A presença no parlamento do Presidente do Brasil – que visita Portugal entre 22 e 25 de abril – tem estado envolta em polémica desde que, em fevereiro, o ministro dos Negócios Estrangeiros, João Gomes Cravinho, falou explicitamente num discurso de Lula da Silva na sessão solene da Revolução de Abril na Assembleia da República, assinalando o seu caráter inédito, o que mereceu a oposição de PSD, IL e Chega.
O parlamento acabou por decidir que, em vez de uma intervenção do Presidente do Brasil na sessão solene anual comemorativa, realizará, no mesmo dia, uma sessão de boas-vindas à parte durante a visita de Estado de Lula da Silva a Portugal.
Esta foi a solução encontrada para resolver a polémica em torno do convite ao presidente brasileiro para participar nas cerimónia do 25 de abril, mas não apaziguou as críticas que se reacenderam depois das recentes posições públicas de Lula da Silva sobre a guerra na Ucrânia.
A mensagem de Lula aos Estados Unidos e à União Europeia e a visita de Sergei Lavrov a Brasília
Este sábado, 15 de abril, o Presidente brasileiro defendeu, no final de uma visita à China, que “os Estados Unidos devem parar de encorajar a guerra" na Ucrânia e “a União Europeia deve começar a falar de paz".
Adicionalmente, na sexta-feira, foi tornado público pelo Ministério das Relações Exteriores do Brasil a agenda da reunião que irá juntar, na segunda-feira, em Brasília, os chefes da diplomacia brasileiro e russo, e que terá como temas principais a guerra na Ucrânia e o desenvolvimento de potenciais parcerias. Trata-se da primeira viagem do ministro dos Negócios Estrangeiros russo, Sergei Lavrov, ao Brasil desde 2019.
Este domingo, o primeiro vice-presidente do PSD, Paulo Rangel, instou o Governo a “tomar uma posição pública e formal” demarcando-se das declarações do Presidente brasileiro de que a União Europeia, a NATO (Aliança Atlântica) e os Estados Unidos da América (EUA) estão a estimular a guerra na Ucrânia.
"O Governo português não pode deixar de se demarcar"
“O Governo português — enquanto órgão de soberania responsável pela condução da política externa –, respeitando por inteiro a soberania do Brasil, através do primeiro-ministro, António Costa, e do ministro dos Negócios Estrangeiros, não pode deixar de se demarcar, pelas vias diplomáticas adequadas mas também publicamente, da afirmação de que a União Europeia, a NATO e os Estados Unidos estão a fomentar e a estimular a guerra”, afirmou Rangel numa declaração política feita hoje no Porto.
Em resposta às declarações de Paulo Rangel, a vice-presidente da bancada do PS Jamila Madeira, considerou, em declarações à Lusa, que “a posição de Portugal, do Governo e do PS têm sido absolutamente claras desde o primeiro minuto”, em solidariedade para com a Ucrânia e com a “defesa do direito internacional e condenação do Estado que invadiu”, a Rússia.
“Aquilo que nós vemos - como vimos fomentada nos últimos dias pelo Presidente Macron e agora também fomentada pelo Presidente Lula - é uma preocupação legítima de Portugal"
Jamila Madeira considerou que o Presidente do Brasil tem procurado fomentar “a busca pela paz” na Ucrânia, tal como o chefe de Estado francês, salientando não ter ouvido o PSD pedir uma demarcação de Emmanuel Macron. “Aquilo que nós vemos - como vimos fomentada nos últimos dias pelo Presidente [francês Emmanuel] Macron e agora também fomentada pelo Presidente Lula - é uma preocupação legítima de Portugal, dos portugueses, dos cidadãos do mundo que é a busca pela paz”, contrapôs a deputada socialista.
Para Jamila Madeira, “sem prejuízo de condenar veementemente o momento de violação do direito internacional de provocação desta guerra pela Rússia”, é necessário “tentar procurar o mais possível que, no quadro mundial, se retome a premissa da paz”.
“Não creio que haja nenhuma dúvida sobre essa matéria e, em relação à diplomacia que cada Estado promove, todas as ações que possam ser no sentido da paz são por nós acompanhadas com os instrumentos habituais. Assim como vimos o Presidente Macron – e não creio que o PSD venha dizer que nos temos de demarcar dele – também acredito que sejam essas as motivações, bem verbalizadas em vários momentos, do que o Presidente Lula está a promover”, afirmou.
O PSD não foi o único partido a questionar a posição do Governo face às declarações do presidente do Brasil.
“A Assembleia da República [AR] que convidou Zelensky para discursar em 21 de abril de 2022 não pode receber um aliado de Putin como Lula no 25 de Abril"
“A Assembleia da República [AR] que convidou Zelensky para discursar em 21 de abril de 2022 não pode receber um aliado de Putin como Lula no 25 de Abril. E o Presidente da República que atribuiu a Ordem da Liberdade a Zelensky não pode estar confortável com a presença de um aliado de Putin como Lula na AR no 25 de Abril”, escreveu o líder da Iniciativa Liberal (IL), Rui Rocha, na rede social Twitter.
