O músico e escritor brasileiro Chico Buarque de Hollanda recebeu hoje das mãos dos presidentes de Portugal e do Brasil, Marcelo Rebelo de Sousa e Lula da Silva, respetivamente, o Prémio Camões, quatro anos depois de ter sido anunciado.
Foi por causa da pandemia?
Também, mas sobretudo por razões políticas.
Na altura do anúncio do prémio maior da literatura em língua portuguesa, em 2019, o presidente Jair Bolsonaro recusou assinar o diploma que permitia a entrega formal do prémio, prevista para abril de 2020.
Por que razão Bolsonaro não assinou o diploma?
Ao longo do mandato de Bolsonaro, Chico Buarque foi uma das vozes críticas às políticas governativas do ex-presidente, sobretudo na área da cultura.
Recorde-se que Jair Bolsonaro extinguiu o Ministério da Cultura e transformou-o numa secretaria dentro do Ministério do Turismo.
Bolsonaro chegou a alegar que “assinaria o diploma até 31 de dezembro de 2026”, disse, citado pela Folha de S. Paulo e fazendo referência ao final de um segundo mandato que não vai acontecer.
Decisão que Chico Buarque considerou como um segundo prémio. "A não assinatura do Bolsonaro no diploma é para mim um segundo Prémio Camões", escreveu o cantor, na altura, no seu Instagram.
O autor de “Estorvo” e “Leite Derramado”, apoiante do Partido dos Trabalhadores (PT), tem sido defensor de Luiz Inácio Lula da Silva, recentemente eleito presidente do Brasil e que está de visita a Portugal.
No seu discurso de entrega do prémio, esta tarde em Sintra, o cantor recordou o seu pai e os momentos difíceis que viveu durante a ditadura militar brasileira. “Foi um dos fundadores do Partido Trabalhista, mas nunca chegou a ver a restituição da democracia no Brasil”, disse o cantor emocionado.
Brasil sai da "estupidez e do obscurantismo" cultural
“Hoje a ameaça facista existe, no Brasil e por toda a parte”, disse o cantor, lembrando todos os autores e artistas brasileiros “pelos anos de estupidez e obscurantismo”, concluiu.
Momentos antes, Lula da Silva expressou “satisfação em corrigir os maiores erros da cultura brasileira”, dizendo que “o prémio deveria ter sido entregue em 2019 e não foi”.
“Todos sabemos porquê. Estamos aqui a reparar o ataque à cultura pela extrema-direita”.
A entrega deste prémio é assim "o regresso da democracia ao Brasil", disse Lula da Silva que está em Portugal para uma visita de Estado de três dias e que esta manhã sublinhou que o seu país, depois de ter estado "afastado do mundo durante seis anos", está preparado para voltar a ser um "país grande, importante e atraente".
Por causa da pandemia, ficaram mais prémios por entregar?
Sim. A pandemia atrasou a entrega de quatro prémios Camões.
A juntar-se a Chico Buarque, três outros galardões ficaram por entregar devido à Covid-19, nomeadamente, o professor e ensaísta português Vítor Manuel Aguiar e Silva, prémio anunciado em 2020, a escritora moçambicana Paulina Chiziane, laureada em 2021 e o escritor brasileiro Silviano Santiago, o galardoado de 2022.
O prémio Camões é atribuído anualmente e as cerimónias de entrega do galardão organizam-se, de forma alternada, entre Portugal e Brasil. Ao prémio junta-se o valor pecuniário de 100 mil euros, dividido pelos dois países.
Os galardoados são escolhidos por um júri composto por personalidades angolanas, moçambicanas, brasileiras e portuguesas.
O prémio de 2019, hoje entregue ao cantor brasileiro Chico Buarque, foi presidido pelo académico português Manuel Frias Martins e composto por Clara Rowland (Portugal), Antônio Cícero e Antônio Hohlfeldt (Brasil), Ana Paula Tavares (Angola) e Nataniel Ngomane (Moçambique).
*com Lusa
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