Antonio Azevedo e Helena Moreira são do Fundão e não costumam participar em manifestações, mas quiseram estar presentes.

Entre blocos de samba, comitivas partidárias, associações de imigrantes e organizações não-governamentais, cada um a gritar a sua palavra de ordem, António Azevedo (64 anos) e Helena Moreira (63) seguiam calados, de mãos dadas.

“Nós não gritamos, porque não sabemos o que é que eles estão gritar, mas estamos cá”, afirmou o engenheiro, oriundo do Fundão que soube da manifestação “Não nos encostem à parede” pelas redes sociais e quis estar presente.

“Aquilo que está a acontecer em Portugal é uma coisa indecente. Vamos acompanhando esta discriminação toda contra esta gente que veio cá lutar pela sua vida no nosso país”, disse António Azevedo, comentando a intervenção da polícia na rua do Benformoso, no Martim Moniz, no dia 19 de dezembro, que visou imigrantes no centro de Lisboa.

Ao lado, seguia um grupo de ativistas do Bloco de Esquerda a gritarem “fascistas, fascistas, chegou a vossa hora, os imigrantes ficam e vocês vão embora”.

Mais abaixo, o grupo Sambação, ativistas LGBT, pregava o amor, ao lado de uma associação de bangladeshianos, com mulheres usando o hijab.

A manifestação surpreendeu muitos. A organização fala em 15 mil participantes e quando a cabeça da coluna que descia a Almirante Reis passou a praça do Chile ainda existiam centenas por sair da Alameda Afonso Henriques.

Amina, uma imigrante síria, seguia à frente da manifestação. A viver em Portugal há três anos, a técnica de informática diz que nunca sentiu discriminação, ao contrário do Reino Unido, onde vivia.

“Lá sente-se mesmo o racismo. Eu aqui não senti nunca. Mas vivo em Lisboa, sou branca e sou instruída”, resumiu a jovem, vestida à ocidental.

Ao lado, o advogado Ricardo Sá Fernandes subia a avenida para se encontrar com os manifestantes: “Queria estar aqui, mas estive num almoço que acabou tarde”.

“Os portugueses estão a dar um sinal aqui que não concordam com qualquer discriminação. Estamos todos juntos”, afirmou, considerando que a polarização política não se mostrou esta tarde nas ruas de Lisboa, para onde foram convocadas outras ações da extrema-direita.

“Está aqui muita gente. Tenho muito orgulho nestas pessoas”, afirmou.

António Azevedo aponta o dedo às redes sociais que dividem os portugueses quanto aos imigrantes.

“As redes sociais potenciam isto tudo e é mais fácil levarmos o nosso sentimento de desconforto contra a parte mais frágil da sociedade”, que, neste caso, são os imigrantes.

Mas a ex-jornalista Diana Andringa, presente na manifestação, aponta também o dedo ao jornalismo que hoje se faz: “O grande problema é que já não se faz jornalismo” e “há pouca informação para que as pessoas sejam bem informadas”.

“O que está muito em falta é esse trabalho de informar” que não é feito por causa da “crise do jornalismo e da precariedade”.

Hoje “é uma manifestação contra o racismo para dizermos que somos todos iguais” e o que se passou no Benformoso “envergonha-nos a todos” quando as “autoridades se comportam de forma racista”.

Slimani tem nome de jogador de futebol argelino mas veio de Marrocos e decidiu estar presente na manifestação. De cravo na mão, acompanhado da mulher, portuguesa, Slimani disse compreender o medo dos portugueses em relação aos imigrantes.

“É normal. A primeira reação é estranharmos, mas somos todos pessoas. E o Estado tem de ser de todos”, disse.

A arquiteta paisagista Helena Moreira está preocupada com o futuro e teme que o espírito de tolerância se desvaneça.

“Depois das últimas legislativas, tomámos consciência de uma viragem à extrema-direita em Portugal que já acontecia na Europa. É uma coisa que é real e que temos de combater”, disse.

“Manifestação surpreendente”

No passeio, enquanto assistia à passagem da manifestação na avenida Almirante Reis, o nepalês Rami explicava ao filho o que queria dizer o 25 de Abril que era gritado pelos manifestantes.

“É o dia da libertação de Portugal”, explicou à Lusa, salientando que o filho, de quatro anos, só tinha nacionalidade portuguesa.

“Isto é o país dele” e “é importante que ele saiba o que é o 25 de Abril”, salientou o trabalhador de um supermercado numa perpendicular à Almirante Reis, o centro lisboeta da imigração que vem do subcontinente indiano, que a maioria dos portugueses quer ver reduzida, segundo estudos recentes.

O presidente da Casa da Índia, Shiv Kumar Singh, mostrou-se surpreendido com a presença de tantos portugueses na manifestação “Não nos encostem à parede”, organizada na sequência da ação policial no dia 19 de dezembro que visou imigrantes na rua do Benformoso.

“Surpreendeu mas eu tinha confiança que iríamos receber um grande apoio da sociedade portuguesa” e “agora temos de melhorar os serviços de saúde, de habitação e de educação para todos”, para “os portugueses e para os imigrantes”, afirmou.

“Esta manifestação é contra alguma atrocidade policial contra os imigrantes” e “estamos muito gratos pelo apoio dos cidadãos nacionais”, afirmou o dirigente associativo, salientando a “gratidão” de muitos estrangeiros pela abertura da sociedade portuguesa.

Aqui “estão muito mais portugueses presentes que imigrantes”, mas, no final do dia, “estamos todos juntos”, porque “para muitos imigrantes este é o seu país e estão a construir o seu futuro aqui, sem quererem voltar atrás”.

Esse é o caso de Rami, mas também de Janelle, francesa de origem casada com um nigeriano.

De lenço palestiniano na cabeça, Janelle está de férias em Portugal, onde trabalha o marido, mas não quis faltar à manifestação de hoje.

“Onde quer que seja preciso para combater a extrema-direita, se eu puder, estarei lá”, prometeu, afirmando que o mundo “está dividido” porque “isso interessa a alguns essa divisão”.

“Eu sou nepalês e agora tenho um filho português. A minha mulher está grávida de uma menina. De onde é que eu sou?”, resume Rami.

* Texto Paulo Agostinho*

*Com Lusa