"Uma literatura nasce com uma elite. Literatura é um fenómeno de elite, portanto, quando se dão as independências, já se podia falar de literatura angolana, literatura moçambicana, literatura cabo-verdiana e literatura de São Tomé", diz à Lusa a professora da Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa, na área de Literaturas, Artes e Culturas, acrescentando que "o poder, os críticos, não falavam disso, porque isto era admitir a existência de uma entidade política que, obviamente, não era, eram colónias".

Na literatura de Angola, Moçambique, Cabo Verde e São Tomé e Príncipe, na altura das independências - meados da década de 1970, embora com raízes no século XIX - os principais temas prevalecentes eram de natureza socioeconómica e cultural, como imigração, o contrato, a discriminação do forro, a monocultura, entre outros, com um forte nacionalismo literário presente em muitos autores, embora nem todos.

Alguns poetas como Mário António e Alda Lara em Angola faziam uma "literatura do canto à terra, do canto ao quotidiano, mas não uma literatura reivindicativa". Já em São Tomé e Príncipe, Francisco José Tenreiro criava uma "literatura insular, mas não uma literatura nacionalista", sendo esta "ideologia maniqueísta".

Inocência Mata considera que o período inicial após as independências é marcado pela "sloganização e panfletização da escrita", em que "houve muito pouca coisa nova".

"Nos primeiros 10 anos, ou os escritores publicavam o que já estava escrito, ou os novos escritores começavam a imitar a geração anterior", sublinha a professora, considerando que "só a partir da segunda década dos anos 80 é que começaram a surgir coisas novas".

Para a escritora, a literatura deste período representava "uma estética de questionamento das ideias", que criticava tanto o colonial quanto o anticolonial.

Entre os grandes escritores pós-coloniais, enumera por exemplo Chinua Achebe, da Nigéria, Ngũgĩ wa Thiong'o, do Quénia, e Pepetela, de Angola, que escreveu o romance "Mayombe", "obra que contestava a ideologia nacionalista".

Segundo a escritora, é a partir dos anos 80 que a literatura "começa a contestar os lugares cativos do cânone da tradição literária, como por exemplo, o lugar da mulher".

A literatura pós-colonial trouxe temas antes ausentes, como a condição feminina sob uma perspetiva interna das relações de poder, sendo "uma literatura que questiona os lugares significativos da mulher na sociedade, na literatura e na cabeça das pessoas".

Inocência Mata exemplifica com as escritoras angolana Ana Paula Tavares, que, em 1985, apresentou uma figura feminina que "reivindicava o direito ao seu corpo e à sua sexualidade", sendo o seu livro "Ritos de Passagem" criticado por senhoras que achavam que "o livro só fala de sexo", e moçambicana Paulina Chiziane, que publicou, nos anos 90, a "Balada de Amor ao Vento", obra com uma "grande crítica aos casamentos arranjados".

De acordo com a investigadora do Centro de Estudos Comparatistas (CEC), os poemas, após o 25 de Abril em Portugal, "foram muito importantes para a mobilização", sendo musicados e cantados, pois "as pessoas, a cantar, fixavam os poemas" e o "nível de analfabetismo era terrível", tanto nos países africanos, como em Portugal.

"Naquela roça grande não tem chuva/ é o suor do meu rosto que rega as plantações", canta Inocência Mata, para lembrar como antigamente a literatura não chegava a toda a gente, considerando que atualmente também não chega, apenas a minorias mais atentas.

Questionada sobre o papel da literatura na transmissão da memória da luta pela independência às novas gerações, Inocência Mata crê ser crucial que "os manuais têm de incluir a obra desses escritores" para que entendam o legado colonial, que "não lhes diz absolutamente nada" de imediato.

A escritora são-tomense diz ser necessário um estudo crítico não só da literatura africana, mas também da literatura portuguesa, além da história, para os jovens perceberem as profundezas das experiências e resistências, como a obra da são-tomense Alda do Espírito Santo e os contos do angolano Luandino Vieira.

A literatura, mesmo lida inicialmente por uma "elite muito culta", acaba por "exponenciar e moldar a consciência e a opinião pública", considera.

*Por Sandra Moutinho e Diogo Pinto / Agência Lusa