Às terças podemos ouvi-lo com "Pão para Malucos", na Antena 3, e lê-lo aqui, em formato de crónica. Foi um dos fundadores do grupo Bumerangue, que muitos antecipavam como 'os novos Gato Fedorento', e é para Ricardo Araújo Pereira que escreve agora, semanalmente, em "Gente Que Não Sabe Estar". Manuel Cardoso faz parte de uma nova geração do humor em Portugal que a Internet pós-blogspot ajudou a crescer.
Este sábado estreia em Lisboa, Teatro Tivoli BBVA, "Farsa", o seu novo solo. "Mais pessoal", começou por dizer, em conversa, quando lhe perguntámos sobre o que se propunha. "Fala sobre a entrada na vida adulta e sobre a conversão das expectativas que foram criadas nos anos que a antecede", explicou.
Não são dores de crescimento, não é uma crise de um quarto-de-idade (existe?), mas é, sim, uma "saturação com a performance constante em que temos de estar para parecer que vivemos uma vida cheia, repleta de bons momentos".
Fazer das grandes ansiedades e grandes inseguranças uma piada
Manuel Cardoso dará voz, em "Farsa", às "grandes ansiedades e grandes inseguranças que parece que as pessoas não querem falar".
Mas engane-se quem, a partir desta premissa, retire que este é um espetáculo de e para uma geração — a sua. "Às vezes pensamos que determinadas batalhas e determinadas ansiedades são exclusivas de uma geração, mas se calhar são lutas que todas tiveram".
Por isso, diz não ser este "um espetáculo encriptado". "O objetivo não é entregar uma tese sociológica sobre como as pessoas se sentem ansiosas e como questionam o seu percurso nesta idade. São piadas. Quero que as pessoas se riam da forma como desmonto as minhas preocupações".
A vontade de escrever sobre estes temas foi algo que foi surgindo com o tempo, ao longo do último ano e meio, sobretudo depois de "enterrar" o seu primeiro solo (2016). Não houve um conceito inicial, mas sim ideias que foram sendo amadurecidas, associadas a um certo "desencanto por crescer". Este espetáculo "é um bocado uma ida ao psicólogo onde eu é que sou pago", brinca.
Esclarece, no entanto, que não se sente "realmente triste com a vida adulta" e que esta é, apenas, "uma visão das coisas". A palavra-chave é: "expectativa". "Farsa" aborda "a diferença em relação à percepção de uma criança sobre o que é que vai ser a vida adulta" e a vida adulta como ela é.
"É mais uma perspetiva do que propriamente uma queixa. E é uma comparação de expectativas. Não é que a geração dos nossos pais tenha tido a vida facilitada. Mas os anos 90, no pico da era do consumo, venderam muito a ideia de felicidade com o casar, constituir família, ter um emprego estável... Isso criou expectativas e as [agora] condições são outras".
O humorista diz fazer parte de uma geração de "adolescentes da crise". "Começámos a perceber, nessa altura, que o otimismo que os nossos pais foram criando era um grande engano. Houve um excesso de proteção da parte deles. Aquela ideia de que não há perdedores, do fim da história, que a partir desse momento era sempre a melhorar, de que o pior já tinha passado. Fomos educados de forma genericamente mimada e com a ideia de que todos os sonhos se podem concretizar. Que basta trabalhar para atingir o sucesso, que não há fatores externos. Foi um engodo. Hoje é muito difícil fazer o que se gosta e ter um trabalho altamente remunerado. A maior parte de nós não foi avisada de que ia ser tão difícil".
"Farsa" é, também, "uma catarse do próprio autor". E pode ser de quem está a ouvir, garante. "Pode funcionar como um escape ao abordar o elefante dentro da sala. Muitas das coisas de que falo são experiências pelas quais passei e onde vi alguma incoerência ou algum obstáculo. As pessoas podem encontrar aí um ponto em comum e rirem-se. Não é uma tragicomédia".
Parte de uma geração que faz uso das redes sociais, Manuel Cardoso não esquece o tema em "Farsa". Sobre elas diz que "democratizaram a comédia". "Hoje qualquer pessoa pode pegar numa câmara, fazer piadas, e, paulatinamente, ir ganhando destaque". Diz que se não fossem as redes sociais não estaria, hoje, a fazer este solo; razão pela qual assume não querer mostrar ingratidão. "Acho que devemos olhar de uma forma crítica e tentar utilizar as redes sociais como um veículo e não como uma obrigação de estar a produzir conteúdo todos os dias". Porque "um comediante não deve ser um diretor de marketing", defende.
"A constante obsessão por não alienar nenhum público, falar sempre para todos, acaba por conspurcar um bocado aquilo que deve ser a realidade do stand-up. O algoritmo torna as coisas previsíveis, o contrário do que a comédia exige. As redes sociais são uma excelente ferramenta de divulgação do trabalho, mas se não nos cingirmos a trabalhar dentro das regras que ela nos impõe".
Há limites no humor? "O problema está na formulação da pergunta"
Esta é chamada questão para um milhão de euros. E já não há entrevista a um humorista que não a aborde. Para Manuel Cardoso esta não é a forma correta de a abordar. A formulação mais adequada, diz, é: 'será que ainda há capacidade para interpretar contextos?'. Porque isto não tem só a ver com o humor, é algo que é transversal. Hoje as pessoas interpretam as palavras "isolando-as de contexto", argumenta. "Não há limites para o humor. O humor não é uma agressão a alguém, é um trabalho linguístico, com as expectativas e menos uma atitude política. Noutras linguagens também se tem procurado evitar falar sobre o contexto e crucificado as pessoas nivelando as palavras que dizem".
Com estreia este sábado em Lisboa, no Teatro Tivoli BBVA, "Farsa" percorrerá nas semanas seguintes outras salas do país. Depois da data na capital, segue-se Aveiro (Avenida Café-Concerto), a 28 de fevereiro, Coimbra (Auditório IPDJ), a 4 de abril e Porto (Hard Club), no dia seguinte.
Comentários