Em fevereiro de 2013, dias depois da renúncia de Bento XVI, no dia 11, muito se falava sobre quem seria o próximo Papa. Mais do que isso, questionava-se de que parte do mundo viria.

A 28 desse mês, o jornal O Estado de São Paulo noticiava que alguns cardeais referiam que não existia uma solidariedade regional entre os 19 latino-americanos que iam participar no conclave para a eleição do novo Papa e, por isso, não deveriam votar em conjunto. Além disso, também era preciso considerar as orientações radicalmente opostas dos cardeais, que impediam uma aliança para apoiar apenas um nome.

No meio de tudo isso, Jorge Bergoglio, cardeal de Buenos Aires, na Argentina, tinha uma certeza: “há pessoas de extrema qualidade na América Latina para ser Papa. Isso não resta dúvida”.

Tão certo estava que, a 13 de março, era o seu nome que se ouvia depois de ter saído fumo branco da chaminé vaticana, após cinco votações, no quinto dia do conclave.

Contudo, na sucessão de Bento XVI, a escolha do jesuíta, na altura com 76 anos, acabou por surpreender os especialistas, já que não era dos mais novos do colégio cardinalício.

Além disso, estava eleito o primeiro papa latino-americano da História, facto comentado imediatamente por Francisco quando dirigiu as primeiras palavras enquanto Papa, a partir da varanda da Basílica de S. Pedro, no Vaticano.

"Parece que os cardeais foram procurar o novo pontífice no fim do mundo", declarou Jorge Mário Bergoglio.

Nessa ocasião, Francisco convidou os fiéis "a tomarem o caminho da fraternidade, do amor" e "da evangelização" e pediu à multidão congregada na praça de São Pedro um minuto de silêncio: "Rezem por mim e deem-me a vossa benção”.

"Rezemos uns pelos outros, para que haja uma grande irmandade. Este caminho deve dar frutos para a nova evangelização", afirmou.

Na Argentina, a notícia foi recebida com alegria. Os sinos da catedral de Buenos Aires repicaram após a divulgação da eleição do argentino como o novo Papa e, dentro da catedral, o anúncio foi recebido por aplausos e uma longa ovação de pé pelas centenas de fiéis que assistiam à celebração de uma missa.

Estava anunciado um Papa que era também um grande leitor dos escritores argentinos Jorge Luis Borges e Leopoldo Marechal e do russo Fiodor Dostoievsky, e também amante de ópera.

Bergoglio, conhecido após a eleição como Papa Francisco, foi desde logo apresentado como um intelectual jesuíta, que viajava de autocarro e com uma visão prática da pobreza: quando foi nomeado cardeal, convenceu centenas de argentinos a não viajarem para Roma, de acordo com um pequeno perfil publicado pelo jornal inglês The Guardian.

Mais uma vez, a história repetiu-se quando foi escolhido como Papa: em vez de irem ao Vaticano celebrar a nomeação, Bergoglio pediu que dessem o dinheiro da viagem aos pobres.

Na sua biografia oficial, no site no Vaticano, lê-se a justificação para o modo de vida que teve até chegar à Santa Sé — e que, da maneira possível, fez por continuar. "O meu povo é pobre e eu sou um deles", referia, "para explicar a escolha de morar num apartamento e de preparar o jantar sozinho".

"Aos seus sacerdotes sempre recomendou misericórdia, coragem apostólica e portas abertas a todos. A pior coisa que pode acontecer na Igreja, explicou nalgumas circunstâncias, 'é aquilo ao que de Lubac chama mundanidade espiritual', que significa 'pôr-se a si mesmo no centro'. E quando citava a justiça social, convidava em primeiro lugar a retomar nas mãos o catecismo, a redescobrir os dez mandamentos e as bem-aventuranças. O seu programa é simples: se seguirmos Cristo, compreenderemos que «espezinhar a dignidade de uma pessoa é pecado grave", é referido.

Mas para se chegar aqui é preciso andar para trás no tempo, até às origens de Bergoglio, que nasceu a 17 de dezembro de 1936, na capital argentina. Era filho de emigrantes piemonteses: "o seu pai Mário trabalhava como contabilista no caminho de ferro; e a sua mãe Regina Sivori ocupava-se da casa e da educação dos cinco filhos".

Antes de decidir que o seu caminho seria voltado para Deus, "diplomou-se como técnico químico, e depois escolheu o caminho do sacerdócio, entrando no seminário diocesano de Villa Devoto".

"A 11 de Março de 1958 entrou no noviciado da Companhia de Jesus. Completou os estudos humanísticos no Chile e, tendo voltado para a Argentina, em 1963 obteve a licenciatura em filosofia no colégio de São José em San Miguel. De 1964 a 1965 foi professor de literatura e psicologia no colégio da Imaculada de Santa Fé e em 1966 ensinou estas mesmas matérias no colégio do Salvador, em Buenos Aires. De 1967 a 1970 estudou teologia, licenciando-se também no colégio de São José", pode ler-se.

Olhando para o seu percurso, é fácil perceber que a docência desempenhou um papel muito importante na biografia de Bergoglio, já que ensinou em vários colégios, seminários e faculdades. A título de exemplo, foi professor de noviços na localidade de São Miguel de Tucuman e desempenhou as funções de reitor da Faculdade de Filosofia e Teologia de São Miguel.

Ao nível dos seus próprios estudo, "no mês de março de 1986 partiu para a Alemanha, onde concluiu a tese de doutoramento; em seguida, os superiores enviaram-no para o colégio do Salvador em Buenos Aires e sucessivamente para a igreja da Companhia de Jesus, na cidade de Córdova, onde foi diretor espiritual e confessor".

