O estudo do Laboratório Português de Ambientes de Trabalho Saudáveis (Labpats), que vai ser apresentado dia 14, na Universidade Lusófona de Lisboa, mostra um aumento da percentagem média destas situações nos últimos anos: de 16,5% (2021/22) passou para 20% (2023) e para 27,7% em 2024.

Em declarações à Lusa, a coordenadora do estudo, a psicóloga Tânia Gaspar, disse que “os dados vão de 15% a 36%”, consoante as empresas, valores que preocupam os investigadores, que dizem que o facto de se falar mais no tema leva as pessoas a estarem mais atentas.

“Para algumas gerações, isto era comum e a pessoa nem percebia bem se nalguns casos era normal”, disse a responsável, lembrando que, quando se fala de assédio laboral, não se está a falar apenas em assédio sexual: “Há coisas muito mais subtis”, como o facto de o trabalhador ser “posto de lado”, exemplificou.

A responsável lembrou a ligação entre o assédio laboral e a saúde mental dos trabalhadores, acrescentando: “Quando vamos comparar as pessoas que são vítimas de assédio com as que não são, a nível da saúde mental, notamos que as vítimas de assédio têm menos saúde mental. É um círculo vicioso”.

Disse ainda que, mesmo os casos de ‘burnout’, que também têm aumentado, “muitas vezes tem que ver com situações de assédio”: “Quando apanho na clínica casos de ‘burnout’, em muitos casos é por assédio. A pessoa já não aguenta a situação e começa a ter sintomas de ansiedade ao domingo à noite só de pensar que vai ter de enfrentar aquela pessoa”.

Os dados do Labpats indicam ainda que diminuiu o número de pessoas sem sintomas de ‘burnout’; aumentou o de pessoas com um sintoma (12,9% em 2021/22, 14,8% em 2023, 17,8% em 2024) e com dois sintomas de ‘burnout’ (16,2%, 13,6%, 28,5%), mas há menos pessoas com três sintomas (50,5%, 45,5%, 38,7%).

“Aqui há uma situação clara que é menos sintomas de depressão e mais pessoas com sintomas de irritabilidade, ansiedade e exaustão”, explica Tânia Gaspar, que relaciona tudo com o clima mais agressivo e hostil que se sente na sociedade.

“Este ambiente de hostilidade, agressividade e intolerância também está relacionado com a questão do ‘burnout’ e do assédio laboral. As lideranças e os colegas andam todos mais irritáveis, mais impacientes, mais intolerantes e a forma como tratam o outro e os limites e filtros estão mais baixos “, afirmou.

Lembrou que “as organizações laborais são feitas de pessoas que estão na sociedade”. “Já olhou para a Assembleia da República? E esta questão da intolerância com as mulheres? Já não acontecia e voltámos a falar disto”.

“Todo este ambiente de intolerância que se sente acaba por afetar o ambiente nas organizações e a forma como as pessoas se tratam no local de trabalho”, acrescentou.

Recordou que um dos problemas é que “as pessoas não sabem o que fazem e com quem falar em caso de assédio” e “não confiam porque não é transparente”. “Mesmo quando vai para tribunal é muito difícil provar porque é a palavra da pessoa contra a liderança”.

A especialista sugere que as empresas passem a ter entidades externas de arbitragem, que sejam “de confiança”. “Um dos critérios para confiança é a perceção de neutralidade”

“Na seleção das pessoas devia haver logo uma mensagem clara da organização a dizer: nesta organização não se admite assédio. Para transmitir uma mensagem muito clara de início”, defendeu a especialista.

Sugeriu igualmente uma mais fácil comunicação entre hierarquias: “O que acontece é que quando se está muito fechado, porque há lideranças que só falam com as suas chefias e estas não têm acesso aos trabalhadores (…) é muito difícil que a [mensagem da] pessoa que é vítima de assédio chegue lá”.

Além da fluidez na comunicação entre as várias hierarquias da organização, a especialista disse que, na seleção, deve ficar muito clara esta mensagem de intolerância para com casos de assédio e, por outro lado, defendeu que as próprias lideranças devem ser apoiadas.

