“O que as autoridades moçambicanas nos dizem, o que nós próprios podemos recolher da nossa parte e o que os norte-americanos nos dizem convergem no essencial: é preciso ter muita atenção” em relação à “progressão” do fundamentalismo islâmico radical no norte de Moçambique, disse à Lusa o ministro dos Negócios Estrangeiros, que recebeu no Palácio das Necessidades, em Lisboa, o secretário de Estado Adjunto dos Estados Unidos da América para os Assuntos Africanos, Tibor Nagy, a pedido do governante norte-americano.
“Trata-se de um fenómeno complexo, que está ainda numa forma embrionária e ao qual devemos responder para que possa ser contido agora”, acrescentou o governante português, sublinhando: “A forma como devemos responder é apoiando as autoridades moçambicanas”.
“O facto muito relevante de o secretário-geral das Nações Unidas [António Guterres] visitar Moçambique na próxima semana, o papa realizar uma visita pastoral no próximo mês de setembro, e a força que isso dá ao processo de paz e de reconciliação nacional em Moçambique”, que se encontra na sua “última milha”, foi também constatado “reciprocamente” por ambos os governantes, assinalou Santos Silva.
Por outro lado, salientou: “Quando falamos na progressão das correntes fundamentalistas e de natureza terrorista que se reclamam de uma visão radical do islão, evidentemente que o norte de Moçambique vem, como várias outras regiões de África, à memória”.
“Foi nesse duplo aspeto que nós abordámos Moçambique, sendo certo que abordar Moçambique com qualquer país hoje significa da nossa parte comunicar a esse país que excelentes resultados foram produzidos na cimeira entre Portugal e Moçambique [a quarta, realizada esta quarta-feira em Lisboa], quão bem-sucedida foi a visita de Estado do Presidente [Filipe] Nyusi [esta semana], e quão desenvolvidas estão as relações bilaterais”, acrescentou.
Para além das discussões relativas a Moçambique, Portugal manifestou ao representante da Administração norte-americana ter “muitas fontes de preocupação em África, designadamente do ponto de vista da segurança, quer no norte de África e no Sahel, quer no Golfo da Guiné, quer na África Central”.
Em contrapartida, Santos Silva chamou a atenção, em particular, para “os bons desenvolvimentos que estão a ocorrer na África Ocidental, para o processo político que está a ocorrer em Angola e para o facto de, em Moçambique, estarmos muito perto de uma paz duradoura”.
Nagy afirmou à comunicação social, à saída do encontro, que fez “questão de visitar Portugal e conversar com os membros do Governo [português] sobre interesses comuns em África”, sublinhando que Lisboa “desempenha um papel muito positivo em África” e que os Estados Unidos gostariam de “identificar cada vez mais áreas de cooperação” em áreas como o “comércio e investimento, cooperação no desenvolvimento e paz e estabilidade”.
Questionado pela Lusa sobre se Washington está a desinvestir em África – por comparação com a Europa, que se prepara para realizar uma cimeira União Europeia-África, como lembrou esta quinta-feira o Presidente português, Marcelo Rebelo de Sousa, e com a Rússia, que anunciou a preparação de um evento semelhante –, o governante norte-americano contestou a ideia, afirmando que “os Estados Unidos têm um grande interesse em África”.
“Curiosamente, estive há um par de semanas em Moçambique no Conselho Anual de Cooperação com África, onde foi assinado o maior investimento de sempre em toda a história africana, envolvendo uma companhia norte-americana do setor da energia, a Anadarko, na ordem dos 50 mil milhões de dólares, no norte de Moçambique”, disse.
“Portanto, diria que não, de forma nenhuma, os Estados Unidos não estão a perder o seu interesse por África; [esse interesse] está a crescer cada vez mais”, reforçou.
O consórcio de exploração de gás natural em Moçambique, liderado pela petrolífera norte-americana Anadarko, anunciou formalmente no passado dia 18 um dos maiores investimentos de sempre no país, avaliado em 25 mil milhões de dólares (22,2 mil milhões de euros), no projeto de gás natural da Área 1 do Rovuma, no norte do país.
Além da Anadarko, que lidera o consórcio com 26,5%, o grupo que explora a Área 1 é constituído pela japonesa Mitsui (20%) e a petrolífera estatal moçambicana ENH (15%), cabendo participações menores à indiana ONGC (10%), à sua participada Beas (10%), à Bharat Petro Resources (10%) e à tailandesa PTTEP (8,5%).
A Anadarko deve ceder a liderança do consórcio à francesa Total até final do ano, depois de ser comprada – processo ainda em curso – por outra petrolífera dos EUA, a Occidental, que por sua vez celebrou um acordo para venda dos ativos em África.
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