Anos depois, voltou à sua terra Natal. A nomeação como bispo aconteceu a 20 de maio de 1992, quando João Paulo II lhe confiou a diocese de Auca e o tornou bispo auxiliar da diocese de Buenos Aires. Cinco anos mais tarde, em 1997, foi nomeado arcebispo coauditor de Buenos Aires e em 1998, depois da morte do arcebispo e cardeal Quarracino, subiu a arcebispo da capital argentina.

Enquanto bispo, mais um pormenor havia de passar para 2013, aquando a sua eleição papal: a simbologia do brasão, já que escolheu como lema Miserando atque eligendo e usou o cristograma IHS, símbolo da Companhia de Jesus.

"Nas características essenciais, o Papa Francisco decidiu conservar o seu brasão anterior, escolhido desde a sua consagração episcopal e distinto por uma simplicidade linear, é explicado pelo Vaticano.

"O mote do Santo Padre Francisco foi tirado das Homilias de São Beda, o Venerável, sacerdote, o qual, comentando o episódio evangélico da vocação de São Mateus, escreve: «Vidit ergo Iesus publicanum et quia miserando atque eligendo vidit, ait illi Sequere me» (Viu Jesus um publicano e dado que olhou para ele com sentimento de amor e o escolheu, disse-lhe: Segue-me)".

Na parte inferior do brasão pode ver-se também "a estrela e a flor de nardo. A estrela, segundo a antiga tradição heráldica, simboliza a Virgem Maria, mãe de Cristo e da Igreja; a flor de nardo indica são José, padroeiro da Igreja universal", que expressam a "devoção particular" de Francisco.

Um Papa para responder aos problemas da Igreja (e do mundo)

Em 2013, assim que foi conhecido o nome do novo Papa, a maioria das vozes frisava que tinha chegado um pontífice que seria capaz de ter um olhar diferente sobre a Igreja — e que não hesitaria em levar a barca de Pedro a bom porto.

Mas isso não significava que não tivesse pela frente vários desafios, como era o caso da reforma da Cúria Romana, órgão administrativo da Santa Sé, entre outros.

E tinha noção disso. Um mês antes de ser eleito, Bergoglio deixou uma mensagem dedicada à Quaresma no site da Arquidiocese de Buenos Aires, na qual avisava para algo que "não vai bem" na sociedade e na Igreja.

"Hoje somos novamente convidados a empreender um caminho Pascal para a vida, caminho (...) que será incómodo mas não estéril. Somos convidados a reconhecer que algo não vai bem em nós mesmos, na sociedade ou na Igreja, a mudar, a converter-nos", afirmava o então cardeal Jorge Mario Bergoglio na mensagem de 13 de fevereiro.

A mensagem, dirigida a "sacerdotes, pessoas consagradas e a laicos da arquidiocese", começava por pedir que se "rasgue o coração e não as roupas" e lembra que as pessoas se habituaram a ver e ouvir "através dos meios de comunicação, a história negra da sociedade contemporânea, apresentada quase com alegria perversa".

"Sim, é possível que tudo seja novo e diferente porque Deus continua a ser 'rico em bondade e misericórdia, sempre disposto a perdoar' e que nos faz continuar uma e outra vez", acrescentou.

No entanto, defendeu, "o drama está na rua, no bairro, na nossa casa e, porque não, nos corações" de cada um."Os nossos erros e pecados enquanto Igreja não estão fora desta grande cenário. Os egoísmos mais pessoais, justificados mas nem por isso mais pequenos, a falta de valores éticos na sociedade que representa uma metástase das famílias, da dos bairros, vilas e cidades, mostram-nos as nossas limitações, as nossas fraquezas e a nossa incapacidade de transformar esta lista infindável de realidades destrutivas", disse.

E o modo de estar da Igreja não era propriamente segredo para ninguém. Por cá, D. José Policarpo, na altura Cardeal Patriarca de Lisboa, lembrava que Francisco — uma escolha surpreendente — iria ter de enfrentar no Vaticano uma "estrutura pesadíssima".

"Estas surpresas penso que têm o dedo de Deus, são o anúncio de um desafio para a Igreja de se purificar, de se simplificar", disse José Policarpo, em conferência de imprensa, um dia após o final do Conclave.

Para o então Patriarca de Lisboa, a "grande promessa" do pontificado seria "uma simplificação da vida da Igreja e das suas estruturas, da maneira de estar no mundo, a partir dos valores evangélicos". E isso foi visto logo de início, pelo simples facto de Francisco ter escolhido vestes papais mais simples para se apresentar aos fiéis na Praça de São Pedro.

Dias depois, num encontro com jornalistas, o Papa Francisco desejou abertamente "uma Igreja pobre para os pobres" e explicou que escolheu o nome de São Francisco de Assis porque este era "um homem da pobreza e um homem da paz".

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"Durante a eleição, eu estava ao lado do arcebispo [emérito] de São Paulo Cláudio Hummes, um grande amigo (...) Quando as coisas ficaram perigosas, ele reconfortou-me. Quando os votos atingiram os dois terços, ele abraçou-me, beijou-me e disse-me: 'Não te esqueças dos pobres'", contou.

"Imediatamente, em relação com os pobres, eu pensei em Francisco de Assis", disse, acrescentando que para si aquele santo é "um homem da pobreza, um homem da paz, um homem que amava e protegia a criação. Neste momento as nossas relações com a criação não vão muito bem", atirou.

