Um homem de 58 anos, francês, cego há quase 40 anos devido a uma doença genética degenerativa conseguiu recuperar parcialmente a visão, graças a uma técnica inovadora que combina terapia optogenética e estimulação luminosa.
Foi a primeira vez que esta técnica permitiu obter a recuperação parcial da função visual, afirmam os investigadores deste ensaio clínico, que envolveu equipas francesas, suíças e americanas.
O paciente no estudo sofre de retinopatia pigmentosa, uma doença genética degenerativa do olho que destrói as células fotorrecetoras da retina. Tal leva a uma perda progressiva da visão que, em geral, evolui para a cegueira.
Se, antes, este homem conseguia apenas perceber a presença de luz, a terapia permitiu que, agora, consiga localizar e tocar em objetos, de acordo com o estudo publicado na revista Nature Medicine nesta segunda-feira.
Na visão normal, os fotorrecetores da retina usam proteínas capazes de reagir à energia da luz, as opsinas, que fornecem informações visuais ao cérebro por meio do nervo ótico. Para restaurar a sensibilidade à luz, o paciente recebeu uma injeção com o gene que codifica uma dessas proteínas, chamado ChrimsonR, o qual deteta a luz âmbar, descreve o estudo.
Quase cinco meses depois de receber a injeção, para dar ao corpo tempo de produzir essa proteína em quantidade suficiente, o paciente realizou diversos exercícios, munido de óculos com câmera.
Projetado para a ocasião pelos investigadores, estes óculos permitiram projetar imagens de cor âmbar na retina do paciente.
"Sete meses depois, o paciente começou a relatar sinais de melhora visual", explicam em nota o Instituto de Visão (Universidade Sorbonne/Inserm/CNRS) e o Hospital parisiense de Quinze-Vingts, especializado em oftalmologia.
"Com a ajuda dos óculos, ele pode agora localizar, contar e tocar nos objetos".
Num primeiro teste, que consistiu em perceber, localizar e tocar num grande livro e numa pequena caixa de agrafos, o paciente conseguiu tocar no livro em 92% dos casos e, no caso da caixa, em 36% dos testes.
Um segundo exercício que consiste em contar copos numa mesa teve sucesso quase duas em cada três vezes (63%).
Para o terceiro teste, um copo foi colocado, ou retirado, alternadamente da mesa, e o paciente tinha de apertar um botão, indicando se estava presente, ou ausente. Ao mesmo tempo, a sua atividade cerebral era medida por meio de um capacete de elétrodos.
Um software que interpretou os registos dos elétrodos foi capaz de dizer, com uma precisão de 78%, se o copo estava presente, ou não, confirmando "que a atividade cerebral está, de facto, ligada à presença de um objeto e, portanto, a retina não é mais cega", explicou o professor Botond Roska, um dos investigadores à frente do estudo.
Uma pessoa em cada 3.500
"Se a optogenética, técnica que já existe há 20 anos, revolucionou a investigação fundamental em neurociência (...), esta é a primeira vez, internacionalmente, que essa abordagem inovadora é usada em humanos e que os seus benefícios clínicos são demonstrados", destacam as duas organizações francesas, que realizaram o ensaio clínico em associação com a Universidade de Pittsburgh (Estados Unidos), o Instituto de Oftalmologia Molecular e Clínica de Basel (Suíça), a empresa Streetlab e a francesa GenSight Biologics.
A retinopatia, ou retinite pigmentosa, afeta uma em cada 3.500 pessoas, segundo o banco de dados Orphanet, e pode começar em qualquer idade. A faixa etária de maior frequência de ocorrência é entre os 10 e os 30 anos.
Os genes responsáveis são muito numerosos, mas certas mutações são, frequentemente, encontradas em pessoas com a doença.
"Cegos com diferentes tipos de doenças neurodegenerativas de fotorrecetores", mas retendo "um nervo ótico funcional", serão "potencialmente elegíveis para tratamento", afirma o professor José-Alain Sahel, fundador em 2009 do Instituto de Visão, dedicado às doenças retinais.
No entanto, Sahel, ressalva que "levará algum tempo até que esta terapia possa ser oferecida".
Especializada em terapias genéticas para o tratamento de doenças neurodegenerativas da retina, a Gensight Biologics "pretende lançar, em breve, um ensaio de fase 3 para confirmar a eficácia desta abordagem terapêutica", acrescenta.
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