Entre quarta-feira e domingo, o Teatro Carlos Alberto recebe a obra que cruza o universo do dramaturgo irlandês Samuel Beckett e a filmografia do cinema português, com os atores Pedro Diogo, Estevão Antunes, Mário Moutinho e Óscar Silva a interpretarem personagens edificadas por Ribeirinho, Vasco Santana, Reginaldo Duarte e Armando Machado, respetivamente.
“Há cenas nos filmes [de Ribeirinho] que são semelhantes à estrutura das cenas do Beckett”, começou por explicar Jorge Louraço Figueira, usando a peça “À Espera de Godot” para encontrar “semelhanças com a tradição do teatro cómico”, no qual Ribeirinho e Vasco Santana se inspiraram para fazer “O Pátio das Cantigas”, “A Canção de Lisboa” e “Pai Tirano”, os três filmes que serviram de inspiração para esta criação.
O desejo de unir o aspeto popular ao erudito do teatro surge porque “as pessoas tendem a separá-los”, o que lhe faz “confusão”, porque Ribeirinho provou “que esses dois universos podem e devem estar juntos e que essa divisão é artificial”.
“Foi um trabalho muito bom de fazer, prazeroso, porque íamos descobrindo pontes que tiravam o Beckett de uma posição de ‘vaca sagrada’ e o tornavam mais terra-a-terra, concreto e próximo de nós. Ao mesmo tempo o trabalho de Ribeirinho e de outros era considerado menor, era eliminado e não lhe era dado o devido valor, que eu acho que tem muito”, concluiu.
A ação passa-se em três dias de três anos diferentes (1959, 1969 e 1973), sendo que no primeiro ato, a trupe de atores tenta levar à cena a peça “À Espera de Godot”, assombrados pela ditadura e a censura que o país atravessava, personificada pelo ponto.
“Acompanhamos a relação tensa entre os atores e o ponto, que sussurra ao ouvido dos atores o que devem dizer. Tentei que fosse uma metáfora para o tempo presente, em que nos socorremos de alguns pontos que nos dizem o que devemos pensar, que seguimos e debitamos o que nos sussurram ao ouvido sem pensar”, clarificou, depois de ter reconhecido que há um paralelismo com os dias de hoje.
Samuel Beckett esteve em Cascais em 1969, numa altura em que o grupo estava a montar o mesmo espetáculo pela segunda vez, mantendo-se, até aos dias de hoje, o enigma de o dramaturgo saber que a sua encenação estava a ser representada por portugueses, o que levou Jorge Louraço Figueira a criar um “universo paralelo”.
“Deu para imaginar este universo paralelo em que o Beckett teria assistido a esse ensaio, os atores nervosos, uns a querer que ele estivesse presente, outros não. A partir daí criou-se a oportunidade para uma fantasia do que teria acontecido. Essa fantasia deu-me vontade de ver isso posto em cena”, disse.
O encenador vincou que o espetáculo por vezes “vai para lugares mais dentro do sonho, surrealistas”, e que foi “construído em cima da dinâmica dos atores”, que formam um “mecanismo de relógio a funcionar”, algo que diz ser “muito próximo do que Beckett queria: a força do palco por si só”.
Sobre a homenagem a Ribeirinho, Jorge Louraço Figueira explicou que está presente não pela reprodução da vida privada, mas os aspetos artísticos do ator, realizador e encenador.
“Todas as considerações à volta destas montagens e o trabalho de personagem que ele fez, ficou registado em filme e gravado na memória das pessoas que os viram. A nossa apropriação do trabalho das personagens como Rufino Fino (de ‘Pátio das Cantigas’), ou Chico Mega (de ‘Pai Tirano’), é a melhor homenagem que se poderia fazer ao ator que ele era”, sublinhou.
Depois de se ter estreado em Lisboa, em 2017, e de passagens por Viana do Castelo e Matosinhos, a peça “À Espera de Becket ou Quaquaquaqua” segue depois para Almada, Vila Real e Aveiro.
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