Por tudo isto, esperava-se um pontificado forte. Na altura, o bispo emérito da Diocese de Setúbal, D. Manuel Martins, afirmou que o Papa Francisco era "uma espécie de trovão" que vinha despertar uma "Igreja nova".

Mas o que mudou? Quais os principais temas do seu pontificado?

O alojamento papal

O Papa Francisco decidiu continuar na casa de Santa Marta, no Vaticano, onde se instalou para o conclave, em vez de mudar para o apartamento papal, no Palácio Apostólico.

Em Santa Marta, Francisco "mudou-se", após a eleição, do quarto reservado para o cardeal Jorge Mario Bergoglio para uma suíte de três salas, onde poderia receber visitas no âmbito das novas funções.

Algum tempo depois, o Papa enviou uma carta a um sacerdote argentino, o padre Enrique Martínez, responsável pela paróquia da Anunciação do Senhor, na diocese de La Rioja, a explicar o que o levou a decidir morar na Casa de Santa Marta e não no Palácio Apostólico. "Estou perto das pessoas e levo uma vida normal: missa pública de manhã, como no refeitório com todos. Isto faz-me bem e evita que fique isolado", referiu.

"Procuro manter a mesma forma de ser e de agir que tinha em Buenos Aires porque, se eu mudar na minha idade, com certeza vou fazer um papel ridículo. Não quis ir morar no Palácio Apostólico, vou lá só para trabalhar e para as audiências", escreveu.

De recordar que Francisco também rejeitou a ostentação típica dos líderes da Igreja Católica, preferindo um trono simples e sem ornamentos, vestes brancas, o seu crucifixo em aço e não em ouro, e os seus sapatos normais e não os distintivos sapatos vermelhos (múleos) dos papas.

  • A reforma da Igreja

Apenas um mês após a eleição, o Papa decidiu criar um grupo de oito cardeais de todos os continentes para "o aconselharem no governo da Igreja" e estudarem um projeto de reforma da Constituição da Cúria.

Além disso, criou comissões para reformar a organização económica do Vaticano ou para rever o funcionamento do Instituto para as Obras de Religião, conhecido como Banco do Vaticano.

O Papa também criticou a atuação de membros do clero, ao recordar que a Igreja deve servir os outros e não servir-se a si própria.

“Como eu gostaria de uma Igreja pobre, para os pobres”, desabafou. Noutro momento, disse: “Os padres e as freiras têm de ser coerentes com a pobreza. Quando vemos que o primeiro interesse de uma instituição paroquial ou educativa é o dinheiro, isto é de uma grande incoerência".

"A Igreja está duzentos anos atrasada. Por que não abanar? Temos medo? Medo em vez de coragem? No entanto, o fundamento da Igreja é a fé", referiu em 2019.

O Papa Francisco promulgou e publicou, a 19 de março de 2022, a nova Constituição que reformou o governo da Igreja, documento que entrou em vigor a 5 de junho e no qual trabalhou durante oito anos, juntamente com o Conselho de Cardeais.

Com isto, foi revogado e substituído o documento Pastor Bonus, promulgado, em 1988, por João Paulo II.

Uma das alterações mais importantes incluídas na nova Constituição prende-se com a integração ordenada da Secretaria de Comunicação, que reúne as diferentes fontes de informação do Vaticano, na nova Constituição.

Também a integração do Serviço de Desenvolvimento Humano é considerada uma das maiores mudanças do novo documento. Este serviço "reúne as questões sociais da Igreja ou da Secretaria para a Economia, que administra todas as finanças do Vaticano, incluindo os fundos da Secretaria de Estado".

  • Críticas à crise

“Esta economia mata” é uma das ideias mais fortes do seu pontificado, que referiu na sua exortação apostólica ‘Evangelii Gaudium’, em 2013, e que serviu ao longo dos anos para ilustrar as suas críticas aos efeitos da crise económica.

“A crise que estamos a viver é a crise da pessoa, que já não conta; só o dinheiro conta”, disse, numa ocasião, e, noutro momento, comentou: “O [sem-abrigo] que morre não é notícia, mas se as bolsas caem 10 pontos é uma tragédia. Assim, as pessoas são descartadas”.

Repetidamente, o Papa manifestou a sua preocupação com os pobres, os desempregados, enquanto condenava a acumulação do lucro e o culto do dinheiro.

  • O combate à pedofilia 

Durante o pontificado de Bento XVI, várias revelações sobre escândalos sexuais e financeiros atingiram fortemente a Igreja, especialmente as que se referiam a crimes antigos de milhares de padres pedófilos. Em 2011, o Vaticano publicou as normas reguladoras — definidas pela Congregação para a Doutrina da Fé — para os casos de abusos sexuais de menores cometidos por padres, num documento que foi enviado, a partir desta data, para todas as Conferências Episcopais.

E o Papa Francisco mostrou cedo que pretendia dar continuidade a esta temática. Mais recentemente, em maio de 2019, o pontífice anunciou legislação mais rigorosa que obriga os sacerdotes e os religiosos a denunciar suspeitas de abusos sexuais na Igreja, assim como qualquer encobrimento pela hierarquia.

Francisco determinou assim que todas as dioceses do mundo criassem, antes de junho de 2020, um sistema acessível a quem quiser fazer uma denuncia, bem como a total proteção e assistência aos denunciantes.

