“Dry January” (Janeiro a seco) é o novo desafio imposto pelas redes sociais, que consiste na abstenção de consumo de álcool durante o primeiro mês do ano, e muitos dos utilizadores já adotaram esta tendência.
O que à partida se esperava ser uma mudança positiva, teve graves consequências para a indústria de produção de bebidas alcóolicas. “O ano passado foi terrível para a indústria” diz em comunicado de imprensa Marten Lodewijks, presidente da divisão americana da IWSR, uma fornecedora de dados global especializada em bebidas.
A principal questão é se estas alterações podem transformar o setor a longo prazo, nomeadamente no que diz respeito às preferências do consumidor e à adoção de hábitos de vida mais saudáveis. Em particular, põe-se em causa se existe uma maior sensibilização dos efeitos do consumo de álcool na saúde, ou se o comportamento de sobriedade é passageiro.
Isto, porque, aplicadas essas noções, o volume de bebidas consumidas entra em declínio. Neste momento, essa redução já se verifica, nos primeiros sete meses de 2024 os números de litros vendidos desceu em 2,8%.
A moderação é, assim, um fenómeno positivo para o consumidor, mas prejudicial para toda a empresa. A redução de consumo de álcool, ou a opção de compra de bebidas mais baratas, são verdadeiras “maleitas” para o setor.
A noite americana: que outros vícios substituem o álcool?
Com o tempo, os hábitos de bebida dos americanos tornaram-se “mais moderados”. No ano passado, Gallup, uma empresa de opinião dos Estados Unidos, divulgou que 45% dos americanos dizem consumir entre uma a duas bebidas por dia. Nos anos 2000, o número de pessoas que afirmava beber com moderação descia para metade e a consciência dos perigos para a saúde não eram um tópico de conversa quando o tema era a vida noturna.
Os maiores consumidores de álcool continuam a ser a população mais velha dos Estados Unidos. No entanto, há vinte anos, o número de jovens entre os 18 e os 34 anos que bebia álcool era maior, tendo agora diminuído 13 pontos percentuais.
De acordo com o estudo apresentado, hoje, a maior preocupação do país em relação aos hábitos aditivos não é o álcool, mas passou a ser o consumo normalizado de marijuana, “sendo os jovens os mais propensos a aderir”.
Da mesma forma, outras drogas, como o Ozempic, agora em alta, substituíram o consumo de álcool. Inclusive, no caso dos inibidores de apetite, a vontade de beber álcool “pode reduzir”. Segundo a IWSR, 12% das pessoas que deixaram de beber a mesma quantidade de álcool, afirmaram tomar esta medicação.
Em Portugal, de acordo com os dados recolhidos pelo Instituto para os Comportamentos Aditivos e as Dependências (ICAD) relativos a 2022, o consumo de álcool é cada vez maior
Entre 2017 e 2022 diminuiu a idade média de início dos consumos, aumentou o consumo recente e atual de álcool, a embriaguez severa, os consumos de risco elevado e a dependência, que quase quadruplicou em dez anos.
Registaram-se também o maior número em dez anos de óbitos por doenças atribuíveis ao álcool e o aumento das vítimas mortais de acidentes de viação sob a influência do álcool, atingindo já os níveis pré-pandémicos.
Em relação ao consumo de substâncias ilícitas, as três substâncias ilícitas com maiores prevalências de consumo recente em Portugal são a canábis, a cocaína e o ecstasy, ainda que os números se mantenham mais baixos do que os relativos ao álcool.
“Aos 18 anos, 80 a 85% dos jovens já experimentou uma bebida alcoólica, praticamente 50% já teve consumos esporádicos, de grandes quantidades. num curto espaço de tempo", o chamado 'binge drinking', ou seja, "4 bebidas para as mulheres em cada ocasião, 40 gramas de álcool puro ou 5/6 bebidas, para os homens, 60 gramas de álcool puro numa só ocasião. A embriaguez são já os efeitos do álcool o que significa que o consumo foi ainda superior", explica Manuel Cardoso do ICAD ao Expresso.
Quais as bebidas mais consumidas nos EUA?
As bebidas espirituosas mantiveram os números estáveis durante muito tempo, mas 2023 marcou o início da redução das vendas, “depois de 20 anos de constante crescimento, deixando a indústria em declínio”. Todas as empresas sofreram com estas alterações, inclusive as de referência, como é o caso da Remy Cointreau, que reportou um decréscimo de 23% no outono passado.
As únicas bebidas que se destacam entre as mais consumidas são a Tequila e o Canadian whisky, com principal destaque para as ‘ready-to-drink’, bebidas brancas enlatadas, “prontas a beber”.
De acordo com Nielson, outra empresa de análise de dados, os volumes de cerveja nos EUA caíram 2,9% e o vinho 4,4% no ano passado. A cerveja artesanal continua numa trajetória negativa que tem início nos anos 2000, ao mesmo tempo que o vinho se mantém estagnado desde 2018.
Marten Lodewijks lembra que “inicialmente, o declínio da indústria parecia ser um resultado do final da pandemia, período em que tanto as vendas de álcool e quantidade consumida subiu”. A partir do momento em que as pessoas voltaram para a rua, começaram a recusar pagar as taxas de bebida impostas pelos restaurantes, passando a optar por bebidas “muito mais baratas”.
O que muda com o regresso de Trump ?
As taxas previstas para o mandato de Donald Trump são a próxima ameaça da indústria de bebidas, começando pelo aumento dos preços do álcool importado e exportado dos EUA.
Marten Lodewijks acredita que o futuro vai depender “da reação dos consumidores: vão pagar os preços mais altos? Vão substituir a vodka europeia ou a tequila mexicana por cerveja e gins nacionais?”
As apostas vão para o whisky e a vodka nacionais. Daqui para a frente, as estratégias das empresas de bebidas podem passar por “investir nas bebidas não alcoólicas e de baixo teor alcoólico, que mesmo que ainda representem apenas uma fração das vendas de álcool, é possível que continuem a crescer, olhar para países com altas taxas de crescimento e vender menos litros a preços mais altos, principalmente oferecendo opções premium para destilados com preço acima de 50 dólares”, aponta.
Mais do que tudo, o sucesso futuro das empresas de álcool vai sempre depender do comportamento da geração Z face às novas dinâmicas de consumo incutidas pelas redes sociais. Será que deixar de beber nos Estados Unidos é uma escolha duradoura? Em relação a outras drogas, sabe-se que não é.
*Texto editado por Ana Maria Pimentel
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