"Nós não temos levado suficientemente a sério a descentralização. Descentralizar significa criar condições para que as áreas que são descentralizadas possam ser desenvolvidas nas diferentes escalas mais eficazmente e isso significa recursos humanos e recursos financeiros", afirmou a especialista e ordenamento do território em entrevista à Lusa.
Enquanto geógrafa e docente do Departamento de Geografia da Faculdade de Letras da Universidade do Porto, Teresa Sá Marques foi um dos peritos nacionais a quem a Comissão Independente para a Descentralização, presidida por João Cravinho, contratualizou um conjunto de estudos, cujas conclusões foram conhecidas em julho de 2019 e que, considera a docente, se mantêm atualizadas.
Responsável pela análise do papel dos sistemas urbanos na caracterização do território nacional no contexto ibérico e europeu, a investigadora nas áreas do planeamento e ordenamento do território, entre outros, deixa críticas a um Estado "muito centralista", considerando que a transferência de competências a que país tem vindo a assistir é uma "semi-descentralização".
"Nós não tivemos ainda um processo de descentralização, tivemos um semi, ou seja, começamos um processo. Umas câmaras aderiram, outras não, mas na prática, processo de descentralização ainda não o vemos. Ainda não foram criadas verdadeiramente as condições para fazer este processo de descentralização", sustentou.
A docente considera aliás que o relatório da Comissão Independente para a Descentralização - que teve por base os estudos desenvolvidos por vários peritos nacionais - foi de certa forma "esquecido", não tendo sido "suficientemente" refletido pela sociedade portuguesa.
"Eu considero que devia-se ter dado continuidade a este processo. Foi um período em que uma equipa esteve a trabalhar, mas depois não houve um debate, não houve um envolvimento das instituições, da sociedade e mesmo da Assembleia da República a dar continuidade a uma encomenda que fez", observou.
Salientando a importância da descentralização, a investigadora considera que a pandemia veio evidenciar a importância dos territórios e das autarquias, tornando cada vez mais "pertinente" a necessidade de o país se organizar de diferentes formas e a diferentes escalas.
Otimista quanto aos próximos anos, num quadro em que o país vai usufruir dos fundos provenientes do Plano de Recuperação e Resiliência (PRR) e do novo quadro comunitário de apoio - Portugal 2030 - Teresa Sá Marques continua a defender a regionalização, assente num processo eleitoral.
"A regionalização não se vai fazer por causa da baixa densidade, ou por causa das áreas metropolitanas. A fazer-se, e estou convencida que se vai fazer, é porque consideramos que, com uma estrutura intermédia de poder, as entidades vão estar mais perto de todos os cidadãos, conseguindo uma gestão do território e de todos recursos de uma forma mais eficiente e menos focada em determinados territórios", defendeu.
Para a docente, o grande desafio passa pela capacitação das estruturas e pela educação para a participação e para a mudança, mais do que a descentralização do financiamento.
No documento de junho de 2019, elaborado a pedido da Comissão Independente para Descentralização, Teresa Sá Marques conclui que “os governos devem encorajar estratégias de desenvolvimento territorial, com políticas de geometria variável, em função das cidades e das regiões”.
Para a docente, políticas que aproximem os poderes e os recursos das regiões e que discriminem positivamente as cidades de segundo nível, de cada uma das regiões, pode ter claros benefícios para o desempenho económico do todo nacional, contribuindo ainda para atenuar as injustiças espaciais e para reforçar da coesão nacional.
O trabalho desenvolvido pela docente foi um dos que serviu de base ao relatório da Comissão Independente para a Descentralização, criada em 2018 e liderada pelo antigo ministro socialista João Cravinho.
No relatório conhecido em julho de 2019, o organismo defende a criação de regiões administrativas em Portugal, processo que deve iniciar-se com o referendo previsto na Constituição.
As futuras regiões administrativas devem, numa primeira fase, dar prioridade à gestão de fundos europeus estruturais e de investimento, apesar de poderem também assumir competências na cultura, agricultura e educação, defende o relatório que afirma que o grau de centralismo das decisões públicas em Portugal acentuou-se de forma significativa”, nos últimos anos, “com a crescente debilitação das entidades da administração central presentes nas regiões”.
Por outro lado, alimentou "um perigoso sentimento de abandono por parte de populações que se sentem esquecidas e cada vez mais longe de decisores políticos".
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