possível uma solução gerada no âmbito do próprio colégio de cooptação” para ultrapassar o atual impasse, “o único remédio será uma revisão da Constituição”.
No entanto, nenhum dos partidos apresentou até ao momento qualquer proposta de alteração ao método de designação de juízes do TC no processo de revisão constitucional que está em curso na Assembleia da República.
Em junho, após o chumbo do nome de António Almeida Costa, o PS, através do seu líder parlamentar, Eurico Brilhante Dias, salientou que uma alteração do modelo de eleição dos juízes “recolhe simpatia” junto da bancada socialista.
No entanto, em declarações ao Observador também em junho, o líder parlamentar do PSD, Paulo Mota Pinto, rejeitou qualquer alteração a esse modelo, salientando que o método de escolha atual visa garantir um “equilíbrio delicado”.
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