Numa nota publicada na terça-feira, no blogue da livraria, Jaime Bulhosa escreve que “chegou a hora de a livraria Pó dos Livros ‘celebrar o dia da liquidação total’”, pois “no dia 31 de Março de 2018, mais esta livraria passará a ser uma mera recordação, um pedaço de pó na memória de poucos”.
Sobre as razões que levam a este fecho, o responsável afirma que escreverá mais tarde, como fará “os devidos agradecimentos” a quem sempre apoiou o projeto, “porque percebe qual importância da existência de uma rede de livrarias independentes em todas as nossas vilas e cidades”.
No blogue da Pó dos Livros, Jaime Bulhosa admite que já previa este fim, pelo menos desde março de 2011, altura em que escreveu um texto, que agora recorda, sobre como "um abutre" planava sobre a livraria, desde que esta abriu portas, em setembro de 2007.
“Nunca passava para cá da linha da porta. No entanto, rondava de perto, dava uma bicada, ou duas, nos nossos pés e ficava inquieto à espera que chegasse a hora fatal, grasnando num som surdo, como só os abutres sabem fazer: ‘Quando é que chega o dia da liquidação total? Mais cedo ou mais tarde, todas as livrarias irão fechar’”.
Nesse mesmo texto, o responsável da livraria lembra como tentaram “enxotar para longe” o abutre e como ele “voltava sempre”, olhando “de viés” e procurando “aromas de moribundo”.
“Contudo, ainda não tinha chegado a nossa hora e voou com notícias de defunto, vindas de outras paragens”.
A situação agravou-se nos anos seguintes, como escreve nesse texto, que recorda como o abutre regressou “acompanhado com mais amigos, urubus, corvos e outros necrófagos”, todos “vestidos a rigor de plumas negras reluzentes, entoando já a marcha fúnebre de Chopin” e repetindo a sentença: “Quando é que chega o dia da liquidação total? Mais cedo ou mais tarde, todas as livrarias irão fechar”.
Mas mais uma vez, ainda não tinha chegado a hora e, nesse março de 2011, as aves foram-se embora.
Sete anos depois, Jaime Bulhosa não volta a falar do abutre, nem das outras aves necrófagas, mas reconhece ter chegado a hora de “celebrar o dia da liquidação total”.
Desde a fundação, a livraria gerida por Jaime Bulhosa e Isabel Nogueira foi distinguida como Melhor Livraria Independente, pela Revista Ler e a Booktailors, recebeu o prémio de Melhor Blogue de Livraria ou Editora da Blibie, e foi eleita a segunda Livraria Preferida de Lisboa, na votação promovida pela Associação Portuguesa de Editores e Livreiros, com as Bibliotecas Municipais de Lisboa, em 2013.
No seu blogue, a Pó dos Livros define-se como "uma livraria de bairro, independente, alternativa, com livreiros experientes".
Situada, originalmente, na avenida Marquês de Tomar, transferiu-se, mais tarde, para a atual localização, no n.º 58A da avenida Duque de Ávila, na esquina com a Conde de Valbom.
Num local e no outro, Jaime Bulhosa procurou criar um ambiente próximo das "antigas e tradicionais livrarias de Londres, com estantes altas, negras, de madeira trabalhada, e com as paredes coloridas", dirigindo-se a "um público diferenciado do das livrarias de grande superfície, clientes mais exigentes, mais seletivos".
"Oferecemos um largo conjunto de livros, que passa pelas novidades editoriais dos autores mais valorizados, pelo fundo de catálogo, livros raros e usados, pelos clássicos da literatura que, cada vez mais, são difíceis de encontrar nas livrarias de centro comercial. Tentamos dar o máximo de visibilidade aos catálogos das pequenas editoras, a edições de autor e a textos esquecidos", lê-se no blogue da loja.
"Privilegiamos, sem nenhum pudor (...), as editoras e chancelas de qualidade", escreve Jaime Bulhosa, destacando a exigência na seleção dos livros infantis e juvenis, por ser "quase sempre nestas faixas etárias que se ganha o apetite, ou não, pela leitura", e a disponibilidade para "satisfazer aqueles pedidos que ninguém quer aceitar, porque dão muito trabalho e pouco retorno financeiro", que impõem "périplos pelos alfarrabistas, feiras de usados (...), em busca de um só livro que há muito se encontra esgotado".
O nome da livraria tem origem numa passagem de "A Sombra do Vento", de Carlos Ruis Zafón, sobre "um cemitério de livros esquecidos", cheios de pó, que recordou a Jaime Bulhosa uma história passada com seu pai, em que este lhe explicou que os livros com pó são os mais importantes, por serem aqueles que "resistiram ao tempo".
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