A Arábia Saudita disse esta sexta-feira que o jornalista saudita Jamal Khashoggi morreu. Dois oficiais foram demitidos na sequência deste caso, escreve a agência Reuters. O desaparecimento e morte de Khashoggi gerou duras críticas a Riade e aumentou a tensão entre a Arábia Saudita e o Ocidente.
"Investigações preliminares realizadas pelo Ministério Público sobre o desaparecimento do cidadão saudita Jamal bin Ahmad Khashoggi revelaram que discussões, que ocorreram entre ele e as pessoas que se encontraram com ele durante a sua presença no consulado saudita em Istambul, levaram a uma luta com o cidadão, Jamal Khashoggi, que causou a sua morte. Que a sua alma descanse em paz", refere a agência oficial de notícias SPA, citando os procuradores sauditas.
Foram detidos 18 cidadãos sauditas e dois oficiais foram afastados do seu posto, sendo eles o conselheiro real Saud al-Qahtani e o chefe adjunto dos serviços secretos Ahmed Asiri.
O rei Salman ordenou ainda a formação de um comité ministerial liderado pelo príncipe herdeiro Mohammed bin Salman para reestruturar os serviços secretos.
Esta é a primeira vez que as autoridades sauditas - que começaram por negar qualquer responsabilidade no desaparecimento do jornalista - admitem a morte de Jamal Khashoggi.
Os Estados Unidos da América já reagiram à informação da morte de Jamal Khashoggi: “Estamos tristes por saber que a morte de Khashoggi foi confirmada", disse Sarah Sanders, porta-voz da administração norte-americana.
Sarah Sanders acrescentou que tomaram nota do anúncio do reino saudita de que “a investigação sobre o destino de Jamal Khashoggi está a avançar” e que foram tomadas medidas “contra os suspeitos que foram identificados até ao momento”.
Khashoggi, jornalista saudita residente nos Estados Unidos desde 2017, era apontado como uma das vozes mais críticas da monarquia saudita. O jornalista, de 60 anos, entrou no consulado da Arábia Saudita em Istambul no dia 2 de outubro para obter um documento para casar com uma cidadã turca e nunca mais foi visto. De acordo com notícias que foram publicadas na Turquia e nos Estados Unidos, as autoridades turcas têm provas de que o jornalista foi torturado e assassinado no consulado.
Pressão Internacional
O caso gerou tensões diplomáticas entre a Arábia Saudita e o Ocidente, com os líderes da União Europeia, reunidos quinta-feira em cimeira em Bruxelas, a instarem explicitamente a realização de uma investigação sobre o caso.
Em conferência de imprensa, na sede da ONU, o Comité para a Proteção dos Jornalistas (CPJ), a Amnistia Internacional, a Human Rights Watch e os Repórteres Sem Fronteiras encorajaram também esta quinta-feira a Turquia a pedir ao secretário-geral da ONU, António Guterres, “uma investigação transparente”. Para as quatro organizações, uma investigação internacional é determinante para investigar o papel da Arábia Saudita e procurar identificar todos os responsáveis pelo desaparecimento de Khashoggi.
“O envolvimento da ONU é a melhor garantia contra uma lavagem saudita ou contra a tentativa de outros governos de varrerem a questão para preservarem laços comerciais lucrativos com Riade”, sublinhou Robert Mahoney, vice-diretor executivo do CPJ. O porta-voz da ONU, Stephane Dujarric, afirmou que, “por uma questão de princípio, o secretário-geral [só] vai ordenar uma investigação se todos os membros o pedirem”.
Donald Trump, por sua vez, ameaçou Riade com consequências "muito severas" caso se viesse a confirmar o envolvimento do regime de Riade. Questionado esta sexta-feira, antes a confirmação da morte do jornalista, sobre as consequências para os líderes sauditas se se apurasse que eram responsáveis pela morte, respondeu: “Teriam de ser severas. É um caso mau, mau. Mas, vamos ver o que vai acontecer”.
Quem é Jamal Khashoggi?
O jornalista saudita Jamal Khashoggi, que foi assassinado no consulado da Arábia Saudita em Istambul, passou de alguém que conhecia por dentro a família real saudita a um crítico do todo-poderoso príncipe herdeiro Mohamed Bin Salman.
