A belga Liesbet Hooghe e o britânico Gary Marks, professores na Universidade da Carolina do Norte, são apontados como os primeiros académicos que identificaram uma clivagem na forma como as populações viam a integração europeia e previram, há uma década, a ascensão dos nacionalismos.
“Chamamos-lhe clivagem porque não traduz uma discordância em relação a políticas, mas algo que afasta as pessoas em relação a assuntos sobre os quais discordam”, explica Marks, numa entrevista à agência Lusa.
“As pessoas que tendem a gostar da Europa, do multiculturalismo, das fronteiras abertas, tendem a ser pessoas com mais formação, especialmente educação superior, que vivem em cidades e exercem ‘profissões sociais’, em que lidam com pessoas a um nível mais elevado”, precisa Hooghe.
Do outro lado, os que privilegiam “uma soberania nacional defensiva, a unidade nacional, que se preocupam com a imigração, tendem a ser pessoas com menos educação e encontram-se mais em zonas rurais”, acrescenta.
Marks frisa que não se trata de classes sociais no sentido tradicional, porque “a diferença entre classes reduziu-se”, e dá como exemplo o eleitorado dos partidos de esquerda, outrora composto sobretudo por trabalhadores manuais, e o dos de direita, por profissionais e empresários, diferença que hoje é residual.
“As pessoas formam grupos socioestruturais diferentes e isso vai contra a forma como costumávamos entender a política”, afirma.
“Costumávamos pensar que a instrução libertaria as pessoas da sua origem. Seriam educadas, cognitivamente sofisticadas e tomariam decisões em face dos factos. Seria a individualização da política. Mas isso não aconteceu”, prossegue o investigador.
“Na essência, temos um modelo político em que uma mudança fundamental social leva a que os indivíduos tenham crenças profundamente enraizadas”, precisa.
Marks e Hooghe criaram dois acrónimos que agregam estes novos grupos sociais, que coexistem sem se sobrepor à esquerda e à direita: GAL, ou Green, Alternative, Libertarian (Ambiental, Alternativo, Libertário) e TAN, Tradicional, Autoritário, Nacionalista.
“É uma forma diferente de organizar as ideias”, até porque os partidos nacionalistas “não são a direita radical, muitas vezes são economicamente centro-esquerda, especialmente quanto à proteção social dos nacionais”, explica Marks.
“É muito mais cultural, menos económico”, acrescenta Hooghe.
Estas mudanças vão refletir-se nas próximas eleições para o Parlamento Europeu.
“Provavelmente os maiores vencedores vão ser os Verdes, ou partidos como eles que não se chamam assim mas são igualmente transnacionalistas, e por outro lado os nacionalistas”, diz Hooghe.
“As eleições [de domingo] na Baviera são um indicador. Os Verdes quase duplicaram a votação e os sociais-democratas caíram para metade”, acrescenta Marks. Nas europeias, “os partidos GAL-TAN vão aumentar a sua votação e os partidos de esquerda e de direita vão vê-la reduzida”.
“E a tendência é para que, entre os partidos convencionais, a social-democracia, a esquerda moderada, tenda a ter muita dificuldade em manter-se”, adianta Hooghe.
Liesbet Hooghe e Gary Marks foram entrevistados pela Lusa à margem da conferência “A Europa na encruzilhada” que decorreu na segunda-feira no Instituto de Ciências Sociais (ICS) da Universidade de Lisboa (UL).
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