O despacho presidencial, publicado nesta quinta-feira no Diário Oficial da União, deixa "sem efeito" a ordem que encerrou os trabalhos da Comissão Especial sobre Mortos e Desaparecidos Políticos e declara "a continuidade das atividades".
A comissão, criada em 1995 para investigar a repressão política durante a ditadura e indemnizar as vítimas, foi encerrada por Bolsonaro, ex-capitão do Exército e fervoroso defensor do regime militar, dois dias antes de concluir o seu mandato, no final de 2022.
Segundo dados oficiais, a repressão política deixou pelo menos 434 mortos ou desaparecidos no Brasil entre 1964 e 1988.
O número é consideravelmente inferior aos das ditaduras de outros países latino-americanos, como no Chile (3.200) e na Argentina (30.000, segundo organizações de direitos humanos). Contudo, este balanço não inclui centenas de vítimas de milícias criadas para reprimir conflitos agrários ou massacres de indígenas no avanço da ocupação do território pelo Estado.
Ao contrário da vizinha Argentina, que julgou autoridades e agentes do Estado acusados de cometer crimes durante a ditadura (1976-1983), o Brasil encerrou esse capítulo com a Lei de Amnistia de 1979.
O ministro dos Direitos Humanos e da Cidadania, Silvio Almeida, elogiou a iniciativa de Lula como "um importante passo na garantia da memória, da verdade e da justiça".
Com a reconstituição da comissão, "terão continuidade os trabalhos ilegalmente interrompidos pela gestão anterior de buscas e identificação das pessoas mortas e desaparecidas", acrescentou o ministro em comunicado.
O Instituto Vladimir Herzog, de defesa dos direitos humanos e da democracia, celebrou a decisão, mas afirmou tratar-se apenas de um "primeiro passo por justiça e memória" no país.
A comissão "ficou abandonada durante um longo período e sofreu nos últimos anos ataques e desmantelamentos sistemáticos que contribuíram para o sofrimento desnecessário de familiares de desaparecidos", apontou a organização. "O Estado brasileiro deve ainda avançar na criação de outros mecanismos eficientes" de reparação, acrescentou.
Grupos de direitos humanos criticaram Lula por suspender os atos oficiais de 31 de março, 60.º aniversário do golpe que derrubou o presidente João Goulart (1961-1964) e instaurou o regime autoritário.
O ex-sindicalista, que liderou uma greve histórica contra os militares, argumentou que o golpe de 1964 já faz parte da história e disse estar mais preocupado com os atos de 8 de janeiro de 2023.
Nesse dia, milhares de apoiantes de Bolsonaro invadiram as sedes dos Três Poderes em Brasília, instando os militares a deporem Lula, uma semana após a sua posse. Bolsonaro e vários dos seus ministros são investigados por participarem num suposto "plano de golpe de Estado" para permanecer no poder após a sua derrota nas eleições de 2022.
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