Os autores, Nuno Saraiva, ilustrador, e Madalena Martins, designer, pretendem com a sua peça “chocar as pessoas” que com ela se deparem, defendendo que a ideia “não foi para fazer bonito”.
“É o vómito de uma imensidão de plástico que um peixe zangado nos devolve. Estar ao pé de um vómito não é agradável. Apesar dos sorrisos agora, a verdade é que estamos a celebrar uma coisa séria”, explicou Nuno Saraiva, nascido e criado na Mouraria, em Lisboa, na apresentação da peça.
Segundo o artista plástico, o “Re-Volta” tem a ver com a realidade que a sociedade conhece e pretende chamar a atenção, sobretudo, das crianças, para que tenham consciência “do planeta em que querem viver e que os adultos querem deixar para os filhos”.
“É um alerta para todos os cidadãos comuns para não desperdiçar tanto este lixo residual das tampinhas de plástico, das beatas, das palhinhas, do copo de plástico. Tudo o que lançamos para o mar e que este peixe zangado nos devolve”, explicou à Lusa.
Já para Madalena Martins, o nome da obra resume o que a peça representa: “A revolta do peixe e, principalmente, do mar que está enojado e saturado. Que já não aguenta mais o plástico que ao longo dos anos lançámos e manifesta-se, sendo que o plástico volta ao ponto de partida”.
Segundo a artista, “a peça é o congelar de um momento de um peixe que viajou pelos esgotos", assim criada para reforçar que “é urgente resolver o problema do lixo”.
Embora tenha sido hoje inaugurada, a peça encontra-se no Martim Moniz, junto às escadinhas da Saúde, há dois dias, pelo que tanto Madalena Martins como Nuno Saraiva já se detiveram a observar a reação de quem passa por perto.
“Estive aqui uma tarde e fiz a análise. Quando uma criança, em dois segundos, lê a peça isso é incrível”, afirmou Madalena, adiantando que os moradores da zona “sentiram alguma vergonha” por verem que as beatas apanhadas no chão no bairro fazem parte da estrutura.
“Se com essa vergonha mudarem os seus hábitos já é uma grande conquista, tem de ser aos bocadinhos”, reconheceu.
Nuno Saraiva partilha da opinião, frisando que o seu sonho “não é tanto a sobrevivência da peça em si”, mas o “transmitir da mensagem”.
“Vejo nos olhos das crianças e turistas que aqui passam. Tenho-me apercebido das suas exclamações e quando são as crianças que explicam aos pais que se trata de um peixe que está a sair de um esgoto, apontando para a sua tampa, e para o que lhe sai da boca…”, disse Nuno Martins, reconhecendo que a missão está no bom caminho.
Para já a obra vai ficar durante três meses no Martim Moniz, mas o presidente da Junta de Santa Maria Maior, Miguel Coelho, avançou hoje, durante a apresentação, que o objetivo é que a obra possa “ir sendo plantada ao longo do território” da freguesia, que abraça Alfama, Chiado, Baixa e Mouraria.
Já Cristina Sousa, da Zero Waste Lab, explicou que a obra é o resultado de “um ano de trabalho da associação dedicada ao Movimento Lixo Zero na Mouraria” e pretende repensar os hábitos de uma comunidade “muito complexa e com muitas culturas”.
“É um epicentro onde muita coisa acontece, mas que é um espelho de tudo o que se passa na cidade. Tudo o que se passou aqui aplica-se noutros bairros, à cidade”, frisou, alertando que o novo R de Revolta se vem juntar aos da sustentabilidade já existentes: Reduzir, Reutilizar e Reciclar.
Segundo Cristina Sousa, foi toda a comunidade que esteve envolvida. Parte das garrafas vieram da Brigada do Mar e as beatas resultaram de uma recolha com cerca de 700 voluntários que, durante um ano, no total, juntaram mais de 200 mil.
“São uma gota no oceano das beatas, mas levantou consciências e abriu o olhar para o problema”, explicou a responsável da Zero Waste Lab, que se candidatou ao projeto BIP/ZIP da Câmara de Lisboa.
Para Luís Coelho, do atelier Lindo Serviço, que desenvolveu a peça, foi um desafio fazer a estrutura de “resina e fibra de vidro – para ser leve e resistente à chuva – que agarra o lixo esculpindo a obra”.
O processo envolveu uma surpresa: quando destaparam o molde de argila, que serviria depois para a cabeça do peixe, viram tufos de erva a sair da sua boca.
“O periquito da Madalena tinha por lá deixado algumas sementes que eclodiram durante aquela semana, pois o molde tinha ficado com uma coberta para não estalar”, contou Luís Coelho.
*Por Rosa Cotter Paiva (texto) e Manuel Almeida (foto), da agência Lusa.
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