Num documento sobre o tema, o Papa escreveu que embora já muito se tenha feito era preciso continuar “a aprender das lições amargas do passado a fim de olhar com esperança para o futuro” e que esta responsabilidade recaía, em primeiro lugar, sobre os que estavam no governo pastoral, exigindo o seu empenho.

Numa entrevista em 2022, Francisco lembrou que "um sacerdote não pode continuar a ser sacerdote se é abusador. Não pode. Porque é doente ou um criminoso, não sei".

"O sacerdote existe para encaminhar os homens para Deus e não para destruir os homens em nome de Deus. Tolerância zero. E tem de continuar a ser assim", afirmou.

  • Uma Igreja que não se fecha aos pecadores

O Papa Francisco afirmou que a Igreja Católica não deve estar fechada aos pecadores como "uma alfândega pastoral". "Somos muitas vezes controladores da fé, em vez de facilitadores", disse.

Jorge Bergoglio deu como exemplo um padre que recusa batizar uma criança filha de uma mãe solteira. "Esta mulher teve a coragem de continuar a gravidez […]. E o que encontra? Uma porta fechada", afirmou. "Isto não é zelo, isto é distância de Deus. Quando fazemos este caminho com esta atitude não estamos a ajudar o povo de Deus".

  • Mais mulheres na Igreja

Ao longo do pontificado, o Papa foi mostrando que pretendia um papel mais ativo das mulheres na Igreja. Em 2014, considerou serem necessárias mais teólogas, insistindo nas "capacidades particulares" das mulheres.

"As mulheres são como os morangos num bolo, são sempre precisos mais", disse, numa intervenção perante os membros da Comissão Teológica Internacional, em que o número de mulheres aumentou ligeiramente nos últimos anos.

"A Igreja reconhece o contributo indispensável da mulher na sociedade, com uma sensabilidade, uma intuição e capacidades particulares (...) Vejo com satisfação as numerosas mulheres que oferecem novos contributos à reflexão tecnológica", acrescentou.

Contudo, manteve fechada a porta a qualquer possibilidade de acederem ao sacerdócio, já que defendeu que o não pode mudar é a premissa de que "o sacerdócio está reservado aos homens, como um sinal de Cristo esposo que se entrega na Eucaristia", uma questão "que não se discute".

  • A defesa do ambiente

Em 2015, o Papa Francisco apresentou a encíclica "Laudato si. Sobre a proteção da casa comum", na qual apelava para a responsabilidade de todos na proteção do planeta, "que está a ser destruído".

Nesta encíclica, publicada seis meses antes da conferência sobre as alterações climáticas, em Paris, o Papa pediu à humanidade, que aponta como principal causadora do aquecimento global, que atuasse o mais depressa possível para salvar o planeta.

Ao longo do pontificado foi reforçando sempre esta ideia, pedindo aos cristãos que assumam "estilos de vida coerentes" com a salvaguarda "da criação" de Deus.

  • Simplificação da anulação dos casamentos católicos

O Papa Francisco decidiu simplificar e abreviar os procedimentos de reconhecimento da nulidade dos casamentos católicos e pedir a sua gratuitidade.

Assim, Bergoglio decidiu que uma sentença apenas será suficiente para decretar a nulidade do matrimónio católico, suprimindo a dupla decisão das duas instâncias que tinham de se pronunciar anteriormente. Um processo passou a ser abreviado nas dioceses para os casos de nulidade mais evidentes. Nesses casos, o bispo da diocese torna-se, ele próprio, juiz, de forma a que os julgamentos respeitem "a unidade católica na fé e a disciplina".

Contudo, a simplificação da nulidade do casamento católico nada tem a ver com os processos de divórcio no registo civil, uma vez que o matrimónio continua a ser indissolúvel para a igreja de Roma, sendo apenas permitido em casos específicos.

  • Intervenções diplomáticas

A mediação do conflito histórico entre os Estados Unidos e Cuba, que permitiu o reatamento das relações diplomáticas, ao fim de mais de 50 anos, foi uma das principais intervenções de Francisco a nível de relações internacionais.

O Papa também procurou ajudar a que fossem ultrapassadas as divergências na Colômbia, promovendo um encontro entre o presidente, Juan Manuel Santos, e o seu antecessor, Álvaro Uribe, que contestava o acordo de paz com a guerrilha das FARC.

Quanto à situação da Venezuela, o líder católico manifestou várias vezes a sua preocupação, dirigindo uma carta ao presidente, Nicolás Maduro, e pedindo “caminhos de diálogo” e “gestos corajosos” para que as "consequências da crise política, social e económica" deixem de pesar sobre a população.

Sobre o Médio Oriente, Bergoglio fez apelos insistentes para que israelitas e palestinianos retomem o diálogo e alcancem "uma solução estável e duradoura que garanta a convivência pacífica de dois Estados dentro de fronteiras reconhecidas internacionalmente".

A guerra na Síria mereceu vários lamentos do Papa, que apelou ao “cessar-fogo imediato” para permitir a saída dos civis das zonas atingidas.

Mais recentemente, Francisco também mostrou esforços no sentido de mediar o conflito entre a Rússia e a Ucrânia.

  • Defesa dos imigrantes 

Durante o pontificado, o Papa Francisco afirmou por diversas vezes que os imigrantes precisam de ser recebidos com boas leis, para que possam ser devidamente acompanhados.

“Os imigrantes têm necessidade certamente de boas leis, de programas de desenvolvimento, de organização, mas têm necessidade, antes de tudo, de amor, de amizade, de proximidade humana, têm necessidade de serem ouvidos, de serem olhados nos olhos, de serem acompanhados”, disse uma vez.