Questionada sobre a posição do presidente da IL, Jamila Madeira afirmou não ver "nenhuma alteração das nossas relações, nem nenhuma alteração da posição portuguesa relativamente a essa matéria”.
A deputada socialista admitiu que existem posições diferentes da de Portugal sobre a guerra na Ucrânia até no quadro dos países da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP), mas fez questão de sublinhar as relações “cada vez mais robustecidas entre Portugal e o Brasil”, quer ao nível dos Estados, quer dos povos.
Sobre eventuais críticas à posição da União Europeia (UE) nesta guerra, Jamila Madeira defendeu que a UE tem procurado “criar condições de apoio aos cidadãos e condições de resistência para que a guerra que acontece” na Ucrânia “possa ter fim o mais breve possível”.
À direita e à esquerda, sucederam-se mais manifestações sobre a vinda de Lula, nem todas apenas indexadas à posição expressa sobre a guerra na Ucrânia.
O presidente do Chega André Ventura, apontou baterias às declarações de Paulo Rangel, considerando "ultrajante" que o PSD saúde "a presença de Lula da Silva no dia 25 de Abril em Portugal", apesar de os sociais-democratas terem hoje criticado o presidente brasileiro sobre a guerra na Ucrânia.
"É ultrajante ver um partido que deveria liderar o centro-direita dizer que saúda a presença de Lula da Silva no dia 25 de Abril, em Portugal, no dia da conquista democrática", disse André Ventura num vídeo enviado pelo Chega às redações.
Chega vai "mesmo organizar a maior manifestação de sempre contra um dignitário estrangeiro em Portugal"
No vídeo, o presidente do Chega confirmou que o partido vai "mesmo organizar a maior manifestação de sempre contra um dignitário estrangeiro em Portugal", mobilizando "portugueses e brasileiros, todos os que se quiserem juntar, para mostrar que o centro-direita e a direita portuguesa não são o PSD, não são este PSD".
O presidente do Chega defendeu que Lula da Silva deve ser condenado pela "proximidade com a Rússia", pela "incapacidade de ver o sofrimento do povo ucraniano", pela "sua proximidade à China", pela "hesitação em condenar as ditaduras sul-americanas" e pela "corrupção", apesar das decisões que condenaram o presidente brasileiro nesse âmbito terem sido anuladas devido a erros e irregularidades processuais.
Para o secretário-geral do PCP, Paulo Raimundo, a sessão solene dedicada ao Presidente do Brasil "não diminui" a sessão de comemoração do 25 de Abril - de correm ambas no mesmo dia, com intervalo de hora e meia - destacando que Lula da Silva será "bem recebido" em Portugal.
"É normal que haja uma sessão solene com um presidente de Estado. Quando fomos confrontados com essa questão, o que dissemos é que não seria positivo coincidir com a sessão solene do 25 de Abril e que seria melhor encontrar uma outra sessão para o efeito. O desfecho final foi esse e ainda bem que foi esse. Acho que é preferível e não diminui nem a sessão solene dedicada ao presidente Lula nem diminui a sessão solene dedicada ao 25 de Abril", afirmou Paulo Raimundo.
Lula da Silva é "muito bem-vindo"
O secretário-geral do PCP, que falava aos jornalistas à margem de um almoço comemorativo da Revolução de Abril, destacou ainda que o presidente brasileiro, Lula da Silva, é "muito bem-vindo" e será "bem recebido" em Portugal.
Questionado sobre as manifestações convocadas contra a presença de Lula da Silva, Paulo Raimundo disse desconhecer, assinalando apenas que as mesmas só serão possíveis "porque houve o 25 de Abril".
Num almoço que reuniu centenas de militantes do partido em Vila do Conde (distrito do Porto), o secretário-geral do PCP defendeu ser preciso "abrir outra perspetiva para o desenvolvimento do país" e "romper com uma política que invoca ora a pandemia, ora a guerra, para iludir e disfarçar as verdadeiras causas que estão na origem dos problemas".
Paulo Raimundo criticou ainda a "política de direita que põe em causa" a saúde, educação, habitação e os bens essenciais, bem como os que querem "reescrever a história" e pôr "a Revolução lá para trás".
"Não admira que ataquem Abril e a Constituição. Não admira que ainda tenham contas a ajustar com novas revisões do texto fundamental da democracia portuguesa. Não admira que queiram reescrever a história. Não admira que queiram pôr a Revolução lá para trás e que nos queiram convencer que é coisa do passado, ultrapassada e enterrada", referiu, dizendo ser preciso "enterrar de vez a política de direita" e a "política do 'vira o disco e toca o mesmo'".
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