A estreia teve lugar no Cinema Trindade, no Porto, dia 27 de maio, numa iniciativa conjunta da Comunidade Judaica do Porto e da Fundación HispanoJudía de Madrid. A obra é realizada por Luís Ismael e produzida pela Comunidade Judaica Ibérica, reunindo testemunhos históricos e relatos emocionantes sobre o destino de duas mil crianças judias espanholas, separadas das suas famílias e deportadas à força para a ilha de São Tomé, por ordem do rei D. João II de Portugal.

Uma história que ficou por contar

Após a expulsão dos judeus de Espanha em 1492, muitos procuraram refúgio em Portugal. Contudo, a permanência em território português exigia o pagamento de um pesado tributo, e quem não podia cumprir com essa exigência enfrentava consequências trágicas. Muitas famílias foram forçadas a entregar os filhos, alguns crianças com cerca de oito anos, que embarcaram rumo à ilha de São Tomé, situada a mais de sete mil kilómetros de distância.

David Hatchwell Altaras, presidente da Fundación HispanoJudía, destaca o paralelismo emocional entre esse episódio e a dor vivida por famílias de reféns em conflitos atuais: “O sentimento de perda, dor e agonia causado pelo rapto das nossas crianças foi vivido pelos judeus muitas vezes ao longo da história. Podemos imaginar o que sentiram os pais e familiares dessas duas mil crianças em 1493", em nota de imprensa.

Cronistas portugueses e estudiosos judeus da época como Garcia Resende, Isaac Abravanel, Samuel Usque e Shlomo Ibn Verga relataram os horrores enfrentados pelas crianças em São Tomé. As condições em que viviam eram deploráveis: a ilha estava repleta de gases tóxicos de origem vulcânica, animais selvagens como crocodilos de até 10 metros de comprimento.

Os “lagartos” deram à ilha o nome hebraico “I Ha Timshaim”, a “Ilha dos Lagartos”, temida por todos os que lá tentavam sobreviver. Estima-se que, em poucos meses, cerca de 1.400 crianças tenham morrido.

Um legado de resistência

Apesar da falta de condições, algumas crianças sobreviveram e, juntamente com os seus descendentes, contribuíram para o surgimento de uma nova geração de São Tomé. Construíram um sistema de economia local baseado na produção de açúcar, vinho, carne e queijo, com bastante sucesso. Um legado inesperado nascido da adversidade, que hoje é também um símbolo da resistência do povo judeu.

“O sucedido com as crianças judias espanholas foi uma tragédia amplamente desconhecida que sentimos o dever de recordar, pela lição histórica que oferece. Se recuarmos até 1493, vemos que os Impérios português e espanhol desencadearam uma sucessão de acontecimentos tendentes à sua própria decadência”, reflete Michael Rothwell, diretor dos Museus Judaico e do Holocausto do Porto, em comunicado.

“As valências científicas, económicas e militares de que as nações ibéricas beneficiavam até então, logo foram transferidas para nações concorrentes e, não por acaso, nasceram os Impérios Otomano, Britânico e Neerlandês, para além do mais que a história regista até aos dias de hoje”, acrescenta.

Embora disponível online em vários idiomas, o documentário está também a ser apresentado em sessões públicas em várias cidades do mundo, com debates que convidam à reflexão sobre temas como o antissemitismo, os direitos humanos e a memória histórica. Em Lisboa, a sessão ocorrerá no Cinema City e contará com a presença da embaixada de Israel em Portugal.

O filme tem a com duração de 30 minutos e está disponível gratuitamente no YouTube.

“As 2.000 Crianças Judias Raptadas” é um apelo à empatia, pelo reconhecimento de feridas históricas ainda não saradas, num momento em que o mundo continua a lidar com os ecos de intolerância e violência.