Numa reunião informal da Assembleia-Geral da ONU sobre a Síria, Guterres afirmou que o povo sírio merece esperança para o futuro, após 12 anos a sofrer as “brutalidades da guerra, atrocidades sistemáticas, privações opressivas e sofrimento humano em grande escala”.
“Merecem saber a verdade sobre o destino dos seus entes queridos. A justiça assim o exige — a paz e a reconciliação dependem disso. Esse é o cerne da questão das pessoas detidas, sequestradas e desaparecidas. O paradeiro e o destino de cerca de 100.000 sírios permanecem desconhecidos”, afirmou o líder das Nações Unidas.
De acordo com António Guterres, pessoas em todas as partes da Síria têm amigos ou familiares desaparecidos, que desapareceram à força, foram sequestrados, torturados e detidos arbitrariamente.
A maioria dos desaparecidos são homens, deixando as mulheres sozinhas a “sustentar as famílias em condições impossíveis”, ao mesmo tempo em que levam a cabo “a busca – muitas vezes aterrorizante e traiçoeira – dos seus filhos, maridos, irmãos ou pais”, disse.
“Devemos trabalhar para resolver esta situação profundamente dolorosa com determinação e urgência”, apelou.
Nesse sentido, o ex-primeiro-ministro português recordou o seu relatório de agosto passado, no qual delineou a estrutura para uma solução: o estabelecimento pela Assembleia-Geral da ONU de uma nova instituição internacional para esclarecer o destino e o paradeiro dos desaparecidos e fornecer apoio às vítimas e às respetivas famílias.
“Exorto todos os Estados-membros a agirem e exorto o Governo da Síria e todas as partes no conflito a cooperar. É essencial ajudar os sírios a recuperar e a remover os obstáculos para garantir uma paz sustentável”, afirmou.
E concluiu: “Parte-me o coração ver pessoas tão calorosas e acolhedoras sofrerem tanto. A comunidade internacional tem a obrigação moral de ajudar a aliviar a sua situação. Exorto a criação de uma instituição centrada nas necessidades e direitos das vítimas, sobreviventes e suas famílias. Cumpramos esta obrigação. Vamos restaurar um pouco de esperança, dignidade e justiça ao povo sírio”.
Também o alto comissário das Nações Unidas para os Direitos Humanos, Volker Turk, falou sobre a situação na Síria, sublinhando que apesar de 100 mil ser o número indicativo de desaparecidos, “o número real pode ser muito maior”.
“As famílias de todos os lados deste conflito foram devastadas. Estou aqui (…) para amplificar as suas vozes. É uma necessidade tão simples e profundamente humana e também é um direito destas pessoas conhecerem a verdade. As crianças estão a crescer com esta forte ausência onde um pai deveria estar”, disse Turk.
As buscas por familiares têm exposto várias famílias ao riscos de exploração, ameaças físicas e extorsão, ou cobranças por informações sobre paradeiros que posteriormente podem revelar-se falsas, relatou o alto comissário.
Além disso, sobreviventes que acabaram libertados após detenções arbitrárias na Síria descreveram como ficaram profundamente marcados pela experiência, que incluiu tortura e violência sexual.
“Embora a maioria dos desaparecidos sejam homens, a experiência é especialmente devastadora para as mulheres. Após serem libertadas, muitas mulheres e meninas são rejeitadas pelas suas famílias por presumirem que foram violadas — e, portanto, por terem supostamente ‘desonrado’ os seus familiares. Essa acumulação angustiante de traumas levou muitas mulheres sobreviventes a deixar o país — ou até mesmo a tentar o suicídio”, constatou Turk.
Nesse sentido, também o alto comissário apelou à Assembleia-Geral para que considere a criação de uma nova instituição que ajude a trazer respostas e apoio a todas as famílias dos muitos milhares de desaparecidos, assim como para os sobreviventes.
“Não devemos menos ao povo da Síria”, frisou Turk.
Desencadeado em março de 2011 pela violenta repressão do regime do Presidente sírio, Bashar al-Assad, de manifestações pacíficas, o conflito na Síria ganhou ao longo dos anos uma enorme complexidade, com o envolvimento de países estrangeiros e de grupos ‘jihadistas’, e várias frentes de combate.
Num território bastante fragmentado, o conflito civil na Síria provocou, desde 2011, mais de 490 mil mortos e milhões de deslocados e refugiados.
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