Francisco destacou que na atualidade há muitos “homens, mulheres e crianças marcados por tantas formas de pobreza e de violência” que esperam “encontrar no seu caminho mãos estendidas e corações acolhedores”.

O Papa fez também numerosos apelos à comunidade internacional para que acolha os migrantes e refugiados que fogem dos seus países em conflito, fazendo uma dura crítica àqueles que fomentam o medo dos imigrantes, por vezes com fins políticos, pois criam apenas racismo e violência.

  • Abertura ao casamento de padres

O Papa Francisco manifestou-se disponível para rever o celibato no seio da Igreja católica, por ser uma “receita temporária” da Igreja ocidental.

"Não há nenhuma contradição na possibilidade de um sacerdote casar. O celibato na Igreja ocidental é uma prescrição temporária: Não sei se se resolve de uma forma ou de outra, mas é provisório nesse sentido", disse.

Questionado sobre se a questão do celibato “poderia ser revista”, o chefe da Igreja católica respondeu “sim, sim”, acrescentando que muitos dos membros da Igreja do oriente, aqueles que o desejem, “são casados”.

"Na Igreja Católica há sacerdotes casados: Todo o rito oriental é casado. Todo. Aqui na Cúria temos um - hoje deparei-me com ele - que tem a sua esposa, o seu filho", revelou Francisco em março de 2023.

Apesar da aproximação aos fiéis, algumas ideias nunca mudaram

Embora tenham sido registadas algumas mudanças, Francisco manteve-se fiel ao pensamento dos antecessores nas questões do aborto e casamento homossexual, além da ordenação de mulheres. Mas mostrou-se inovador no contacto simples e caloroso com os fiéis.

  • Aborto 

O Papa Francisco afirmou, desde cedo, que "não se deve esperar que a Igreja Católica mude a sua posição" sobre o aborto, adiantando que esta questão "não está sujeita a supostas reformas ou modernizações".

"Não é progressista pretender resolver os problemas eliminando uma vida humana", afirmou o pontífice na exortação apostólica Evangelii Gaudium (A Alegria do Evangelho).

O Papa reconheceu, no entanto, que pouco tem sido feito para "acompanhar as mulheres que se encontram em situações muito duras, onde o aborto se apresenta como uma rápida solução para as suas profundas angústias, particularmente quando a vida que cresce dentro delas surgiu como fruto de uma violação ou num contexto de extrema pobreza".

"Quem pode deixar de compreender essas situações de tanta dor?", perguntava.

"A Igreja quer cuidar com predileção das crianças por nascer, que são as mais indefesas e inocentes de todos, a quem hoje se quer negar a sua dignidade humana para fazer com elas o que se queira, tirando-lhes a vida e promovendo legislações para que ninguém o possa impedir", disse ainda.

Para o Papa, esta defesa da vida por nascer "está intimamente ligada à defesa de qualquer direito humano" e "supõe a convicção de que um ser humano é sempre sagrado e inviolável, em qualquer situação e em cada etapa do seu desenvolvimento".

  • Homossexualidade 

Categoricamente oposto à legalização do casamento homossexual, o Papa celebrou sempre a família e a defesa do casal — tal como Bento XVI ou João Paulo II — formado por um homem e uma mulher, com crianças.

Embora referido como moderado, Bergoglio foi um dos mais ferozes opositores à decisão das autoridades argentinas de legalizar o casamento homossexual em 2010, argumentando que as "crianças precisam de ter o direito a ser criadas e educadas por um pai e uma mãe”.

Após a sua eleição, a Associação Rumos Novos - Homossexuais Católicos manifestou o seu "profundo desalento" pela escolha do cardeal argentino como sucessor de Bento XVI, pelas suas posições contra a homossexualidade e o casamento entre pessoas do mesmo sexo.

"Neste momento de alegria para todos nós católicos, não podemos deixar de partilhar o nosso profundo desalento pela escolha do cardeal argentino Jorge Bergoglio para papa. Enquanto homossexuais católicos, não nos podemos esquecer das inúmeras posições públicas e no seio da igreja do cardeal Bergoglio", afirmou a Associação em comunicado.

Os homossexuais católicos recordavam então que o novo Papa se referiu ao casamento entre pessoas do mesmo sexo como sendo "um plano de Satanás para enganar os filhos de Deus" e às pretensões dos fiéis homossexuais católicos como a "destruição do plano de Deus”.

Com isso, a associação admitiu que estas palavras causaram "mágoa e dor a muitos homossexuais católicos em todo o mundo", deixando-os "naturalmente apreensivos" sobre a postura da igreja.

"Um novo Papa deveria, obedecendo a Deus, estar ao serviço do Homem e saber ler os sinais dos tempos", defenderam, recordando o Concílio Vaticano II.

No início de 2023, o Papa referiu numa entrevista que as leis que criminalizam a homossexualidade são injustas e que "ser homossexual não é um crime (...), mas é um pecado". Mais tarde, veio esclarecer as suas declarações, ao dizer que se referia unicamente ao ensinamento moral católico da Igreja, que professa que qualquer ato sexual fora do casamento é pecado.

Todavia, em 2020, o Papa Francisco referiu pela primeira vez que os casais homossexuais devem ser protegidos pelas leis da união civil, durante uma entrevista para o documentário "Francesco", que se estreou no Festival de Cinema de Roma.

“Os homossexuais têm o direito a ter uma família. Eles são filhos de Deus", disse Francisco numa das suas entrevistas para o filme. “O que temos de ter é uma lei da união civil. Dessa forma, eles estão legalmente cobertos", frisou.

