O papel das mulheres nas diferentes igrejas protestantes, anglicanas e evangélicas é encarado de formas muito diversas, devido à abundante quantidade de diferentes confissões existentes nestes campos do cristianismo (no caso das igrejas ortodoxas, a realidade é, em grande parte, semelhante ao catolicismo).
A ordenação de mulheres e os cargos da maior responsabilidade nessas confissões cristãs – explica a socióloga Helena Vilaça, da Faculdade de Letras da Universidade do Porto, que tem estudado a religião em Portugal – surgem na sequência da Reforma protestante. As cinco sola (só a graça, só a fé, só a Escritura, só Cristo e a Deus toda a honra e glória) contribuem também para o individualismo da modernidade, pois colocam o homem sozinho perante Deus e a sua consciência.
O facto de a autoridade ser atribuída sobretudo à Bíblia acaba por levar, num processo muito centro e indireto, à união do poder secular com o poder religioso: “No século XVI, os movimentos sociais eram movimentos religiosos. O poder secular começa a aderir à religião quando Lutero tem o apoio dos príncipes. Calvino também tem apoio secular e a ruptura de Henrique VIII acaba por fundar o anglicanismo. Uma vez mais, começa a surgir uma união de poder político e religioso na Europa”, diz a socióloga, em conversa com o 7MARGENS.
Nos países que se tornam protestantes, o facto de o poder político dominar o poder religioso tem consequências no papel das mulheres nas diferentes confissões, pois há uma pressão do próprio Estado para mudanças que beneficiem a agenda política: “Se o Estado está a defender a igualdade das mulheres, vai pressionar para que as igrejas de Estado também ordenem mulheres. Há pressão do poder secular sobre o poder religioso”, explica a socióloga.
Noutra vertente, e também por ter a Bíblia como principal fonte de autoridade, há uma defesa do sacerdócio universal: “Embora exista alguma hierarquia no protestantismo, o que se defende é o sacerdócio universal de todos os crentes. Ou seja: todos pecaram e estão privados da glória de Deus, como se lê na Carta de São Paulo aos Romanos. E, apesar de haver pastores, padres, bispos e diáconos, somos todos iguais e estamos todos num processo de santificação. Nesse sentido, qualquer crente tem um sacerdócio universal, incluindo as mulheres.”
Nas três igrejas históricas, as mulheres ordenadas surgem a partir do século XX: o anglicanismo começa por ter leitoras leigas, em 1917, e a primeira pastora anglicana é ordenada em Hong Kong em 1944 – a primeira mulher bispo surge em 1988 nos Estados Unidos, em Massachussets; os luteranos têm a primeira pastora em 1948; e os reformados em 1956.
Mas o protestantismo é um mundo muito mais vasto e muitos grupos que surgem no século XVII e XVIII “opõem-se ao casamento entre Estado e Igreja”. É o caso dos Quakers, Baptistas e Metodistas. Mas “não é por isso que deixam de dar menos importância à mulher”, diz a socióloga.
Uma flexibilidade que permite o protagonismo
No século XVII, nos Quakers havia mulheres pregadoras e, nos Metodistas, as mulheres organizavam as chamadas classes metodistas (reuniões em casa de famílias) e podiam pregar e anunciar a palavra. Helena Vilaça nota que, quando as estruturas são menos rígidas, as mulheres têm maior protagonismo: “Aos olhos de uma leitura linear secular podem parecer igrejas conservadoras, mas é preciso olhar de todas as perspectivas.”
Para a investigadora, outro dado muito interessante é a importância das mulheres dos pastores: “Há igrejas também evangélicas como os baptistas que, na sua maioria, não ordenam mulheres, por esse princípio não ser explicitamente bíblico. Mas as mulheres, e principalmente a mulher do pastor, têm um papel fundamental na igreja.”