“Muitas vezes, estes comportamentos são de exasperação, ou seja, a liderança está tão nervosa, stressada, pressionada, que muitas vezes acaba por ser desadequada com a sua equipa, mas é porque ela própria também não está bem”, explicou.

O Labpats estuda a saúde e o bem-estar dos profissionais e das organizações, ajudando a definir políticas com impacto na saúde e bem-estar, desenvolvimento saudável e sustentável dos profissionais e das organizações.

Especialistas querem psicólogos nas empresas

A coordenadora do estudo hoje divulgado sobre ambientes de trabalho saudáveis defende que as empresas devem ter psicólogos e departamentos próprios, com orçamento e recursos, para apostar na relação entre o bem-estar dos trabalhadores e a produtividade.

“Está mais do que provada a relação entre o bem-estar do trabalhador e a produtividade da empresa e isto tem de fazer parte do plano estratégico e de atividades da empresa, com um departamento, com recursos alocados e orçamento, para que passe a ser estrutural”, disse à Lusa Tânia Gaspar, coordenadora do estudo do Laboratório Português de Ambientes de Trabalho Saudáveis (Labpats).

O trabalho, que será apresentado dia 14, em Lisboa, abrangeu mais de 3.800 profissionais de empresas nacionais e multinacionais, de diversas gerações, em áreas como a educação, saúde e gestão.

Entre as várias recomendações estão a criação de “políticas claras” de valorização do bem-estar dos trabalhadores, a seleção de lideranças “humanizadas e capacitadas em gestão emocional e comunicação empática” e a criação de programas internos de prevenção do ‘burnout’ e do assédio laboral.

Como exemplo da correlação entre o bem-estar do trabalhador e a produtividade da empresa, Tânia Gaspar contou: “Tenho uma paciente que teve ‘burnout’. Entretanto, vai reintegrar a empresa e fizemos uma proposta para ela sair uma hora e meia mais cedo. Combinou-se dar três meses para verificar a produtividade com menos essa hora e meia. E era igual, ou maior”.

“É uma coisa pequena, mas faz a diferença”, considerou a investigadora, sublinhando que as medidas que promovam a relação entre bem-estar e produtividade “deviam ser estruturantes no funcionamento das organizações”.

Outra das sugestões é que as empresas tenham psicólogos para poderem acompanhar os trabalhadores em permanência, prevenindo situações que se podem complicar.

A psicóloga defende “uma naturalização deste trabalho” que pode ser feito individualmente, ou com as equipas.

Aponta ainda o ‘burnout’, o assédio laboral, que no estudo tem vindo a aumentar nas organizações, e a falta de confiança na tomada de algumas decisões, ao aumento do consumo de substâncias e de álcool para concluir: “isto tem tudo que ver com o comportamento e com a saúde mental”.

“E aí, o psicólogo, lamento informar, é mesmo uma personagem central no trabalho da prevenção, sobretudo em situações que já se sabe que vão dar problemas. É preciso dar apoio não só nas baixas, como nos processos de reintegração após a doença, para diminuir o absentismo e o presentismo, que também têm aumentado”, afirma.

Recorda ainda que “muitas das doenças psicossomáticas e nunca se percebe o que é por vezes foi porque a pessoa andou a acumular coisas que nunca resolver”.

Tânia Gaspar aponta igualmente a importância da comunicação interna nas organizações, sublinhando: “Quando as empresas se fecham, há uma tendência para tomar decisões pela surdina e para as coisas serem mais secretas e serem tomadas decisões que caem em cima dos trabalhadores como se fosse um facto consumado”.

“E essa parte dos riscos psicossociais do trabalho relacionados com a falta de perceção de justiça e com a falta de informação é um fator que tem vindo a ser sempre aquele que é pior e que tem vindo a piorar”, afirma, alertando para a importância de ter os trabalhadores envolvidos nos processos de tomadas de decisão.

E insistiu: “Se lhes forem explicadas as medidas que são tomadas, as opções, é muito mais fácil [os trabalhadores] entenderem e aceitarem e até fazerem parte da solução”.

