“Embora a situação já fosse extremamente difícil nos últimos meses, o que temos testemunhado é que a situação geral das crianças quase todos os dias se agrava”, afirmou o responsável pela organização da ONU dedicada às crianças em entrevista à Lusa.
Regressado de uma missão em Gaza, Jonathan Crickx explicou que além do número de crianças mortas neste primeiro ano do conflito — cerca de 11.000, segundo a ONU –, há muitas feridas sem ajuda médica e milhares com fome.
“Quando se anda por Gaza, vê-se a maioria das crianças a carregar velhos garrafões de plástico com água. Estão a tentar recolher água e também alimentos para as famílias”, explicou, adiantando que em muitas das zonas que visitou, as pessoas “vivem em abrigos ou tendas e têm muito pouco, [além de] viverem em alta promiscuidade em zonas densamente povoadas”.
Nestas áreas, disse à Lusa, não há infraestruturas, pelo que “as pessoas estão literalmente a viver em esgotos a céu aberto, perto de grandes pilhas de lixo”.
A situação é muito preocupante, admitiu o porta-voz da UNICEF, sublinhando que se trata de “uma receita terrível para o aparecimento e propagação de doenças” como já aconteceu com surtos de diarreia crónica, de hepatite A e, neste verão, de poliomielite.
“Todo o sistema de saúde está muito deficiente em Gaza”, referiu, já que só cerca de 16 dos 36 hospitais existentes estão a funcionar.
“Os hospitais precisam de ser reconstruídos, para poderem apoiar as crianças feridas, mas também as que estão doentes. Quando estive em Gaza encontrei muitas crianças que tinham cancro”, mas que não conseguem ser tratadas em Gaza por falta de medicamentos e equipamentos, lamentou, defendendo que estes doentes devem ser imediatamente levados para outros países.
Um outro problema que preocupa a UNICEF é a falta de escolas e de aprendizagem dos menores que vivem na Faixa de Gaza.
“De acordo com os números que temos, mais de 85% de todas as escolas foram danificadas ou destruídas”, referiu, adiantando que a UNICEF considera que as crianças locais “têm um fosso de aprendizagem de mais de um ano”.
Para tentar fazer face à situação, a organização criou, nos últimos três meses, espaços de aprendizagem temporários.
“São basicamente algumas tendas montadas num acampamento e onde são dadas lições muito básicas: um pouco de leitura, escrita e matemática”, explicou.
Para já, a organização conseguiu apenas chegar a 12 mil crianças, o que, “é claro, não é suficiente”, mas o objetivo é “alargar o número de vagas, porque, apesar de não haver espaço disponível, há uma procura enorme”.
Nesses espaços de aprendizagem, a equipa da UNICEF decidiu ainda tentar ajudar com uma outra necessidade premente das crianças.
“Quase todas as crianças na Faixa de Gaza necessitam de apoio de saúde mental devido à intensidade do que passaram nos últimos meses”, alertou Jonathan Crickx.
Segundo este responsável, “muitas crianças estão traumatizadas”, e precisam de ser apoiadas porque “isso é essencial para a sua capacidade de lidar com o sofrimento e com a violência a que foram expostas”.
Reiterando um pedido feito inúmeras vezes quer por Estados quer por organizações humanitárias, Jonathan Crickx defendeu que um cessar-fogo é “a única forma de ajudar as crianças em grande escala”.
Mas, mesmo perante a aparente impossibilidade disso acontecer num curto prazo, o porta-voz da UNICEF na Palestina apela para a existência de “pausas humanitárias” no conflito.
“Fizemos uma campanha de vacinação contra a poliomielite no início de setembro. O objetivo desta campanha era vacinar aproximadamente 600 mil crianças com menos de dez anos e, em 12 dias, conseguimos vacinar mais de 560 mil crianças”, disse, sublinhando que “isso significa que quando todos se alinham e demonstram boa vontade através de pausas, é possível os trabalhadores humanitários prestarem algum apoio” às crianças em Gaza.
O atual conflito na região começou no dia 07 de outubro do ano passado, quando cerca de mil combatentes do Hamas atacaram inesperadamente o território israelita, matando quase 1.200 pessoas e fazendo mais de 250 reféns, dos quais quase 100 continuam detidos.
O Governo de Telavive prometeu aniquilar o movimento islamita, considerado terrorista por Israel, Estados Unidos e União Europeia.
As investidas de Israel na Faixa de Gaza já mataram cerca de 41.500 pessoas e forçaram quase dois milhões de pessoas a fugir de casa, segundo as autoridade do enclave, controladas pelo Hamas.
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