Neste tema, houve, contudo, um passo em frente: em dezembro de 2023, o Vaticano autorizou a bênção de casais do mesmo sexo, em "situação irregular para a Igreja", mas sem aprovar a questão do casamento.

A paixão pelo futebol — e o pagamento da quota mensal do seu clube

Bergoglio, reconhecido adepto de futebol, manifestou por diversas ocasiões ser um seguidor do San Lorenzo de Almagro, clube fundado pelo padre Lorenzo Massa em 1908, tendo celebrado mesmo a eucaristia que assinalou os 100 anos do clube.

No dia da eleição, o clube manifestou "orgulho" por um adepto seu ter sido escolhido para liderar a Igreja Católica.

"É um orgulho para a Instituição saber que o primeiro Papa seja sul-americano e sócio do San Lorenzo", disse o clube em mensagem divulgada através da sua conta oficial no Twitter.

O clube incluiu mesmo na mensagem uma foto do cartão de sócio de Bergoglio, com o número 88.235.

Pouco tempo depois da eleição, o clube enviou uma camisola ao pontífice, que não hesitou em agradecer a oferta, através de uma carta que os argentinos divulgaram na Internet.

“Alegrou-me muito a atenta carta que, por ocasião da minha eleição para a Cátedra de São Pedro, entendeu por bem enviar-me, em nome do Clube Atlético San Lorenzo de Almagro, assim como a camisola da equipa que tão amavelmente me ofereceram”, escreveu o sumo pontífice, na missiva remetida ao presidente do clube argentino.

Agradecendo o “apreço”, o Papa Francisco prometeu “pedir a Nosso Senhor que retribua generosamente essa delicadeza”, antes de recuperar algumas memórias gloriosas do clube.

“Ao ler as suas palavras, vieram-me à memória belas recordações, a começar pelas da infância. Segui, aos 10 anos, a gloriosa campanha de 46! Aquele golo de Pontoni!”, podia ler-se na carta, na qual assegurava “que nunca esquecerá o clube”.

O Papa Francisco apelou a que os adeptos de futebol “cultivem a amizade com Jesus, um verdadeiro Amigo, que está sempre presente, nos momentos felizes e também nos maus momentos”, e não apenas “no campo desportivo”.

“Não há maior glória do que fazer todo o bem, por amor a Deus e a todos os que nos rodeia, fomentando sempre a competição sã, a fraternidade e o respeito mútuo”, escreveu ainda, pedindo que rezassem por ele e concluindo com um cumprimento alargado à direção, equipa técnica, jogadores e adeptos “azulgrana”.

Mas o apoio ao Papa ultrapassou o pequeno clube. Em abril de 2013,  Federação Italiana de Futebol (FIGC) convidou a Argentina para um jogo particular, a disputar a 14 de agosto desse ano, na sequência de uma proposta feita pelo selecionador italiano, Cesare Prandelli, para uma homenagem ao Papa Francisco.

De acordo com a agência EFE, há já algum tempo que Itália e Argentina mantinham negociações para agendar um particular entre as suas seleções absolutas num campo neutro, sendo apontadas como possibilidades a Suíça e a Bélgica.

“O jogo contra a seleção de Messi é o único contra os grandes dos Mundiais que nos falta. Com a Argentina fecharíamos o ciclo. Seria uma homenagem ao novo Papa. Se conseguíssemos, poderíamos ser recebidos em audiência e as duas seleções poderiam ir para o estádio juntas, no mesmo autocarro”, disse o selecionador italiano depois de ter jogado com o Brasil num particular.

Em agosto, o vice-presidente do San Lorenzo de Almagro, Marcelo Tinelli, fez uma revelação que despertou as atenções, antes do jogo Argentina-Itália: O Papa Francisco continuava a pagar a quota mensal do clube de futebol argentino de que era sócio desde a infância.

"Eu questionava-me ‘pagará agora? Nem se deve lembrar…’ Mas não, confirmaram-me que está em dia e que todos os meses paga religiosamente a quota", contou.

A relação de Francisco com Fátima

Logo após a eleição, e após dois Papas que tiveram uma relação próxima com Fátima — João Paulo II e Bento XVI —, a grande questão era o que seria feito de Francisco. Em declarações à Lusa, o Santuário começou por referir que, enquanto cardeal, Bergoglio não teve relação conhecida com a Cova da Iria, pelo menos de forma oficial, ou seja, nunca presidiu a nenhuma peregrinação aniversária.

Contudo, D. António Marto, então bispo de Leiria-Fátima, apressou-se a dizer que, "naturalmente", a Igreja Católica Portuguesa queria a presença do novo Papa nas cerimónias do Centenário das Aparições de Fátima agendadas para 2017, ou seja, quatro anos após a eleição do pontífice.

O convite seria feito com antecedência, de olhos postos num Papa que se queria que viesse dar "uma nova respiração, um novo ânimo à evangelização, porque traz um otimismo que se opõe a este cansaço espiritual e moral que se experimenta na Europa e que contagia a própria Igreja", explicava D. António Marto.

Francisco viria a aceitar o convite, ao deslocar-se como peregrino a Fátima em 2017. No voo que saiu de do aeroporto de Fiumicino, a 12 de maio de 2017, o Papa Francisco afirmou que a viagem a Fátima era “algo especial, de oração” e de “encontro com o Senhor e com a santa mãe de Deus”.

créditos: MAURIZIO BRAMBATTI/EPA

Já no Santuário, onde canonizou os pastorinhos Francisco e Jacinta Marto, o pontífice esteve cerca de oito minutos em frente à imagem da Nossa Senhora de Fátima, a rezar. As pessoas acompanharam o Papa, trocando a euforia da saudação inicial pelo silêncio.

