Considerado um dos maiores processos da história da justiça portuguesa, este caso agrega no processo principal 242 inquéritos, que foram sendo apensados, e queixas de mais de 300 pessoas, singulares e coletivas, residentes em Portugal e no estrangeiro. Segundo o Ministério Público (MP), cuja acusação contabilizou quase quatro mil páginas, a derrocada do Grupo Espírito Santo (GES), em 2014, terá causado prejuízos superiores a 11,8 mil milhões de euros.
Como resultado, foram constituídos 25 arguidos em 14 de julho de 2020, aos quais se juntaram mais cinco no passado mês de janeiro. O Tribunal Central de Instrução Criminal (TCIC, vulgo “Ticão”), em Lisboa, acolhe a fase de instrução, requerida por 16 arguidos, sendo que nos autos estão constituídos, até ao momento, 123 assistentes.
O juiz de instrução Ivo Rosa está dedicado em exclusividade a este processo, além da Operação Marquês e outro, e já vincou a dimensão deste caso, que conta com mais de 700 volumes e centenas de milhares de folhas.
“Não se pode esperar que um processo com esta dimensão e complexidade (sem qualquer dúvida o maior e mais complexo alguma vez colocado perante os tribunais portugueses), que durou seis anos em inquérito, com uma acusação deduzida por sete procuradores, em que à defesa foi conferido o prazo de 14 meses para requerer a abertura da instrução, que a instrução decorra com celeridade ou que seja realizada dentro do prazo legal”, escreveu o juiz no despacho relativo à abertura da instrução do processo.
Contudo, numa reunião preparatória com os advogados, Ivo Rosa mostrou-se determinado a levar a instrução até ao fim, mesmo sendo um dos juízes candidatos aos tribunais da Relação. Caso seja um dos juízes escolhidos, os efeitos produzem-se a partir de setembro, mas o juiz que decidiu a instrução do processo Operação Marquês manifestou-se disponível para continuar e, assim, poder concluir esta fase.
A figura central do processo é o antigo presidente do Banco Espírito Santo (BES) Ricardo Salgado, acusado de 65 crimes: um crime de associação criminosa, 30 crimes de burla qualificada, 12 de corrupção ativa (todos em coautoria), nove de falsificação de documento, dois de manipulação de mercado, quatro de infidelidade e sete de branqueamento de capitais.
O despacho de acusação do MP considerou indiciado nos autos do inquérito que “o governo do GES foi assumido de forma autocrática pelo arguido Ricardo Salgado” e que o banqueiro “associou a marca Espírito Santo ao seu ativo mais relevante, o BES, confundindo-a com este ao longo de anos no modo como publicamente apresentou esta realidade, para cuja imagem o próprio contribuiu determinantemente”.
“Com esta realidade, Ricardo Salgado logrou apropriar-se de património de terceiros no âmbito do negócio financeiro do Grupo, onde fez circular dívida das entidades não financeiras, independentemente da legitimidade para o exercício dessa atividade, ou das condições patrimoniais destas empresas”, acusam os procuradores do Departamento Central de Investigação e Ação Penal (DCIAP).
A resposta da defesa do antigo líder do grupo chegou em setembro de 2021, num requerimento de abertura de instrução com 777 páginas, nas quais os advogados Francisco Proença de Carvalho e Adriano Squilacce rebateram a tese do MP, argumentando que Ricardo Salgado “fez tudo o que estava ao seu alcance para que o desfecho não fosse o que ocorreu no verão de 2014”, com a resolução do BES.
Entre os arguidos está também o ex-administrador e diretor financeiro do BES Amílcar Pires, acusado neste megaprocesso de 25 crimes: um de associação criminosa, 11 de burla qualificada, um de corrupção passiva, sete de branqueamento de capitais, dois de falsificação de documento, dois de infidelidade e um de manipulação de mercado.
O arguido José Manuel Espírito Santo, antigo administrador do BES e primo de Ricardo Salgado, foi acusado de sete crimes de burla qualificada e um crime de infidelidade, em coautoria.
A antiga administradora do BES Isabel Almeida foi também acusada por 41 crimes, nomeadamente um crime de associação criminosa, em coautoria, corrupção passiva no setor privado, burla qualificada (20 crimes), branqueamento de capitais (13), manipulação de mercado, falsificação de documento e infidelidade (4).
São ainda arguidos neste processo Manuel Fernando Espírito Santo, Francisco Machado da Cruz, António Soares, Alexandre Cadosch, Michel Creton, Cláudia Boal Faria, Pedro Cohen Serra, Paulo Carrageta Ferreira, Pedro de Almeida e Costa, João Alexandre Silva, Nuno Escudeiro, Pedro Góis Pinto, João Martins Pereira, Paulo Nacif Jorge, Maria Beatriz Pascoa, Frederico Ferreira, Luís Miguel Neves, Rui Santos e Alexandre Monteiro.
As sete empresas acusadas são a Espírito Santo Internacional, Rioforte Investments, Eurofin Private Investment, Espírito Santo irmãos — Sociedade Gestora de Participações Sociais, ES Tourism Europe, Espírito Santo Resources Limited e ES Resources (Portugal), por crimes que vão desde burla qualificada a corrupção passiva, falsificação de documentos e branqueamento de capitais.
Iniciado no dia 12 de agosto de 2014, o inquérito do processo principal “Universo Espírito Santo” teve origem numa notícia de 03 de agosto desse ano sobre a medida de resolução do BES e analisou um conjunto de alegadas perdas sofridas por clientes das unidades bancárias Espírito Santo.
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