“Principalmente em algumas igrejas de matriz pentecostal, as mulheres tornaram-se pastoras sem terem passado por discussões ou debates e as mulheres de pastores são também chamadas pastoras”, nota Helena Vilaça. “Há um facto sociologicamente fascinante: nas últimas décadas, verificou-se, por exemplo, em igrejas de raiz pentecostal consideradas conservadoras em muitos aspectos, que as mulheres, que não valorizam tanto a formação teológica, passaram a ter protagonismo e a tornar-se pastoras, sem ter de passar pela burocracia dos sínodos e assembleias que existem em outras igrejas protestantes e evangélicas, tornando-se pastoras muitas vezes pelo simples facto de serem esposas de pastores.” Essas igrejas acabam por ter uma flexibilidade que permitiu às mulheres um maior e mais natural protagonismo, sublinha.
Os elementos mais importantes neste tema, resume a socióloga, é que as igrejas protestantes e evangélicas colocam a igualdade perante Deus e a complementaridade de funções como elementos decisivos e fundamentais.
Com a criação, em 1948, do Conselho Mundial (ou Ecuménico) de Igrejas (CMI), que reúne 350 igrejas protestantes e ortodoxas, a mensagem da promoção dos direitos da mulher acabou por se disseminar. Em 1953, o CMI iniciou o programa Mulher na Igreja e na Sociedade, que começou com a proclamação de que a renovação da vida dignificada após a II Guerra Mundial só seria possível se as mulheres fossem “uma parte ativa de todas as iniciativas de justiça e paz das igrejas na sociedade“.
As mudanças trazem esperança sobretudo aos mais novos
Ainda assim, nem todas as mulheres estão satisfeitas com o papel que a religião lhes dá. Enquanto que muitas mudam de denominação, outras acabam por abandonar a fé por sentirem que ela não corresponde a uma visão atual da sociedade.
Num estudo desenvolvido por Sonya Sharma, relativo à relação entre a sexualidade e as igrejas cristãs no Canadá foram recolhidos testemunhos de várias jovens que se diziam confinadas pelas mensagens relativas à sexualidade e aos seus corpos. Anita, 28, afirma que se sentiu mais confortável consigo mesma após deixar a Igreja Baptista. Jenny, uma mulher de meia-idade noutra Igreja Evangélica partilhou que se sentia infeliz com a sua posição na congregação: participava ativamente na vida da Igreja mas sentia que, por ser solteira, não era tida em conta para posições de liderança.
A autora analisa que “o desequilibro numeral de géneros dentro das igrejas, as proibições relativas a relações pré-maritais e a prática da homogamia religiosa, não só colocou o foco nas mulheres solteiras como reduziu a possibilidade de as mesmas encontrarem parceiros que elas ou a igreja aprovem.”
Em 2008, o CMI promoveu um encontro de mulheres ortodoxas que reivindicavam mais direitos como o melhor acesso e fundos para o estudo da teologia, a inclusão nos organismos administrativos, o reconhecimento da biologia e dignidade feminina (ciclo menstrual, abortos) nas preces e práticas associadas com estas e uma maior participação nos cargos menores (acólito) e maiores (pastoras).
Dentro das várias denominações, as mulheres continuam a ultrapassar marcos. Em 2012, uma mulher sul-africana foi escolhida como a segunda mulher-bispo anglicana em África. Em 2015, a Igreja de Inglaterra consagrou a primeira mulher-bispo, Libby Lane.
No ano passado, a Igreja Evangélica Luterana nos Estados Unidos, elegeu 17 mulheres para guiar as várias divisões geográficas (65 no total), o maior número de mulheres-bispos até à data. Uma delas, Negrón Caamaño, deu conta da realidade de Porto Rico, onde a maioria das pessoas que vão à igreja são mulheres e metade dos pastores também. Helena Vilaça nota, a este propósito, que a ordenação de mulheres não é um fator automático de vitalidade das igrejas. As igrejas tradicionais – luteranas, reformadas e algumas correntes presbiterianas – que adotaram o liberalismo teológico e uma agenda exclusivamente secular são as que estão a sofrer maior erosão.
Comentando o que significava ser uma líder da igreja na era do movimento Me Too, Viviane Thomas-Breitfeld, bispo do Wisconsin, afirmou: “Como uma jovem me disse numa reunião de jovens em Houston: ‘Sinto que posso ficar e fazer parte desta igreja.’ Há uma ideia de que as pessoas que não têm certas características – um homem caucasiano já de alguma idade – não podem liderar. Estas mudanças trazem esperança a muitos, especialmente aos que são mais novos.”
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