Na oração que fez na Capelinha das Aparições, dirigindo-se aos milhares de peregrinos que se encontravam no Santuário, o Papa Francisco deixou uma mensagem de paz, pedindo "a concórdia entre todos os povos".

Repetindo as suas preocupações em relação aos conflitos em diversas partes do mundo, pediu a Nossa Senhora para que veja "as dores da família humana que geme e chora neste vale de lágrimas".

Já em 2023, a propósito da Jornada Mundial da Juventude, em Lisboa, o pontífice voltou a deslocar-se ao Santuário de Fátima. Na Capelinha das Aparições, esteve reunido com 239 jovens doentes, com deficiência, reclusos e os respetivos acompanhantes. Numa curta presença de duas horas, rezou também pela paz e pelo fim da guerra na Ucrânia.

Após entrar na Capelinha das Aparições, Francisco deteve-se em silêncio em frente à imagem da Virgem de Fátima durante cerca cinco minutos e ofereceu o Rosário de Ouro ao Santuário. Fora da Capelinha, alguns milhares de peregrinos aplaudiam, mas também se silenciaram, num momento de particular emoção para os fiéis.

A presença na JMJ Lisboa 2023

Durante os dias em Lisboa, em 2023, foram muitos os episódios protagonizados por Francisco e inúmeras as mensagens que deixou aos jovens e a toda a sociedade.

Não deixou os abusos esquecidos. Logo no primeiro dia de visita, o Papa reconheceu existir desilusão com a Igreja devido aos escândalos com os abusos sexuais de menores. Além disso, encontrou-se com 13 vítimas.

Encontrou-se com jovens ucranianos. O pontífice recebeu um grupo de 15 jovens peregrinos da Ucrânia, na Nunciatura Apostólica, em Lisboa. “Após ter ouvido as suas tocantes histórias, o Papa dirigiu algumas palavras aos jovens, expressando a sua proximidade, na dor e na oração”, referiu a Santa Sé.

Assinou uma bola de trapos e regou uma oliveira. O episódio aconteceu em Cascais, na instituição Scholas Occurrentes, que fundou há mais de 20 anos em Buenos Aires.

Confessou três jovens. Francisco ouviu em confissão alguns jovens na Jornada Mundial da Juventude, que se mostraram emocionados com a oportunidade.

Olhar de cima? Depende. Uma das mensagens mais marcantes aconteceu na Vigília no Parque Tejo. O Papa Francisco disse que a alegria é missionária, é para os outros, e que a única situação em que é lícito olhar de cima para baixo para uma pessoa é para a ajudar a levantar-se.

O bom humor, a popularidade e as surpresas

  • Um Papa nas revistas

Logo em 2013, Francisco foi eleito ‘Personalidade do Ano’ pela revista norte-americana Time, que destacou a sua “humildade” e “compaixão”, e, um mês depois, a revista de cultura popular Rolling Stone italiana colocou na capa um Papa sorridente e com o polegar levantado, destacando que Francisco “conquistou todos os jovens com as suas palavras de atenção aos mais pobres, com uma atitude decididamente popular”.

O Papa admitiu pouco tempo depois os seus receios perante esta popularidade, reconhecendo-se “fraco, no sentido de não ter poder e também porque o poder é uma coisa passageira”, mas recordando que Jesus definiu que “o verdadeiro poder é servir, realizar os serviços mais humildes”.

  • O aniversário da prima

A 19 de novembro de 2022, o Papa Francisco viajou para Asti, na região do Piemonte, para festejar o 90.º aniversário de uma das suas primas e "para se encontrar com os seus familiares numa visita privada".

Passava pouco do meio-dia quando o helicóptero aterrou no estádio de Portacomaro Stazione. Daí, o Papa deslocou-se para a localidade de Portacomaro para visitar a prima Carla Rebezzana.

Quem viu as imagens esqueceu por momentos que ali estava o Papa. À porta de casa, Carla acolhe simplesmente o primo Jorge. Depois encaminharam-se para o interior: a mesa estava posta e o almoço, típico da região, estava pronto.

"Quando o Jorge me ligou há dois meses para me dizer que vinha cá festejar os meus anos, emocionei-me e disse-lhe que o meu coração estava aos pulos. Ao que ele, com a sua habitual ironia me respondeu: ‘Vê se não morres até lá’. E desatámos a rir", recordou na altura Carla.

  • O Homem-Aranha no Vaticano 

Em junho de 2021, uma Audiência Geral no Vaticano teve um participante que se destacou entre as várias pessoas: um "Homem-Aranha" que, no fim, entregou uma máscara como a sua ao Papa Francisco.

O "super-herói" Mattia Villardita, na altura com 28 anos, contou ao Papa a sua próxima missão: visitar as alas pediátricas do Hospital Agostino Gemelli, em Roma, onde iria com a banda musical da Polícia Italiana. "Mas os verdadeiros super-heróis são as crianças que sofrem e as suas famílias que lutam com tanta esperança", disse.

"Visto-me de Homem-Aranha para tirar um sorriso das crianças que estão no hospital. Faço isto porque tenho uma doença congénita. Durante 19 anos eu entrava e saía do Hospital Gaslini, em Génova, e eu teria gostado muito, quando estive lá, sozinho, na minha cama, de ver o Homem-Aranha entrar pela janela do meu quarto", explicou o jovem, que foi recebido por um Papa sorridente.

