Expliquem-me, por favor, onde param os intelectuais deste país, qual o seu posicionamento perante a situação desgraçada em que nos encontramos.
Lamentava-se numa roda de amigos, um jovem com ar de professor, carregado de livros entalados no sovaco direito, mostrando que fazia da democracia e da sociedade civil organizada o seu cavalo de batalha. Dispunha-se a enfrentar os seus adversários políticos quando fosse oportuno e necessário. Os verdadeiros intelectuais circulavam num meio onde o seu conceito era discutido restritamente em festivais de dúvidas sobre as ideologias e acerca de quem era ou não cerebral. Davam a sensação de terem desaparecido, pois raramente se mostravam. Os de sólida formação não desperdiçavam o seu tempo, e no meio dos restantes contavam-se alguns que haviam desertado, enquanto outros se tinham reformado voluntariamente. Entretanto, começou a desenvolver-se uma luta pelo destaque na imprensa, nas rádios e televisões, em que, sem o serem, se intitulavam como tais.
Diariamente mostrava-se o que se dizia da democracia no país, mas falava-se do assunto sem grande entusiasmo, com pouca seriedade e muito aproveitamento. Interiorizava-se claramente na população a ideia suicida de que o futuro não dependia da vontade do eleitor, mas sim dos camaradas que podiam ser eleitos. A maioria dos bárbaros, nomeadamente a sua juventude e principalmente aquela que estava bem engajada na milícia da ambição, qualquer que fosse o campo ou o ramo da sua actividade, professava a fé de que o indivíduo vencedor era aquele com instinto vivo, o chamado «tipo esperto». Era por causa disso que se verificava a adesão ao grande partido e aos outros que tentavam ser forte oposição, de muitos jovens sofrivelmente licenciados, todos eles a sonhar com um lugar ao sol no campo da política, tendo em mira bons cargos e, consequentemente, a possibilidade da aquisição de conhecimentos e dinheiro suficiente para levar uma boa vida. Um futuro promissor que, normalmente, contemplava casa, carro, mulheres e viagens. Não se incomodavam que a sociedade os visse apenas como oportunistas. Declaradamente mostravam que o que eles mais pretendiam era servirem-se a si próprios, nunca servindo a população.
Foi nessa onda de pensamento, com uma visão distorcida da doutrina do bem, que surgiram, misturados com os políticos e agindo como tal, os militares de alta patente, os médios e grandes empresários, os donos e accionistas de companhias de seguros, as figuras preponderantes que dominavam o ramo dos petróleos e seus acólitos, além dos bancários e banqueiros milionários. Também os grandes fazendeiros com enormes propriedades a fazer lembrar os latifúndios de outros tempos. Todos eles tinham uma marca comum. O vínculo forte e antigo ao partido-mor que abria portas à situação, decretando ser desnecessário saber-se como e de que forma tinham conseguido tanto em tão pouco tempo!
Ninguém investigava a origem dos fundos que permitiam a entrada no mundo singular da riqueza milionária nem eles se davam ao trabalho de explicar como haviam penetrado nos meandros da acumulação do dito dinheiro forte. Grandes esquemas com nítida cumplicidade do sector bancário permitiram a ilegalidade a empresas públicas, mistas e privadas, em várias áreas de actuação, todas aparentemente fortes e lucrativas, das quais não chegavam à população os seus balanços e inventários, nem simples relatórios. Sobressaía dessa riqueza acumulada por uma ínfima percentagem de cidadãos, a vergonha da miséria popular em exposição diária para todos apreciarem. Desenhava-se, para mais cedo ou mais tarde, o desmascaramento do estranho socialismo democrático, provavelmente único em África e no mundo, na sua fachada desajeitada, mas permanentemente embandeirado pelos defensores dessa incomparável linha política. Justificava-se, assim, a cena que acima se descrevia, passada entre a cambista de rua e o proeminente cliente.
Precisamos de dólares suficientes para fechar um bom negócio. Tem que dar para guardar algum lá fora. Vou levar a questão ao PCA. Ele vai conseguir o dinheiro para a operação.
O cliente falava assim com a sua consciência. A sua atitude era comum à grande maioria dos responsáveis que movimentavam as finanças da função pública, expunham assim a figura inconfundível do chefe da área financeira de uma empresa estatal, o secretário-geral ou cargo correlativo de um ministério. Não escapavam ao sortilégio os negociantes de conta própria, sem patrão a quem prestar contas. Ficava identificada, no primeiro caso, a pessoa que lidava com dinheiro público, certificava-se à distância que o manuseava sem fiscalização, não se mostrando, por tal facto, impressionado com os contornos da conversa que ia mantendo com a profissional do câmbio da rua, na qual ambos se perdiam em inúmeras contas no telemóvel para influenciar e apressar uma possível tomada de posição da chefia, em linha.
Dissipavam-se dúvidas sobre o carácter do cidadão bárbaro puro, sonhador por natureza, ao observarmos o indivíduo no melhor da sua postura impostora. Subestimava o perigo em que se envolvia, no tipo de negócio que estava ali a realizar, um acto pouco transparente e carimbado com o selo sujo da fraude. Com naturalidade, concentrava o pensamento nas comissões, indispensáveis nesse tráfico e que eram impostas levianamente aos parceiros, sem qualquer cuidado ou critério. Não se incomodavam com as dívidas que poderiam vir a assumir, porque o país era poderoso. Eram estas práticas inaceitáveis que funcionavam numa sociedade que se pretendia séria e organizada, mas que tinha muita dificuldade de chegar a esse desejado patamar.
Quanto ao grande partido, entidade responsável pelo andamento da vida do país, tornou-se uma instituição antiga e corrompida, segundo a voz popular, muito mal dirigida, não sou eu que o digo. Essas afirmações faziam crer que perdera bastante do enorme apoio popular que já tivera em todo o país, principalmente na Cidade Capital. Notavam-se as deficiências na precária comunicação que difundia, na atitude dos funcionários medíocres a comandar as suas estruturas, onde um número elevado de pessoas impreparadas mostrava não ter pejo em passar por cima de tudo. Não se importavam de pisarem com os seus pés pesados, flores, pessoas ou todas as ideias lúcidas, trucidando assim, inconscientemente, a república. Algumas chefias levavam ao auge as suas preocupações pessoais, agindo como meros cobradores de impostos. Muitos até iam à missa, oravam e deixavam o seu dízimo, aliviavam o espírito quando ouviam o pastor dizer, «estás perdoado».
Diz-se agora à boca cheia que o antigo presidente, que foi uma espécie de soba grande, rei absoluto, um homem bonito e elegante, que se bateu com estoicismo tanto na defesa da integridade do território como no do princípio da criação de uma forte burguesia nacional, dizia para os seus acólitos, sempre que achasse oportuno, em privado ou em reunião alargada, sempre em fala mansa e codificada, imitando famosos líderes africanos do passado,
Os camaradas têm à disposição soberanas oportunidades para organizarem as vossas vidas. Nada de roubos, sejam inteligentes no manuseio de recursos. Eu ajudo quem cumpre.
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