Luís Filipe Vieira foi um dos quatro detidos na quarta-feira numa investigação que envolve negócios e financiamentos superiores a 100 milhões de euros, com prejuízos para o Estado e algumas sociedades.
Segundo o Departamento Central de Investigação e Ação Penal (DCIAP), estão em causa factos suscetíveis de configurar “crimes de abuso de confiança, burla qualificada, falsificação, fraude fiscal e branqueamento de capitais”.
"Eu tenho a noção exata que estou aqui porque sou presidente do Benfica", disse no parlamento Luís Filipe Vieira em 10 de maio deste ano, dois anos exatos depois da audição parlamentar a Joe Berardo (ocorrida em 10 de maio de 2019), também grande devedor da banca e recentemente detido noutro processo.
A afirmação foi rapidamente rebatida pelo presidente da comissão de inquérito, Fernando Negrão, que disse que Vieira não estava no parlamento "por causa do Benfica", e também pela deputada do CDS-PP Cecília Meireles, que o questionava naquele momento, e quis "deixar claro" os motivos pelos quais tinha sido convocado a depor.
"Se nós olhamos para uma lista das perdas imputadas, acumuladas, que são pagas por todos os contribuintes, o senhor é o segundo maior devedor responsável pelas perdas, e por isso é que está aqui hoje", disse Cecília Meireles.
Luís Filipe Vieira afirmou no parlamento que em setembro de 2017 a dívida do Grupo Promovalor ao Novo Banco ascendia a 227,3 milhões de euros, dos quais 217 milhões referentes a capital, 8,9 milhões a juros e 1,4 milhões a comissões bancárias.
A audição de Luís Filipe Vieira começou com uma longa intervenção inicial, em que admitiu que a sua ida para o Benfica, primeiro em 2001 como dirigente e a partir de 2003 como presidente, se deu, também, a pedido de vários bancos.
"A minha ida para o Sport Lisboa e Benfica não é apenas uma vontade e um orgulho da minha parte. Foi também um pedido de várias instituições financeiras" que estavam "interessadas na viabilização" do clube, admitiu.
Vieira disse também que a sua vida "não foi criada com o BES", mas as suas relações empresariais com o banco liderado por Ricardo Salgado acabaram por marcar o seu percurso profissional, acabando como um dos maiores devedores do Novo Banco, que sucedeu ao BES.
Um desses negócios envolve a Imosteps, uma das empresas de Vieira devedoras do Novo Banco, cuja dívida foi comprada pelo fundo Davidson Kempner à instituição financeira e depois vendida a José António dos Santos, empresário da Valouro e conhecido como 'rei dos frangos' (sem relação com a cadeia comercial homónima), por um preço superior ao qual tinha sido vendida pelo Novo Banco.
"Ele pagou. Acho que fez um ótimo negócio", disse o presidente da Promovalor, quando a deputada Mariana Mortágua (BE) perguntou "por que é que milagrosamente está disponível a oferecer por aquela dívida aquilo que nenhum outro sócio estava disposto".
Mariana Mortágua tinha detalhado a Vieira que "a dívida que o Novo Banco vendeu por quatro milhões é comprada ao Nata II [nome da carteira de crédito comprada pelo fundo Davidson Kempner] pelo seu sócio por oito milhões".
Luís Filipe Vieira revelou que o fundo Davidson Kempner o contactou, tendo o empresário perguntado "por quanto é que vendia aquilo", mas as suas empresas não tinham dinheiro e iriam acabar por "arranjar comprador".
"O comprador foi precisamente esta pessoa [José António dos Santos], através de um fundo que constituiu, e o resto não sei mais", referiu Luís Filipe Vieira.
Mariana Mortágua concluiu dizendo que um sócio de Vieira "comprou de volta a sua dívida ao Nata II por um valor superior ao qual o Nata II tinha comprado".
José António dos Santos é também o maior acionista individual da Benfica SAD e beneficiaria de uma eventual venda das suas ações, caso a OPA (Oferta Pública de Aquisição) de 2019 e 2020 do próprio clube à SAD fosse avante.
Porém, em maio de 2020, a Comissão do Mercado de Valores Mobiliários (CMVM) considerou a operação ilegal.
"Os fundos que o Oferente [a Benfica SGPS] pretendia utilizar para liquidação da contrapartida tinham, de forma não permitida pelo Código das Sociedades Comerciais, origem na própria Sport Lisboa e Benfica - Futebol SAD, sociedade visada por esta Oferta Pública de Aquisição", podia ler-se no comunicado da CMVM de maio de 2020.
Entre os potenciais beneficiários da operação – que não se veio a concretizar – estariam o próprio Luís Filipe Vieira e o construtor José Guilherme.
Na comissão de inquérito, Luís Filipe Vieira defendeu que a operação visava que o Benfica ficasse com um modelo societário semelhante ao do Bayern de Munique, e que "não tinha interesse" em ganhar dinheiro com a operação.
Outro dos negócios falados na comissão de inquérito diz respeito à reestruturação da dívida da Promovalor, feita pela C2 Capital Partners de Nuno Gaioso Ribeiro (antigo vice-presidente do Benfica) – que confirmou a realização de buscas na quarta-feira – e rejeitou a existência de um "canal de influência" no clube para negócios particulares.
A C2 Capital Partners comprou créditos ao Novo Banco devidos pela Promovalor, empresa do presidente do Benfica, Luís Filipe Vieira, mas o gestor da C2 Capital Partners apelidou de "conversa de café" a possibilidade de existir qualquer conflito de interesses.
"Se o senhor deputado [João Paulo Correia, PS] me pergunta se o facto de o devedor nos conhecer pode ter sido importante para o devedor e pode ter dado tranquilidade ao devedor sermos nós a gerir os ativos, a minha resposta é sim", disse Nuno Gaioso Ribeiro, num dos momentos mais tensos da audição.
Com a constituição do Fundo de Investimento Alternativo Especializado, que comprou as dívidas da Promovalor ao Novo Banco em novembro de 2017, "foram adquiridos ao Novo Banco 133,9 milhões de euros de créditos e foram, ainda, reestruturados pelo Novo Banco (isto é, mantiveram-se no balanço do banco) financiamentos existentes de 85,8 milhões de euros, perfazendo a operação o montante total de 219,7 milhões de euros".
"O Novo Banco ficou, exatamente, com 95,89% do capital total subscrito do fundo que é de 146,1 milhões de euros", disse Nuno Gaioso Ribeiro aos deputados.
Comentários