“Estou apreensivo” com o que está a acontecer em Portugal nas áreas queimadas pelos fogos de 2017, designadamente com “a acumulação de combustível”, que poderá provocar, “dentro de dois ou três anos”, situações idênticas ou “mesmo piores” do que as que ocorreram o ano passado, disse o cientista Xavier Viegas, que falava numa conferência no Rómulo/Centro Ciência Viva da Universidade de Coimbra (UC).
Não basta a preocupação apenas com estratégias e meios de combate aos fogos e apagá-los, é necessário também tratar da prevenção, desde logo impedindo a acumulação de matéria combustível nas zonas ardidas, que beneficiam de condições particularmente favoráveis para a regeneração e acumulação de vegetação, sublinhou Domingos Xavier Viegas.
O docente do Departamento de Engenharia Mecânica da Faculdade de Ciências e Tecnologia da UC e membro do Observatório Técnico Independente para análise, acompanhamento e avaliação dos incêndios (criado este ano pela Assembleia da República) falava durante uma conferência intitulado ‘Ainda as lições dos incêndios florestais de 2017’, integrada no ciclo ‘Ciência às seis’, promovido pelo Centro Ciência Viva da UC.
“O ICNF [Instituto da Conservação da Natureza e das Florestas] infelizmente não tem feito quase nada pela floresta”, nem mesmo por aquela que é pública, como demonstrou, por exemplo, o Pinhal de Leiria, quase totalmente destruído (cerca de 80%) pelo fogo em outubro de 2017, lamentou Xavier Viegas, sublinhando que “há muito” tempo é “critico do ICNF” e que esta observação abrange diversos governos e não “um em particular”.
O investigador explicou que o eucalipto é uma espécie que favorece a propagação das chamas, sobretudo porque provoca muitas projeções, mas “o pinheiro também provoca projeções” e, “como se viu [no incêndio] no Pinhal de Leiria, a “distâncias de dois e três quilómetros”, destacando que diversas habitações e unidades empresariais foram atingidas pelo fogo em outubro de 2017 por projeções.
Mas, “com as condições meteorológicas” registadas em junho e outubro do ano passado, “qualquer coisa arde” – ninguém consegue travar chamas arrastadas por rajadas de vento com 140 e mais quilómetros –, defendeu Xavier Viegas, sem desvalorizar “fatores como a vegetação” ou a existência ou não de faixas de proteção das casas, por exemplo, em relação às quais, no entanto, 50 metros pode ser excessivo ou, pelo contrário, muito pouco, em função das circunstâncias de cada situação.
Sobre a orgânica da Autoridade Nacional de Proteção Civil (ANPC) – o Governo prevê a criação de cinco comandos regionais e 23 sub-regionais de emergência e proteção civil, correspondentes às comunidades intermunicipais, em vez dos atuais comandos distritais de operações e socorro, no âmbito da nova lei –, Xavier Viegas disse discordar da nova divisão territorial, que “cria confusão” sem vantagens visíveis.
O grande incêndio que deflagrou em 17 de junho de 2017, em Escalos Fundeiros, concelho de Pedrógão Grande, e que alastrou depois a concelhos vizinhos, provocou 66 mortos e 253 feridos, sete deles com gravidade, tendo destruído cerca de 500 casas, 261 das quais eram habitações permanentes, e 50 empresas.
Em outubro seguinte, cerca de 50 pessoas morreram e pelo menos 70 ficaram feridas na sequência dos incêndios na região Centro, que também destruíram total ou parcialmente cerca de 1.500 casas e mais de 500 empresas.
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