Reféns mal-nutridos, um Estado "à venda" e a violação do cessar-fogo. Hoje, em Gaza, foi assim

Ana Filipa Paz
Ana Filipa Paz

No dia em que Paulo Rangel, ministro dos Negócios Estrangeiros, fala a partir de Israel, a guerra em Gaza dá três passos atrás e volta a pôr em causa o acordo de cessar-fogo. Depois das declarações de Donald Trump, um caminho que parecia estar a ser feito pela paz, voltou a ser desviado pelo ódio e descriminação e, como resposta, o Hamas quebrou o acordo.

Passados 15 meses, a guerra entre Israel e o Hamas parecia estar mais próxima do fim. O acordo divulgado no dia 19 de janeiro estabelecia a troca de reféns israelitas capturados pelo Hamas por palestinianos presos em Israel, e comprometia Israel a acabar com os ataques em Gaza. Mas, esta segunda-feira, o Hamas suspendeu a libertação de reféns e disse não continuar a cumprir o acordo até que Israel “compense as últimas semanas” de repressão e incumprimento de tréguas.

Em causa está o atraso do regresso dos palestinianos ao Norte de Gaza e o bombardeamento de Israel sobre o povo palestiniano. O Hamas acusa também os militares israelitas de terem atirado contra os refugiados palestinianos que regressavam a casa e de terem impedido a entrada de ajuda. "A situação humanitária continua catastrófica devido à obstrução israelita", refere Salama Marouf, diretor de comunicação do Hamas.

Segundo o grupo islamita radical, apenas 8.500 dos 12 mil camiões de ajuda esperados entraram na Faixa de Gaza desde o início do acordo, e os equipamentos médicos e de abrigo foram propositadamente atrasados. Esta informação contradiz os dados divulgados pelo chefe humanitário da ONU, Tom Fletcher, que afirmou ontem que mais de 12.600 camiões com alimentos, medicamentos e tendas entraram em Gaza desde o início de janeiro.

Na verdade, o acordo de cessar-fogo foi estabelecido no dia 19 de Janeiro, e até então parecia seguir o caminho certo. Algumas organizações de ajuda humanitária conseguiram entrar em Gaza, Israel abriu uma passagem para o norte de Gaza, como prometido, e foram firmados acordos com a ONU para a reconstrução da Palestina.

No entanto, continuaram a ser registados casos de palestinianos mortos pelas forças israelitas, agora contestadas pelo grupo Hamas. Além disso, as imagens dos prisioneiros libertados, quer os israelitas, como os palestinianos, foram "perturbadoras", escreve a ONU, num comunicado. Também a Cruz Vermelha mostrou preocupação com o ar debilitado, mal-nutrido e os relatos de maus tratos e sofrimento dos reféns.

A primeira fase do acordo de cessar-fogo previa a libertação de 33 reféns em Gaza e cerca de 2000 palestinianos em prisões israelitas, mas, com este retrocesso, 17 reféns israelitas, assim como centenas de palestinianos, ficam sem respostas e são mantidos em cativeiro.

O Fórum das famílias de reféns e pessoas desaparecidas apelam ao esforço dos mediadores e alertam para as mesmas imagens, que servem como "uma prova dolorosa e inquestionável de que não se pode perder mais tempo na libertação dos reféns, até ao último preso" pelo Hamas.

Ainda assim, no comunicado que emitiu hoje, o grupo islamita radical anuncia que "a entrega dos prisioneiros sionistas, cuja libertação estava prevista para o próximo sábado, 15 de fevereiro de 2025, será adiada até nova ordem”. E aos mediadores do conflito, refere ainda que as garantias americanas para o cessar-fogo estão ser repensadas depois das declarações de Trump.

Israel respondeu com mais restrição e deu instruções às forças armadas para reforçar a defesa nas fronteiras do Sul e o ataque em Gaza. Os próximos dias no território palestiniano, e para os reféns israelitas, são incertos.

O que quer Trump com Gaza?

O plano de Trump para Gaza só veio atiçar a fogueira e tirar a credibilidade às forças mediadores americanas.

Na semana passada, Trump propôs expulsar mais de dois milhões de pessoas que vivem na Faixa de Gaza, para que a possa “comprar e possuir”, e eventualmente reconstruir o território, com a ajuda de outros país. Trump quer transformá-lo numa "Riviera do Médio Oriente", um plano completamente apoiado por Israel.

Mas o passo foi maior que a perna e a decisão de "assumir o controlo de Gaza" pelo presidente norte-americano foi muito criticada pelos países árabes e pela ONU. O presidente da Turquia, Recep Tayyip Erdogan, defendeu que "ninguém tem o poder de expulsar o povo de Gaza da sua terra natal eterna, que existe há milhares de anos", numa conferência de imprensa, este domingo. E o Hamas rejeitou a proposta.

Donald Trump propôs ainda que os residentes palestinianos se deslocassem para outras comunidades do Médio Oriente. Como seria de esperar, o líder do Hamas, Khalil al-Hayya, insurgiu-se contra as declarações do presidente americano, que considerou "condenadas ao fracasso".

O mesmo pensam muitas famílias palestinianas que regressam a uma casa em escombros, sem teto nem chão. A UNICEF relata um cenário de "completa de destruição” das casas e bairros, que deixou todos em choque. No entanto, a reconstrução da Faixa de Gaza, na sua opinião, cabe apenas ao povo palestiniano.

E Portugal, o que defende?

Na intervenção de hoje, em Israel, Paulo Rangel não faz referência às atrocidades cometidas pelo exército israelita e condenadas pela ONU. Lamenta, porém, "o tratamento não humanitário dos reféns israelitas", a situação de reféns portugueses ainda à espera de libertação, e a emergência de novas vagas de antissemitismo que Portugal está empenhado em combater.

Ainda assim, o ministro dos Negócios Estrangeiros afirma que Portugal defende um "futuro Estado da Palestina", e garante que o seu principal objetivo é "que haja paz nesta região, faremos tudo o que estiver ao nosso alcance”.

Faz ainda um apelo a Israel, "um amigo de Portugal", para que continue a trabalhar no acordo de cessar-fogo. “Isso levará o seu tempo, mas tal tem de ser feito no cumprimento do direito internacional e no direito humanitário internacional”, concluiu.

*Editado por Ana Maria Pimentel

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