Nesta ação em Lisboa, que começou perto das 22:30 e só terminou hoje de madrugada, Marcelo Rebelo de Sousa encontrou logo no início do trajeto, em Alcântara, um jovem a dormir na rua que ficou desempregado com a crise resultante da pandemia da covid-19.
“É com tristeza que verifico que uma nova crise vai significar ou pode significar o aumento dos sem-abrigo”, afirmou aos jornalistas, acrescentando: “Estar agora a dizer que a meta de 2023 vai ser cumprida era estar a mentir aos portugueses. Não posso dizer isto, é uma mentira, porque não sei, e muito provavelmente não pode, por muito que se faça”.
O chefe de Estado esteve acompanhado pelo coordenador da Estratégia Nacional de Integração de Pessoas em Situação de Sem-Abrigo, Henrique Joaquim, e pelo vereador da Câmara Municipal de Lisboa com os pelouros dos Direitos Sociais e da Educação, Manuel Grilo, do Bloco de Esquerda.
Em declarações à agência Lusa, na Avenida Almirante Reis, depois de paragens no Cais do Sodré e em Santa Apolónia, Marcelo Rebelo de Sousa fez um balanço da situação em Lisboa: “Há sinais já do desemprego nos mais novos, que não estavam tanto na rua. Do que vi, não há ainda sinais de um agravamento brutal da situação, mas estamos no começo da crise económica e social. Vamos ver, isto tem de ser acompanhado a par e passo, e eu tenciono continuar a acompanhar ao longo das semanas e dos meses”.
Segundo o chefe de Estado, que tinha percorrido ruas de Lisboa na noite de 18 de março, véspera da entrada em vigor do estado de emergência em Portugal, “há mais gente na zona de Alcântara, gente mais nova, da restauração, recém-desempregados, muitos deles com a expectativa de voltarem a trabalhar”, enquanto “em Santa Apolónia há uma deslocação de pessoas, também há mais e surgiram brasileiros”.
“Aqui, na Almirante Reis, menos gente do que já foi, muito menos gente”, concluiu, salientando, contudo, que para um retrato global há que ter em conta o número de pessoas em centros de acolhimento.
Marcelo Rebelo de Sousa saudou esta preocupação de acolhimento por parte do município e realçou também a importância de se avançar com “a abertura dos concursos das casas pela Câmara Municipal de Lisboa, 100 agora e depois mais 200″.
O Presidente da República quis “ver no terreno” a evolução dos casos de sem-abrigo na capital do país, tendo em conta os efeitos da covid-19 no emprego, com mais 100 mil desempregados em Portugal: “E mais desempregados significa, em larga medida, também, como se viu na crise do tempo da ‘troika’, mais sem-abrigo”.
“E, por outro lado também, porque me foi dito que era importante ir ver na Manutenção Militar, que é uma estrutura que tem servido de acolhimento, se sim ou não era preciso mais espaço para os sem-abrigo”, adiantou.
Em Alcântara, Marcelo Rebelo de Sousa foi interpelado por uma enfermeira aposentada, Maria José Tiago, que integrava uma equipa da associação Centro de Apoio ao Sem Abrigo (CASA) e que apelou à reintegração de quem vive na rua: “Deem-lhes as mãos, se faz favor, sejam humanos”.
“Estas pessoas têm um sofrimento atroz, há um processo de desumanização neste país. Eu sou apartidária, tenho as minhas ideias, mas de facto não se consegue perceber os compartimentos estanques que o meio institucional sofre”, criticou Maria José, que deixou, porém, um agradecimento ao “trabalho constante” do Presidente da República nesta matéria.
Ao longo da noite, o chefe de Estado conversou com pessoas desesperançadas, como um homem há anos à espera de uma casa e uma mulher que lhe disse ter perdido o amor-próprio, a quem procurou transmitir que a vida tem altos e baixos e deixar uma mensagem de otimismo.
Marcelo Rebelo de Sousa confessou que “não esperava tão depressa ter uma crise, porventura mais profunda” do que a anterior, “a fazer aumentar o número de sem-abrigo, que tinha diminuído e tinha ficado à volta de 400 aqui na zona de Lisboa”, onde chegara a ser de “mais de mil ou mesmo perto de dois mil”.
Este novo contexto “obriga a fazer um esforço maior”, defendeu, deixando uma promessa: “Até ao final do mandato, dia 09 de março às 10:00, é esse um empenho que eu tenho”.
Lisboa pede auxílio ao Estado Central para combater flagelo
Manuel Grilo, vereador da Câmara Municipal de Lisboa com os pelouros dos Direitos Sociais e da Educação, do Bloco de Esquerda, fez esta apelo durante a ação de contacto com a população sem-abrigo.
“Nós não queremos que as pessoas passem por esta pandemia condenadas a estarem na rua. É absolutamente necessário que o Estado central encontre forma de nos facultar o espaço onde possamos integrar pessoas com dignidade”, afirmou o vereador, acrescentando: “Há um espaço que sabemos que está disponível na zona da Manutenção Militar, na rua do Grilo”.
O vereador referiu que atualmente existem “quatro equipamentos de emergência” em Lisboa, os pavilhões do Casal Vistoso, do Clube Nacional de Natação (CNN), a Pousada da Juventude do Parque das Nações e a Casa do Lago, onde estão acolhidas 220 pessoas, estimando-se que haja “outro tanto, ou mais, na rua”.
“Precisamos de mais espaços para acolher mais pessoas. Não conseguimos ter acesso a estes equipamentos, que em grande medida pertencem ao Estado Central e, portanto, venho chamar a atenção para a necessidade de encontrarmos estes espaços”, reforçou, pedindo “espaços alternativos que possam ter mais 100, 120, 140 pessoas”.
Relativamente às habitações disponibilizadas à população sem-abrigo, Manuel Grilo adiantou que até ao final deste ano deverá haver 380 casas entregues através do projeto ‘Housing First’, “o que significará soluções definitivas para essas pessoas de recuperação do seu projeto de vida”.
Segundo o vereador da Câmara Municipal de Lisboa, “há uma identidade completa de propósitos e de objetivos” com o Presidente da República no que respeita à preocupação com as pessoas em situação de sem-abrigo.
“É algo que nos irmana”, disse.
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