  • As visitas surpresa

Em janeiro de 2022, Francisco fez uma visita surpresa a uma loja de música no centro de Roma. De acordo com o Vatican News, o Papa Francisco era um antigo cliente da loja "Stereosound", situada perto do Panteão, no centro histórico: já frequentava o espaço quando ainda era arcebispo de Buenos Aires e tinha de ir à capital italiana.

O Pontífice esteve no estabelecimento num final da tarde, por volta das 19h00 locais, e por lá ficou durante 10 minutos, onde falou com Letícia, a proprietária, e abençoou o espaço, que tinha sido recentemente modificado.

Mas Francisco não saiu da loja de mãos a abanar: foi-lhe oferecido um disco de música clássica. A dona da loja fez poucas declarações sobre o sucedido, tendo apenas afirmado que o Papa era “um cliente antigo” e que a visita foi “belíssima” e “repleta de humanidade”.

Contudo, esta não foi a primeira vez que o Papa fez esse tipo de visitas surpresa. A título de exemplo destaca-se o episódio, em 2015, em que foi a uma ótica no centro de Roma para trocar as armações dos seus óculos, ou a vez, em 2016, em que entrou numa loja de ortopedia próxima do Vaticano.

  • A cachaça e o bom humor

O padre João Paulo, de Campina Grande, no Brasil, encontrou-se com o Papa Francisco no final da audiência-geral de 26 de maio de 2021 e fez um pedido ao pontífice, que respondeu de forma bem-humorada.

O pedido foi por todo o país: "Santo Padre, reze por nós, brasileiros". Contudo, a resposta de Francisco trouxe surpresa e um momento bem-humorado: "Vocês não têm salvação. É muita cachaça e pouca oração", brincou.

O momento, partilhado no Twitter por uma jornalista brasileira no Vaticano e inicialmente divulgado por um padre de Minas Gerais no Instagram, mostra o Papa a rir depois de responder ao sacerdote. São também ouvidos risos nas imediações.

Uma saúde frágil

A saúde do Papa Francisco suscitou algumas interrogações desde o início do pontificado, sobretudo por ter removido parcialmente um pulmão quando tinha 21 anos.

Na sua biografia, intitulada “O Jesuíta”, os autores, Sérgio Rubin e Francesca Ambrogetti, relatam que os médicos diagnosticaram a Jorge Mário Bergoglio uma grave pneumonia e foi submetido a uma operação para a retirada parcial do pulmão direito, depois de ter sido encontrado três quistos no órgão.

Esta operação “não representa um prejuízo para a sua vida” de todos os dias, reafirmou o porta-voz do Vaticano, Federico Lombardi, um dia após a eleição. “Aqueles que o conhecem, sempre o viram de boa saúde”, acrescentou.

Outra questão apontada foi o facto de Bergoglio ter sofrido, em 2007, uma inflamação aguda do nervo ciático que o impediu de ir a Roma ao consistório convocado por Bento XVI, de acordo com o jornal argentino La Nacion.

Alberto Pizzoli / AFP

Nos últimos anos, começaram a surgir notícias mais concretas relativamente às questão de saúde do pontífice. Em 2021, o Papa esteve internado durante dez dias devido a uma operação ao colón e, em maio de 2022, por sofrer dores intensas no joelho, apareceu numa cadeira de rodas em público pela primeira vez.

"Tenho um ligamento rompido, farei algumas infiltrações e vamos ver. Estou assim há algum tempo, não posso caminhar", disse Francisco pouco tempo antes.

Em janeiro do mesmo ano, o Papa proporcionou um momento de bom humor na audiência-geral no Vaticano, ao brincar com o problema de saúde.

"Tenho um problema na perna direita, um ligamento do joelho inflamado. Mas vou descer [do local onde preside à audiência] para vos saudar e vocês passam para me saudar. É algo passageiro", começou por dizer.

De seguida, o Papa, na altura com 85 anos, rematou a explicação com uma brincadeira: "Dizem que acontece só com os velhos, não sei porque aconteceu comigo...", aponta. À volta, ouviram-se aplausos.

Já em 2023, a 29 de março, o Papa Francisco deu entrada "no Hospital Gemelli de Roma para alguns exames previamente programados". No mesmo dia foi confirmado que tinha uma infeção respiratória e que iria ficar internado alguns dias, o que se veio a confirmar.

Posteriormente, a 26 de maio, a Sala de Imprensa da Santa Sé deu conta de que o pontífice cancelou a sua agenda por se encontrar em "estado febril", episódio a que se seguiu uma nova ida ao hospital, a 6 de junho, para realizar exames, e uma operação ao abdómen no dia seguinte, por risco de obstrução intestinal — uma laparotomia e plástica da parede abdominal com prótese, com recurso a anestesia geral.

Em 2024 e no início de 2025, foram várias as vezes em que constipações e infeções respiratórias fizeram com que Francisco tivesse de pedir que lessem intervenções por ele ou que mudou planos para não apanhar resfriados.

Associado aos problemas de saúde veio também a questão da renúncia, com Francisco a afirmar que ocupava uma posição vitalícia e que a renúncia do Papa Bento XVI foi uma exceção. Contudo, soube-se que escreveu uma carta de renúncia dois meses depois da sua eleição.

"Fiz isso caso tivesse algum problema de saúde que me impedisse de exercer o meu ministério e não estivesse plenamente consciente e em condições de renunciar", disse o Papa ao Civita Cattolica.