"Quando eu era miúdo, nos anos 1970, aquilo era tudo hortas", diz, apontando para uma encosta em volta da aldeia onde se veem centenas de árvores queimadas. "Ali, onde estão aqueles eucaliptos, havia milho", recorda.
Para este habitante de Abrantes, a casa no Cadafaz não é de férias, mas "de trabalho", o centro do seu projeto de cultivo de mirtilos, com cerca de oito hectares.
"Felizmente, não ardeu nada" do seu investimento, mas os vizinhos, "pessoas de idade que ou plantam eucaliptos ou não ganham nada", não podem dizer o mesmo.
Um fogo como estes não o faz mudar de ideias quanto à criação de mirtilos: "Gosto demasiado disto", garante, e não quer ceder.
"Nós não temos estratégia florestal nenhuma. Há não sei quantos anos que é assim", lamenta, assinalando que este ano, com o colossal incêndio que varreu o centro do país e que fez 64 mortos em Pedrógão Grande, houve "a tempestade perfeita".
Apontando que "há muito a montante para resolver", afirma que "os legisladores não conhecem as realidades diferentes do país".
Quem ainda quer investir no interior defronta-se com problemas como falta de mão-de-obra: "As pessoas vão-se embora. Tiram-se as finanças, tiram-se os serviços e quer-se que as pessoas fiquem?", questiona.
"Precisamos de adaptabilidade, de instituições que não sejam ‘quadradas'", defende, afirmando que as facilidades dadas ao cultivo do eucalipto são parcialmente responsáveis pelo que aconteceu.
"Os da indústria do papel plantam o que querem. Se eu dissesse que queria plantar eucaliptos, davam-me logo a autorização", refere.
"Desta vez, isto foi tudo demasiado longe", afirma, defendendo que "pelas cinzas dos mortos, merece que alguma coisa mude".
Reportagem: António Pereira Neves/Lusa
Fotografia: Tiago Petinga / Lusa
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