Três em cada quatro trabalhadores sem capacidade para ultrapassar dificuldades

A capacidade de gestão de stress nas organização agravou-se e mais de três em cada quatro trabalhadores sente que as dificuldades se acumularam ao ponto de não serem capazes de as ultrapassar.

Segundo a mais recente investigação do Laboratório Português de Ambientes de Trabalho Saudáveis (Labpats), que estuda a saúde e o bem-estar dos profissionais e das organizações, mais de metade (55%) dos trabalhadores é incapaz de controlar as coisas que são importantes na sua vida e 81,5% tem falta de confiança na sua capacidade para lidar com os problemas.

A investigação, que envolveu 3.822 profissionais de várias gerações que trabalham em organizações nacionais e multinacionais de áreas como a educação, saúde e gestão, concluiu que mais de metade (51%) sentiu que as coisas não estavam a decorrer como queria e 76% que as dificuldades se acumulavam ao ponto de não ser capaz de as ultrapassar.

Comparando com a investigação anterior (esta é já a terceira), em 2024 “mais profissionais referem que se sentem incapazes de controlar as coisas importantes da sua vida, que as dificuldades de acumulam e não conseguem ultrapassar”.

“São duas faces da mesma moeda. Além de ter os stresses, tenho a perceção de que não estou a conseguir mesmo gerir e que as coisas estão a sair do meu controle. As coisas são cada vez mais difíceis, eu sinto que não tenho competências para gerir, não tenho uma perceção otimista de que isto vai melhorar e isso faz com que as pessoas fiquem mais exasperadas e tenham comportamentos mais desadequados”, explicou a coordenadora do estudo e fundadora do LABPATS, a psicóloga Tânia Gaspar.

A investigadora mostrou-se igualmente preocupada com outro dos dados apurados neste estudo: o agravamento do consumo de substâncias estimulantes, medicamentos psicotrópicos, tabaco, álcool e maior dependência dos ecrãs.

“Já contactei com o ICAD [Instituto para os Comportamentos Aditivos e as Dependências], e eles também tiveram essa evolução (…). Está tudo relacionado, porque as pessoas, de alguma maneira, tentam encontrar escapes. As mulheres, tomam mais psicotrópicos, os homens bebem”, disse Tânia Gaspar.

Outro dos dados apurados neste estudo foi o aumento do absentismo e do presentismo, a situação em que o trabalhador está fisicamente na empresa, mas a sua produtividade e desempenho são reduzidos.

Os dados indicam que 10,1% dos profissionais apresenta um elevado nível de absentismo e 20,9% revela níveis elevados de presentismo.

A investigadora recorda que o presentismo tem igualmente muito que ver com a desadequação dos horários de trabalho ao ritmo biológico dos trabalhadores: uns trabalham melhor de manhã, outros de tarde.

“Tenho um doente que diz que não consegue trabalhar de manhã e que produz imenso ao fim do dia. É daqueles tecnológicos, um super génio, um miúdo brilhante, que resolve todos os problemas da empresa e que diz que se vai despedir porque não aguenta”, explicou a especialista, questionando: “Como é que aquela empresa vai perder um homem daqueles?”

Defende que as empresas têm de “estar mais atentas à capacidade de individualização” e tentar adaptar melhor os horários dos trabalhadores, à sua capacidade, ritmo biológico e às suas tarefas.

“No fundo, o que é que a empresa quer? É que as pessoas façam. E as pessoas também querem fazer, mas se calhar não naqueles moldes”, referiu.

O estudo conclui que os profissionais em teletrabalho ou em formato híbrido “são os que revelam um ambiente de trabalho mais saudável”.

Comparando com os resultados de anos anteriores, este estudo do Labpats, que vai ser apresentado em Lisboa no dia 14, revelou uma “ligeira melhoria ao nível da ética e valores, compromisso da liderança e ambiente psicossocial e condições de teletrabalho” e um “ligeiro agravamento” ao nível do envolvimento da comunidade (responsabilidade social) e da falta de recursos para a saúde. Os riscos relacionados com a saúde mental mantiveram-se.