Os dados da Direção-geral de Reinserção e Serviços Prisionais (DGRSP) são claros e mostram que o número de pessoas com 65 anos ou mais detidas nas prisões portuguesas tem vindo a crescer, com um aumento de mais de 62% entre 2011 e 2016.
António Brinca, Vitor Pereira, Luís Lopes e A.M. são quatro casos de pessoas idosas presas em Portugal, três pela primeira vez e um reincidente, detidos no Estabelecimento Prisional de Pinheiro da Cruz, em Grândola.
Luís Lopes tem 71 anos, foi condenado a 15 anos e seis meses de prisão por homicídio, um crime que diz não ter cometido, está preso quase há cinco anos, três dos quais em Pinheiro da Cruz.
Nunca pensou ser julgado, muito menos condenado, e por essa razão admite que o suicídio foi uma hipótese que chegou a ponderar e que só não levou por diante porque pensou na família.
Atualmente trabalha na enfermaria e isso ajudou: “É passar um bocadinho melhor o tempo porque esquecer, isto nunca mais se esquece”.
A prisão trouxe-lhe uma depressão, tensão alta, necessidade de medicação para dormir, além de ter afetado a convivência que tinha com a família, os amigos ou até mesmo os empregados que trabalhavam para si na empresa de construção civil que teve de fechar.
“Gostava de envelhecer em minha casa, a trabalhar na mesma. Espero que aconteça. Tenho fé e esperança nisso”, desabafa.
António Brinca, 68 anos, está preso há quatro anos por ter tentado matar o irmão, tendo sido condenado a oito anos de prisão. Admite que está arrependido, que o crime que cometeu deu-lhe cabo da vida e que o que mais lhe custa é a privação de liberdade.
Em Pinheiro da Cruz frequenta a escola — “porque estar fechado todo o dia custa muito” — onde aproveita para “fazer umas cópias” e aperfeiçoar a letra para garantir que quando sair da prisão ainda sabe ler e escrever já que só conseguiu concluir a “quarta classe”.
Não é ambicioso quanto aos desejos futuros: “Gostava de ter uma velhice que desse para ter de comer para mim e para a minha mulher, e ir ao café beber a bica depois de almoço”.
Com 65 anos, A.M. está a cumprir uma pena de 12 anos por homicídio, um “acidente”, como lhe chama, quando no decorrer de uma briga com um vizinho, atinge-o mortalmente com uma arma de fogo.
“Tudo por causa de nada”, aponta, lembrando os vários anos de conflitos, em que diariamente o vizinho “embicava” com ele.
Quando se apercebeu do que tinha feito, foi como se o “céu tivesse desabado” em cima dele, ao mesmo tempo que vinha a consciência de que tinha acabado de matar alguém e do sofrimento que isso ia causar a tantas pessoas.
“Se isto não tivesse acontecido, via-me a envelhecer com a minha família, com os meus netos. Assim, os meus netos crescem e eu não estou com eles”, lamenta.
Homem alto, de cabelo e barbas brancos, conta que isso serve de referência para os presos mais novos, que olham para ele como alguém com mais conhecimento, com quem gostam de falar.
Experiência idêntica tem tido Vitor Pereira, 71 anos, reincidente, preso por tráfico de droga e a cumprir uma pena de oito anos, que conta como o facto de ser mais velho lhe traz mais respeito por parte dos outros reclusos: “Somos conhecidos pelos cotas”.
Nas suas palavras, envelhecer na prisão “é muito difícil”. Custa-lhe andar, já não tem forças nas pernas, perdeu 16 quilos, além de sofrer de diabetes, colesterol e de o coração às vezes não estar muito bom.
“Imaginava um envelhecimento diferente, junto dos meus netos, passeando com eles, levá-los à escola ou ir à praia com eles, porque eu gosto muito do mar”, conta.
Entretanto, para se entreter, vai “arrancando umas ervas” ou trata dos animais.
Autora de uma investigação, no âmbito da tese de mestrado, sobre envelhecimento em contexto prisional, Cristina Lima dos Santos apercebeu-se de que muitos referiram a necessidade de restabelecer laços familiares ou conjugais que perderam por estarem privados da liberdade.
“Há que haver uma iniciativa por parte da instituição prisional ou até mesmo da sociedade em articular a saída da pessoa da prisão para a vida familiar ou social, porque se alguns têm um suporte outros não o têm e é preocupante o futuro destas pessoas”, apontou, em declarações à Lusa.
De acordo com a investigadora, a maior parte dos reclusos idosos não acredita na reinserção social, salientando que tem de haver “todo um mecanismo concertado com a sociedade para ser capaz de integrar estes indivíduos”.
Já o coordenador da Pastoral Penitenciária frisou que há muito por fazer na área da reinserção em Portugal, lembrando que esse trabalho começa no dia em que a pessoa é presa.
Na opinião do padre João Gonçalves, deveria haver uma atenção “muito especial” para com os presos idosos, que “vão ter muita dificuldade em voltar para a família, sobretudo quando as penas são muito grandes”.
“Tudo tem de ser visto de uma forma mais humana, principalmente quando falamos de pessoas idosas”, defendeu.
Dados atualizados a 27 de dezembro revelam que há 357 reclusos com mais de 65 anos, 337 dos quais homens e 20 mulheres, sendo que no caso de 115 destas pessoas a prisão acontece quando já têm mais de 60 anos.
De acordo com a DGRSP, o recluso mais velho tem 90 anos e está numa instituição psiquiátrica não prisional, sendo que, em contexto de estabelecimento prisional, o mais velho tem 89 anos, além de outros dois com 88 anos e de mais dois com 87 anos.
Entre os homens, 263 têm entre 65 e 74 anos, 65 entre 75 e 84 anos e nove têm mais de 85 anos. Já entre as mulheres, 17 estão entre os 65 e 74 anos, duas entre 75 e 84 anos, havendo ainda uma com mais de 85 anos.
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