“Liberdade, igualdade, paternidade” foram as palavras de ordem que marcaram este domingo as ruas da capital francesa onde desfilaram milhares de pessoas contra o alargamento da procriação medicamente assistida (PMA) num protesto designado por “Manif pour tous” (ou manifestação por todos), que conta com mais de 20 associações de católicos, evangélicos e famílias numerosas.
“A criança ficará, para sempre, privada do seu pai. É utilizar a medicina para fins que não têm qualquer razão de ser, porque estas mulheres são fecundas. Este tipo de cuidados médicos são para os casais, homem e mulher, que sofrem de uma patologia. Não percebemos esta vontade obstinada de ter filhos órfãos de pai”, disse Ludovine de La Rochère, presidente do movimento Manif pour tous, em declarações à Agência Lusa antes do início do protesto.
Ludovine de La Rochère foi também a líder das manifestações que entre 2012 e 2014 contestaram a lei que permitiu o casamento entre pessoas do mesmo sexo. Apesar das insistentes manifestações nessa altura, a lei foi aprovada, um resultado que não faz estremecer esta ativista católica.
“O problema da lei Taubira [a lei que permitiu o casamento entre pessoas do mesmo sexo adotou o nome da ministra da Justiça da altura, Christiane Taubira] é que ao permitir o casamento entre pessoas do mesmo sexo, trouxe-nos ao problema da abertura da procriação medicamente assistida e à gestação de substituição. Este é agora o momento essencial. E é verdade que as manifestações de 2012, 2013 e 2014 não impediram a aprovação da lei, mas conseguimos fazer recuar [o Presidente] Hollande três vezes sobre estes temas”, relembrou La Rochère.
O cortejo partiu às 14:00 (menos uma hora em Lisboa) dos jardins do Luxemburgo e foi até Montparnasse, mas as associações a favor desta mudança política marcaram na véspera o percurso com frases como “PMA para todas” ou a “Manif pour tous” é homofóbica.
A lei que abre a procriação medicamente assistida a todas as mulheres está agora a ser discutida na Assembleia Nacional e deverá ser aprovada até ao final do próximo verão, já que o Governo detém a maioria parlamentar.
Além da abertura da inseminação artificial, esta nova lei vai permitir ainda às mulheres congelar os seus óvulos – algo até agora apenas permitido às mulheres com problemas médicos -, com todos os procedimentos a serem cobertos pela Segurança Social. No entanto, para quem veio a esta manifestação, o debate está a acontecer demasiado depressa.
“Nós damos a nossa opinião, mas não somos tidos em conta. Os políticos continuam a avançar com as leis e muitos dos temas, como a PMA, são profundos e algo que define a nossa humanidade, mas são tratados de forma ligeira. Eu até percebo que as pessoas sejam infelizes sem filhos, mas uma criança não é um objeto”, defendeu Marie, de 42 anos, que veio de Dijon com os seus sete filhos para marcar presença nesta manifestação.
Muitas das associações presentes na manifestação indicam que o bem-estar da criança só pode ser assegurado com a presença de um pai, empunhando cartazes com vários tubos de ensaio e a mensagem “Mamã, quem é o papá?”. Mas faz-se também a defesa da família tradicional.
“A família é um pai e uma mãe, não é duas mulheres, dois homens ou uma mulher sozinha. E vai ser assim para sempre”, disseram Angéle e Agathe, duas jovens de 18 anos, vindas de Nantes.
E, segundo os manifestantes, este não é um tema que diga apenas respeito às mulheres. “Claro que este tema também diz respeito aos homens. Nós que estamos aqui, reconhecemos que uma criança precisa de uma mãe, mas também de um pai. A família é a base da sociedade e não consigo imaginar um país sem famílias”, indicou Louis, de 21 anos, vindo dos arredores de Paris.
No entanto, muitos países na Europa já permitem este tipo de tratamentos, o que leva muitas francesas a recorrem à procriação medicamente assistida na Bélgica.
“É lamentável que certos países da União Europeia permitam que isto aconteça, mas não é por isso que esta lei se deve impor em França. Isto é apresentado como um progresso, porque é cientificamente possível, mas não desejável nem politicamente nem eticamente”, afirmou o eurodeputado Nicolas Bay, do partido Rassemblement National, que marcou presença na manifestação.
Caso este protesto não tenha uma resposta política, o movimento promete não ficar por aqui. “Se não houver resposta política ou abertura de diálogo, esta manifestação será apenas a primeira e é o lançamento de uma oposição que se vai fazer nas ruas”, garantiu Ludovine de La Rochère.
Para além dos procedimentos médicos, esta nova lei da bioética vai permitir que no certificado de nascença passem a figurar duas mulheres, dando ainda a possibilidade às crianças nascidas de um dador de terem acesso a certos dados como as suas motivações ou as suas particularidades médicas, ou mesmo, caso o dador esteja de acordo, à sua identidade quando forem maiores de idade.
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