No seu último artigo para o jornal Washington Post, Khashoggi denunciou os obstáculos à liberdade de imprensa no mundo árabe e escreveu: "Infelizmente, esta situação provavelmente não mudará".
Jamal Khashoggi completaria 60 anos a 13 de outubro, mas no dia 2 entrou no consulado saudita onde alegadas discussões degeneraram numa briga, levando à sua morte. A imprensa turca afirma que o jornalista foi torturado e assassinado de maneira selvagem.
O saudita teve uma carreira intensa: em 35 anos passou pelo islão político da Irmandade Muçulmana, pela imprensa saudita, pelos círculos de poder de Riade e até pelos grandes jornais internacionais, incluindo o Washington Post.
Khashoggi exilou-se nos Estados Unidos após uma onda de detenções em setembro de 2017 no reino saudita. Desde então não parou de denunciar os "excessos" do príncipe herdeiro Mohamed, de 33 anos, conhecido como MBS.
O jornalista afirmou que foi proibido de publicar os seus textos no jornal pan-árabe Al Hayat, que pertence ao príncipe saudita Khaled bin Sultan al Saud, por ter defendido a Irmandade Muçulmana, considerada "terrorista" por Riade.
Em 6 de março de 2018 assinou um artigo com o historiador britânico Robert Lacey no jornal The Guardian, no qual afirmavam: "Pelo seu programa de reformas, o príncipe herdeiro merece elogios. Mas este jovem e impetuoso inovador não estimulou nem permitiu o menor debate na Arábia Saudita".
Jamal Khashoggi nasceu em 13 de outubro de 1958 na cidade de Medina, oeste da Arábia Saudita. Em 1982 formou-se em Administração da Universidade Estadual de Indiana, nos Estados Unidos. Trabalhou para jornais sauditas, entre ele Saudi Gazette e Asharq al Awsat, e cobriu o conflito no Afeganistão. O jornalista entrevistou Osama Bin Laden no Afeganistão e no Sudão, mas nos anos 1990 distanciou-se do líder da Al-Qaeda quando este passou a defender a violência contra o Ocidente.
Mais tarde ocupou cargos importantes em jornais sauditas. Considerado muito progressista, em 2003 viu-se obrigado a pedir demissão do cargo de chefe de redação do jornal saudita Al Watan depois de passar apenas 54 dias em funções.
Sobrinho do conhecido traficante de armas Adnan Khashoggi, Jamal pertencia a uma grande família saudita com origens remotas na Turquia.
Durante algum tempo Khashoggi estabeleceu uma relação ambígua com o regime saudita, pois ocupou a função de conselheiro em Riade e em Washington.
O príncipe Al Walid bin Talal escolheu o saudita para comandar o canal de notícias Alarab. Mas o projeto, que deveria ter sido inaugurado em 2015 no Bahrein, não foi concretizado após a proibição das autoridades de Manama, ligadas a Riade.
O próprio príncipe Al Walid foi detido entre novembro de 2017 e janeiro de 2018 no hotel Ritz-Carlton de Riade com dezenas de personalidades acusadas de "corrupção" por uma comissão presidida pelo príncipe herdeiro.
Em setembro de 2017, Jamal Khashoggi escreveu sobre a sua situação num artigo no Washington Post: "Quando falo de medo, de intimidação, de detenções, humilhações públicas de intelectuais e dirigentes religiosos, e que digo que sou da Arábia Saudita, vocês ficam surpresos?!".
Também criticava o envolvimento da Arábia Saudita na guerra do Iémen e o embargo imposto ao vizinho Qatar, acusado por Riade de apoiar a Irmandade Muçulmana e de proximidade com o Irão.
No seu último texto para o Washington Post, Jamal Khashoggi elogiou o Qatar numa comparação com os vizinhos que tentam "manter o controlo da informação para apoiar a antiga ordem árabe".
Jamal Khashoggi foi morto no consulado em Istambul, onde pretendia resolver os trâmites para o seu casamento com a turca Hatice Cengiz. A sua noiva disse que Khashoggi queria ser influente em Washington e "a voz dos colegas que não se podem expressar".
*MadreMedia com agências
[Notícia atualizada às 01h55 de dia 20 de outubro - Inclui declarações da agência estatal de notícias e reação dos Estados Unidos]
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