
Em entrevista à agência Lusa, Miguel Pauseiro, que completou na semana passada um mês no cargo de presidente da Associação Portuguesa de Editores e Livreiros (APEL), destacou que o seu mandato iria ser marcado por um trabalho de continuidade da anterior equipa, embora com “algumas alterações”.
Miguel Pauseiro era o vice-presidente da associação, liderada por Pedro Sobral, que morreu em dezembro do ano passado, vitima de atropelamento.
O presidente da APEL começou por destacar o crescimento do mercado livreiro em Portugal, com a categoria de ficção e fantasia a registar um aumento de 15% em 2024, mas apesar do otimismo, mostrou-se cauteloso, alertando para a necessidade de inovação contínua na indústria do livro.
“Há muito caminho para fazer, há muitas coisas que nos preocupam, que precisamos de consolidar, mas também há muitas oportunidades. Em Portugal ainda se lê pouco e eu diria que este é o raciocínio base a partir do qual nós temos que continuar a trabalhar”, afirmou.
Por isso, apontou como “foco essencial a inovação para atrair novos públicos e fidelizar leitores”.
O desafio está em como alcançar esse objetivo, aproveitando tendências como o aumento do interesse dos jovens pela leitura, seja por meio de redes sociais, clubes de leitura ou eventos literários.
Entre as prioridades do seu mandato, destacou a continuidade da colaboração entre editores e livreiros, promovendo um espaço de diálogo e consenso, a adesão ao cheque-livro e a importância de proteger a economia local do livro físico face ao crescimento dos formatos digitais.
Segundo o responsável, a medida do cheque-livro ficou aquém das expectativas, com apenas cerca de 40 mil emitidos, em fevereiro, quando o potencial era de 210 mil a 220 mil.
Além disso, apenas 26 mil foram efetivamente resgatados, pelo que “há cerca de 14 mil que estão emitidos”, que estarão “na mão dos jovens, mas ainda não houve aquele movimento de interesse efetivo” de ir trocar por um livro.
Segundo Miguel Pauseiro, a APEL está a trabalhar de perto com o Ministério da Cultura e a Direção-Geral do Livro dos Arquivos e das Bibliotecas (DGLAB) para diagnosticar os problemas e encontrar soluções para acelerar a sua execução.
“As soluções foram identificadas, estou certo que, em conjunto, vamos conseguir acelerar a sua implementação naquilo que for possível ainda fazer nesta primeira edição”.
Uma das coisas que não será possível fazer já nesta edição, mas que o responsável identifica como um dos entraves ao sucesso do programa, é alterar o valor do cheque-livro, que está nos 20 euros, “muito longe” daquilo que a APEL preconizou.
“Nós propusemos 100 euros porque nos parecia um valor compaginável com o objetivo de criar leitores. E não se criam leitores com a compra de um livro, criam-se leitores com uma regularidade do hábito da leitura e, portanto, isso pressupõe mais do que uma compra”, defendeu.
Apesar disso, considera fundamental promover a adesão à medida e reforçar a comunicação para que mais jovens aproveitem a oportunidade.
Observa-se uma forte correlação entre o resgate do cheque-livro e comunidades de estudantes universitários, pelo que as estratégias de comunicação têm de ser ajustadas para estimular a adesão, aproveitando datas especiais, como o Dia dos Namorados, exemplificou.
Também foram identificadas dificuldades operacionais, que “têm de ser revistas”, como a exigência da chave móvel digital, que pode ser um entrave para alguns utilizadores.
“Pode ser um pouco moroso no sentido em que ativar a chave móvel digital não é imediato, pode demorar uns dias, mas também me parece que não é isso que possa ser verdadeiramente desincentivador. São algumas arestas que têm de ser limadas, para além do desenvolvimento tecnológico”.
Na perspetiva dos livreiros, que “têm interagido com a APEL”, de facto, “é necessário agilizar a operação, garantindo todos os níveis de verificação e de auditoria sobre o programa”.
“Mas agilizar de modo a que, por exemplo, uma transação que ocorre num terminal de um retalhista aderente, ato contínuo, seja transposto para a plataforma cheque-livro, sem necessidade de haver aqui intervenção manual, que muitas vezes até conduz a erros”.
Miguel Pauseiro acredita, portanto, nos benefícios da medida a longo prazo, com os devidos ajustes e otimização.
Quanto à BiblioLED (plataforma de empréstimo de livros digitais e audiolivros), o responsável da APEL mantém as suas preocupações em relação aos direitos autorais e à economia do livro físico, especialmente no que diz respeito ao impacto nas livrarias locais e na definição territorial do acesso aos livros digitais.
Este é um ponto “não de somenos importância, que tem a ver objetivamente com os direitos de autor, que é a salvaguarda de que a partir desta plataforma não circulem cópias digitais, cópias dos livros que estão na plataforma”.
Outra questão que o preocupa tem a ver com a própria definição territorial, na medida em que, ao contrário daquilo que acontece com o livro físico numa biblioteca, na BiblioLED a “economia local do livro é claramente prejudicada”.
“Este exercício de buscar o livro, ter o livro físico por uns dias e retorná-lo à biblioteca, biblioteca essa, que compra localmente, à livraria local, ao retalhista local, o livro. Não me estou a referir apenas a Lisboa, posso referir-me à Figueira da Foz, ou Freixo de Espada à Cinta, ou Trancoso, o que for. A economia local do livro é claramente prejudicada É verdade que pode haver uma compensação do equilíbrio entre a componente digital e o livro físico, adquirido pela biblioteca, mas isso não está garantido”, afirmou.
Miguel Pauseiro salvaguardou, contudo, que estas preocupações não significam que a APEL esteja contra os novos formatos, até porque reconhece que são necessários para alcançar novos públicos.
A APEL continuará a organizar eventos como a Feira do Livro de Lisboa e a Festa do Livro de Belém, mas também o Book 2.0, reforçando a sua relevância como espaço de debate sobre desafios e oportunidades para o setor do livro, indicou.
O presidente da associação revelou estar a considerar expandir o Book 2.0 para fora de Portugal, com um crescente reconhecimento internacional, o que demonstra o impacto positivo do evento no cenário global.
“Estamos a ser desafiados por congéneres nossos e estamos a avaliar essa possibilidade”, contou, acrescentando: “Uma das coisas que mais me surpreendeu, quer na primeira edição, quer na segunda edição, tendo nós trazido convidados das mais variadíssimas partes do mundo, foi ter pessoas que convidámos dos Estados Unidos, da Holanda, da Noruega, dizer-nos ‘é incrível o que vocês fazem aqui, isto não tem sido possível fazer nos nossos países, nós precisamos disto’”.
*Por Ana Leiria, da agência Lusa
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