Situado na Rua António Maria Cardoso, a escassos metros do edifício que foi a sede da Polícia Internacional e de Defesa do Estado (PIDE) – a polícia política da ditadura – o Teatro S. Luiz é palco de um percurso que evoca a sua história, mas também a história da cidade e de modos de vida ao longo de décadas.
A resistência dos agentes da PIDE, quando a ditadura já caíra na rua, o peso da censura e o afastamento de Maria Barroso dos palcos são histórias que “Ocupação” evoca, no percurso imaginado pela atriz, encenadora e diretora artística do Teatro do Vestido, para as diferentes zonas do Teatro S. Luiz, que a peça “ocupa” e através das quais vagueia.
“Ocupação” resulta do convite que a diretora artística do S. Luiz, Aida Tavares, endereçou a Joana Craveiro, para que concebesse um trabalho alusivo ao 125.º aniversário do Teatro, que se assinala no próximo dia 22 de maio.
Com a proximidade à antiga sede da PIDE, não é de estranhar, que “Ocupação” contenha cenas que remetem para o regime do Estado Novo, em que o edifício funcionou, sobretudo, como cinema.
Joana Craveiro não deixa esquecer episódios como os que ocorreram em 25 de Abril de 1974, quando manifestantes se concentraram naquela rua e a PIDE – rebatizada desde 1968-1969 de Direção-Geral de Segurança (DGS) – abriu fogo sobre a multidão concentrada no local. O incidente que acabaria por resultar em quatro mortos e dezenas de feridos, com o teatro a acolher muitos dos manifestantes que procuravam refúgio.
Outra presença evocada, nesta “Ocupação” é a última atuação em palco de Maria Barroso, em 1966. Foi no S. Luiz, com o monólogo “A voz humana”, de Jean Cocteau, numa encenação de Fernando Gusmão, depois de ter recitado poemas de Carlos de Oliveira, Mário Dionísio, João Cochofel, Manuel da Fonseca e de Nicolàs Guillén – contra o racismo na América -, culminando na “Ode à Liberdade”, de Jaime Cortesão.
Foi esse espetáculo, proibido pelo então Secretariado Nacional de Informação, mas com uma representação viabilizada pelos empresários, que a PIDE interrompeu com violência, e que acabou por ditar o fim da carreira profissional da atriz Maria Barroso, dezassete anos depois de o regime de Salazar já a ter afastado do teatro, após a interpretação de “A Casa de Berarda Alba”, de García Lorca.
Poucos anos depois, já no início da década de 1970 – em 1972, 1973 -, ainda durante a ditadura, tinha o S. Luiz um grupo de teatro em formação. Preparava “A mãe”, de Vitkovic, uma dramaturgia nunca estreada devido à Censura, e que acabou por ditar o fim da companhia que mal começara.
O assassínio e funeral de José Ribeiro dos Santos, então estudante do antigo Instituto Superior de Ciências Económicas e Financeiras (atual ISEG), às mãos da PIDE, em 1972, são outros episódios recordados em “Ocupação”.
O papel da rádio no combate à ditadura e o frenesi que esta assumiu no pós-25 de Abril de 1974 estão também presentes no espetáculo, que inclui mesmo uma cabine de rádio improvisada.
“Ocupação” recorda ainda o S. Luiz como primeiro palco dos espetáculos de canto livre, após a Revolução dos Cravos.
Na senda do trabalho do Teatro do Vestido, “Ocupação” acaba por recuperar sobretudo a memória da cidade, e algumas histórias “interessantes e inéditas”, mesmo em relação ao 25 de Abril de 1974, disse Joana Craveiro.
Muitas pessoas pensaram aliás ser este o desafio, indicou a encenadora, que recorda a carga ainda hoje presente da morada do teatro – “que é também o nome de rua” da PIDE, como se ouve dizer a determinada altura da peça.
“Quando digo, por exemplo, a um taxista de mais idade, ‘leve-me à Rua António Maria Cardoso, ao Teatro S. Luiz’, ainda tem um impacto incalculável”, enfatizou Joana Craveiro, em função à memória da própria rua.
Com direção, conceção e texto de Joana Craveiro, “Ocupação” tem interpretação de Alexandra Freudhental, Ana Lúcia Palminha, Carlos Fernades, Carlos Nery, Daniel Moutinho, Elisabete Rito, Estêvão Rosado, Francisco Madureira, Gustavo Vicente, Inês Minor, Inês Rosado, João Ferreira, João Silvestre, Lavínia Moreira, Mafalda Pereira, Maria Emília Castanheira, Maria João Baião, Rosinda Costa, Simon Frankel, Tânia Guerreiro, Tozé Satos, Vera Bibi e Violeta d´Ambrósio.
A assistência de encenação é de Daniel Moutinho e João Ferreira, que também apoiaram a investigação.
A peça, com uma duração de cerca de três horas, vai estar em cena até 30 de abril, com sessões às 21:00. No domingo, dia 28, após o espetáculo, haverá uma conversa com os artistas.
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