À entrada para um ano de 2019 decisivo, com a consumação do ‘Brexit’ — ordenado ou desordenado -, negociação do próximo quadro financeiro plurianual, eleições europeias sob o estigma da subida do populismo e nacionalismo, “braços-de-ferro” já em curso com alguns Estados-membros — Polónia e Hungria devido ao Estado de direito, Itália devido ao orçamento para 2019 -, Bruxelas dispensava novos problemas, mas eles chegam precisamente da futura presidência do Conselho da UE, e acentuaram-se a um mês de Bucareste se juntar a Bruxelas nas rédeas da Europa.
Como se não bastasse a inquietação com a reforma judicial promovida pela coligação governamental liderada pelos socialistas do Partido Social Democrata (PSD), que já levou a Comissão Europeia a ameaçar levar a Roménia a tribunal, em 12 de novembro passado o ministro responsável pelos Assuntos Europeus demitiu-se e o Presidente Klaus Iohannis (de centro-direita) declarou que o país não estava preparado para assumir a presidência do Conselho da União Europeia, fazendo soar em definitivo os alarmes em Bruxelas e levando mesmo a Finlândia a disponibilizar-se a “antecipar” a sua presidência, prevista para o segundo semestre de 2019.
Entretanto o Governo procedeu a uma remodelação governamental, com o diplomata George Ciamba a suceder a Victor Negrescu e a assumir-se como o novo homem forte para os Assuntos Europeus, responsável pela preparação da presidência romena da UE no primeiro semestre de 2019, e o chefe de Estado “voltou atrás” nas suas declarações. Mas a preocupação está definitivamente instalada em Bruxelas.
A preocupação com a Roménia não é nova. O mais “jovem” Estado-membro da UE, juntamente com a Bulgária — ambos aderiram em 2007, naquele que foi o último alargamento do bloco europeu — é apontado como um dos países mais pobres e corruptos do bloco europeu, e a imagem não melhorou com a subida ao poder, nas eleições legislativas de finais de 2016, do atual Governo de esquerda, encabeçado pelos socialistas do PSD em coligação com os liberais do ALDE.
A anunciada intenção do Governo de alterar a legislação anticorrupção, “suavizando” as penas para determinados tipos de crimes e alterando o código penal relativamente a abuso de poder — com a peculiar alegação de que os estabelecimentos prisionais estavam sobrelotados -, motivou, entre 2017 e este ano, as maiores manifestações na Roménia desde a queda do regime comunista de Nicolae Ceausescu, em 1989, forçando o executivo a recuar nas suas intenções.
De acordo com vários críticos, algumas das alterações legislativas preconizadas visavam travar processos em curso contra várias figuras políticas e, nomeadamente, permitir ao líder do PSD, Liviu Dragnea, solicitar uma revisão da pena a que foi condenado por fraude eleitoral, uma sentença de dois anos de prisão com pena suspensa, e que o impede de ser o primeiro-ministro do país (sendo que a maioria dos analistas consideram que é ele o verdadeiro poder atrás do Governo).
A crise agravou-se com o afastamento da chefe da Direção Nacional Anticorrupção, Laura Codruta Kovesi, no cargo desde 2014 e vista, na Roménia e fora de fronteiras, como o símbolo da luta contra a corrupção no país.
O pico da contestação — e da preocupação em Bruxelas — ocorreu em agosto passado, quando uma manifestação organizada por expatriados, denominada “diáspora em casa”, e que só em Bucareste juntou cerca de 100 mil pessoas, foi violentamente reprimida pelas forças policiais, registando-se centenas de feridos.
Bruxelas, que já tinha o país sob olhar atento, redobrou a sua vigilância, e, em novembro, uma resolução (não vinculativa) do Parlamento Europeu, e um relatório (vinculativo) da Comissão Europeia aumentaram a pressão sobre Bucareste, com a Roménia “ameaçada” de ser levada ao Tribunal de Justiça devido ao que Bruxelas classifica como “uma deterioração” da situação.
Em 13 de novembro, no mesmo dia em que o Parlamento Europeu exortou a Roménia a não violar o Estado de Direito com as reformas do sistema judicial que ameaçam a independência dos magistrados, a Comissão Europeia teceu duras críticas ao país, no seu mais recente relatório sobre a evolução registada quanto ao cumprimento dos compromissos assumidos nos domínios da reforma judicial e da luta contra a corrupção, no contexto do Mecanismo de Cooperação e de Verificação (MCV), imposto a Bucareste e Sófia desde a sua adesão, em 2007.
“Infelizmente, os desenvolvimentos dos últimos 12 meses puseram em causa, e em alguns casos inclusive reverteram, os progressos feitos nos últimos dez anos. É essencial que a Roménia se reoriente de imediato para o bom caminho em termos de combate à corrupção, garantindo também um sistema judiciário independente”, alertou na ocasião o primeiro vice-Presidente da Comissão Europeia, Frans Timmermans, que já garantiu que o executivo comunitário não hesitará em empreender ações, até mesmo junto do Tribunal de Justiça, se o Governo romeno ignorar as suas recomendações.
Uma posição dura e muito bem acolhida por Iohannis e pela oposição na Roménia, ainda para mais vindo daquele que se apresta a ser confirmado, em Lisboa, como o “Spitzenkandidat” do Partido Socialista Europeu, família política europeia à qual o PSD romeno pertence.
É neste contexto, de lutas políticas internas e pressão externa, que, com Viorica Dancila como primeira-ministra – é a terceira figura dos socialistas “de” Dragnea a ocupar o cargo, no espaço de dois anos — que o Governo romeno se prepara para assumir a presidência rotativa da UE, num ano-chave para a Europa.
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