A resposta é: não sabemos. Mas o primeiro-ministro britânico está a colocar-se à prova, de novo.

Exatamente um mês depois de ter sobrevivido a uma moção de censura interna no Partido Conservador — em que 211 deputados do seu partido (59%) responderam sim à pergunta “Ainda tem confiança em Boris Johnson como líder?” —, Boris Johnson volta a navegar uma tempestade política.

A vitória de junho, na sequência do "Partygate", o escândalo das festas semanais em Downing Street quando o país estava confinado, foi vista por muitos analistas como "técnica", deixando o líder britânico bastante debilitado.

À data, o professor do Departamento de Política e Relações Internacionais da Universidade de Sheffield, Matthew Flinders, lembrou que “Johnson é famoso por sobreviver a feridas políticas". “Fica safo no futuro próximo e vai aguentar eventualmente até às próximas eleições legislativas”, previstas para 2024, mesmo ficando "preso por um fio", antecipava.

Já a politóloga Felicity Matthews, também da Universidade de Sheffield, dava conta do "desespero sentido por muitos deputados conservadores, que estão cansados de defender o primeiro-ministro". “Ganhar a votação desta noite é muito diferente de manter o poder e a legitimidade a longo prazo”, acrescentou a académica, dizendo mesmo que a sua autoridade estava "destinada a desaparecer”.

Avancemos umas semanas...

A 24 de junho os Conservadores sofreram uma derrota nas duas eleições legislativas parciais, perdendo os círculo eleitoral de Tiverton e Honiton para os liberais democratas e o de Wakefield para o principal grupo da oposição, o Partido Trabalhista.

Enquanto o presidente do Partido Conservador britânico, Oliver Dowden, se demitiu, Boris comprometeu-se a "escutar" os eleitores, atribuindo os "resultados difíceis” à inflação e ao seu impacto no preço da energia, combustíveis e comida.

Mas, querendo ou não, o facto é que estas eleições foram também encaradas como um teste à popularidade do primeiro-ministro junto dos eleitores, após o "Partygate" e em plena crise económica — e Boris perdeu.

Entretanto...

As lucrativas atividades de lobby de alguns deputados conservadores provocaram indignação no decurso do mandato de Johnson. O deputado Owen Paterson, por exemplo, foi acusado de fazer lobby junto do governo em nome de duas empresas que lhe pagaram para esse efeito. Johnson tentou mudar as regras para evitar que fosse suspenso do Parlamento e recebeu uma avalanche de críticas que o forçaram a recuar.

Além disso, o primeiro-ministro afirmou que pagou do seu bolso a luxuosa reforma do apartamento oficial em que mora com sua família em Downing Street. No entanto, recebeu uma doação, que posteriormente teve de devolver, de um milionário simpatizante do Partido Conservador, que foi multado pela comissão eleitoral por não declará-la.

E, claro, a inflação descontrolada, que atingiu um recorde de 40 anos no Reino Unido, chegando aos 9% anuais em maio, afetou a popularidade do governo, acusado de não fazer o suficiente para ajudar as famílias que lutam pela sobrevivência mês a mês.

Agora...

A mais recente crise foi causada pela admissão de Johnson de que cometeu um "erro" ao nomear Chris Pincher para o Governo em fevereiro como responsável pela disciplina parlamentar. Recorde-se que Pincher se demitiu a semana passada, após ter sido acusado de ter apalpado dois homens. Esta terça-feira, e depois de alegar o contrário, Downing Street reconheceu que o primeiro-ministro tinha sido informado já em 2019 de antigas acusações contra Pincher, mas que teria esquecido o assunto.

Horas depois, já ao final do dia, os ministros da Saúde, Sajid Javid, e das Finanças, Rishi Sunak, deram o "pontapé de saída" numa série de demissões — 38 até agora, sendo que o executivo tem entre 160 a 170 pessoas —, entre ministros, secretários de Estado, assistentes e outros conselheiros.

Hoje, Boris Johnson disse que quer continuar no cargo — “não seria de maneira nenhuma responsável virar as costas” — , que quem saiu pode ser substituído porque "há uma riqueza de talentos” na bancada parlamentar e que não pretende dissolver o Parlamento e convocar eleições antecipadas.

Mas é capaz de não ser suficiente. Já se sabe que um grupo de ministros está a planear confrontar o primeiro-ministro e dizer-lhe que deve renunciar ao cargo. Outros rumaram à residência oficial esta tarde para mostrar apoio.

Seja qual for o desfecho, Downing Street prepara-se para mais uma noite longa e, ao que tudo indica, sem motivos para fazer a festa.

*Com Lusa