Um relatório publicado pelo Observador Cetelem em agosto deste ano - em pleno período de aquisição de manuais - concluía que a iniciativa do Governo de oferecer os livros escolares para alunos da escola pública tinha "baixa adesão" por parte dos pais e encarregados de educação. No entanto, dados divulgados este mês pelo Ministério da Educação apontam para uma adesão superior a 90%. A disparidade tem sido questionada, assim como a amostra e metodologia do Observador Cetelem — até pela natureza da própria Cetelem, uma instituição de concessão de crédito com campanhas associadas à aquisição de livros escolares.
As conclusões deste relatório do Observador Cetelem, que publica regularmente estudos em diversas áreas de consumo, apontam no sentido de 97% dos pais "preferirem" adquirir livros novos. Já 8% dos pais admitem recorrer a livros em segunda mão, e 7% admitem pedir manuais emprestados a amigos ou familiares. Ainda segundo este relatório, apenas 8% dos pais "manifestam interesse" pelos livros “fornecidos pela instituição de ensino/ministério”.
A contrastar com estes resultados estão os dados apurados pelo Ministério da Educação relativamente à taxa de adesão à medida de entrega gratuita de manuais escolares, quer para o corrente ano letivo, quer para os anos letivos passados. Segundo declarações de fonte do ministério ao SAPO24, “desde que há gratuitidade de manuais [2016], mais de 90% das famílias escolheram exercer este direito”.
Números deste ano, divulgados a 12 de setembro, apontam para que mais de 520 mil alunos tenham "vouchers". No total foram atribuídos cerca de 3,5 milhões de “vouchers” - cada “voucher” corresponde a um livro, pelo que cada aluno pode requisitar mais do que um “voucher”.
Os alunos abrangidos pela medida no ano letivo 2018/19 são todos os estudantes do ensino público português do primeiro e segundo ciclo (do 1.º ao 6.º ano) –, a que é preciso juntar os alunos do 7.º ao 12.º ano das escolas de Lisboa, também abrangidas pela medida, por iniciativa da Câmara.
Controvérsia em torno do relatório do Observador Cetelem
Uma semana antes da publicação dos principais resultados do relatório “Regresso às aulas 2018”, do Observador Cetelem, na imprensa portuguesa, incluindo no SAPO24, via agência Lusa, Bárbara Reis escreveu, no Público, um artigo de opinião onde aponta as fragilidades da metodologia do estudo.
A jornalista considera que existem, em particular, problemas na formulação das perguntas e na dimensão, definição e características da amostra. Também a discrepância entre os resultados apresentados no estudo e as estatísticas divulgadas pelo Ministério da Educação merecem a crítica de Bárbara Reis.
Perante a controvérsia, o SAPO24 questionou o Observador Cetelem sobre a metodologia deste inquérito e respetivas conclusões.
No relatório em causa são abordadas várias dimensões do tema do regresso às aulas, tais como o momento e local de compra do material escolar, o valor gasto nas compras, o recurso ou não ao cartão de crédito, a existência de poupanças, o desempenho escolar dos filhos, entre outros. O objetivo “é fazer um retrato das intenções de consumo dos inquiridos”, diz a empresa.
Um dos capítulos do documento que mais questões levantam – pela comparação com a realidade, pela visibilidade que ganhou e pela ligação à área de negócio da Cetelem – refere-se à origem dos manuais escolares utilizados pelos alunos.
No questionário utilizado nos inquéritos, a que o SAPO24 teve acesso, a questão referente a este assunto está formulada da seguinte maneira: “Costuma comprar os livros novos, em segunda mão ou pede emprestado a amigos ou familiares?”. Ou seja, a pergunta feita aos inquiridos não inclui a hipótese “Livros fornecidos pela instituição de ensino/ministério”, embora a opção apareça depois nas respostas possíveis.
É possível, por isso, que tenha havido um menor número de inquiridos a responder “Livros fornecidos pela instituição de ensino/ministério” do que aqueles que na realidade recorrem aos livros oferecidos pelo Estado, podendo estar a haver uma sub-representação destes pais nos resultados.
Para além disso, a pergunta foi feita a todos os pais que têm filhos com cinco anos ou mais (209 inquiridos), sendo que a medida de gratuitidade de acesso a manuais escolares apenas tem abrangido uma parte destes, mais concretamente: os alunos do 1.º ano, em 2016/2017; os alunos do 1.º ao 4.º ano, em 2017/2018; e os alunos do 1.º ao 6.º ano, no ano letivo que agora começa.
O SAPO24 procurou apurar junto da Cetelem o número de inquiridos com filhos abrangidos pela medida, no entanto não foi “possível aferir” este dado “face à amostra e às questões colocadas”.
O estudo da Cetelem conclui, assim, que “cerca de 8% dos inquiridos manifesta interesse nessa alternativa [a opção de livros fornecidos pela instituição de ensino ou pelo Ministério da Educação]”, pelo que esta iniciativa “parece ter ainda uma baixa adesão”.
Estas conclusões contrastam claramente com os dados fornecidos pelo próprio Ministério da Educação relativamente à adesão aos “vouchers” para manuais escolares e, por outro lado, dá conta de uma manifestação de interesse quando a pergunta no questionário é formulada de forma a aferir hábitos de consumo.
A controvérsia relativa ao estudo do Observador Celetem prende-se igualmente pela natureza da própria Cetelem, uma instituição de concessão de crédito com campanhas associadas à aquisição de manuais escolares.
Efetivamente, a Cetelem confirmou que tem a decorrer uma campanha associada à Wook, livraria online, para o apoio ao crédito na compra de manuais escolares e, adicionalmente, a instituição desenvolveu, até 31 de agosto, uma campanha denominada. “Ganhe 5€ e descontos imediatos na compra de livros escolares na Wook”, apenas destinada a clientes Cetelem.
Quando questionada pelo SAPO24 acerca das críticas que lhe são feitas no artigo do Público, a Cetelem disse que “não comenta a opinião expressa pela jornalista” Bárbara Reis. Posteriormente inquirida sobre se iria comentar ou corrigir as conclusões do estudo face aos dados divulgados pelo Ministério da Educação, a empresa não respondeu até à data de publicação deste artigo.
A empresa acrescentou, ainda, que o Observador Cetelem, criado nos anos 80, “é uma publicação feita à margem das unidades e atividade de concessão de crédito do Cetelem – BNP Paribas Personal Finance” e que os estudos “são desenvolvidos por uma equipa multidisciplinar em parceria com algumas das melhores empresas de sondagens” e de estudos de mercado, tais como “a Nielsen (no caso português), a C-Ways, a TNS Sofres ou a Harris Interactive”.
O Observador Cetelem está presente em 24 países e faz estudos “sobre consumo e comércio mundial em setores tão distintos como distribuição, automóvel, entre outros”, adiantou a instituição.
Os dados apresentados neste relatório sobre manuais escolares resultam de um inquérito realizado pela empresa de estudos de mercado Nielsen para o Observador Cetelem. Foram inquiridos 600 indivíduos de ambos os sexos e com idades entre os 18 e os 65 anos, sendo a amostra representativa da população portuguesa.
Destes, 35% são pais com filhos com mais de cinco anos. Ou seja, apenas 209 inquiridos foram questionados acerca de comportamentos que envolvem atividades escolares.
A amostra total está estratificada por distrito, sexo, idade e níveis socioeconómicos e conta com um erro máximo associado de +/- 4.0 pontos percentuais para um intervalo de confiança de 95%.
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