De facto, nem são só aquelas duas mulheres, ainda que os postos cruciais fiquem com elas. Há no conjunto um quarteto (Borrell na política externa, Michel na presidência do Conselho Europeu) a quem cabe provar que a Europa existe e pode ter peso relevante na relação internacional de forças.
A influência conquista-se e não depende do tamanho de um país. A Islândia é um pequeno país com apenas 330 mil habitantes, a milésima parte dos 330 milhões nos Estados Unidos. A Islândia batalhou para integrar a Comissão de Direitos Humanos da ONU. Com coragem e discrição candidatou-se a liderar uma missão de avaliação do quadro de Direitos Humanos nas musculadas Filipinas de Duterte. O trabalho deu frutos: a Comissão aprovou, na semana passada, a proposta islandesa de alerta sobre abusos nas Filipinas, com recomendação de o país ficar sob observação. A mesma Islândia já tinha proposto recomendações à Arábia Saudita, quer sobre respeito dos direitos da mulher quer de transparência sobre o caso Khashoggi, e à China sobre a situação em campos de detenção. Os pequenos revelam-se grandes quando mostram coragem e princípios.
É também o grande desafio para quem vai agora assumir a liderança da Europa.
A alemã Ursula von der Leyen ainda tem de conseguir aprovação na apertada prova de confiança, esta terça-feira no Parlamento Europeu. Há sinais de que poderá passar, mas estas escolhas para o comando da Europa revelam uma pouco escrupulosa exibição de poder por parte de quem — a França e a Alemanha —, com hábitos hegemónicos, costuma impor à Europa aquilo que pretende. Este tipo de processos decisórios tem levado a que a perceção que os cidadãos têm da União Europeia seja de tão fraca adesão.
Está para se ver qual é a estatura e visão política de Ursula von der Leyen. Antes de ser lançada para a Europa era vista na Alemanha como a sombra preferida de Angela Merkel. Tem um percurso de vida que foge à tradição. É filha de um alto funcionário alemão que abriu a representação da então República Federal na sede da então Comunidade Económica Europeia. Daí que até aos 13 anos tenha vivido e estudado em Bruxelas, para onde agora deve voltar. Formou-se depois em economia e, a seguir, em medicina. É ginecologista, com uma temporada como investigadora em Stanford, na Califórnia. Só apareceu na política, pela mão de Merkel, quando tinha 43 anos. Veio a ser escolhida para ministra da Família (o facto de ter sete filhos talvez tenha inspirado a chanceler…) e, depois, seis anos (até agora) como ministra da Defesa.
O desempenho nos governos de Merkel é o principal recurso para ousar alguma avaliação do estofo político desta até aqui praticamente desconhecida na Europa. É elogiada por ter desenvolvido uma rede de creches, por ter criado apoios aos pais de bebés até aos 14 meses, por ter sido defensora do salário mínimo e da instauração de quotas para garantir a presença de mulheres em cargos dirigentes. Nas questões LGBT distinguiu-se de muitos dos colegas na CDU-CSU ao defender com firmeza a adoção por casais do mesmo sexo. Votou pelo casamento para todos. No perfil de Ursula é sempre referida a firmeza e a cortesia.
Tal como duas manchas no percurso: uma acusação de plágio (que ela desmente) numa tese académica e a aprovação de contratos, como ministra da Defesa, sem cumprir regras de consulta pública. Este caso, muito discutido nos media, abalou a reputação de Ursula e contribuiu para ser classificada pelo jornal Bild como um dos mais fracos ministros de Merkel. Ela defendeu-se sempre, com recurso à sagaz capacidade para comunicar.
Será que esse jeito para criar empatia e comunicar com eficácia vai ser um trunfo se, na tarde desta terça-feira, for aprovada pelos eurodeputados? Será que ela se consegue libertar da política politiqueira?
A nova liderança europeia entra em funções no momento em que — parece inevitável — o Reino Unido deixa a União Europeia. Aliás, também com um novo rosto ao comando: tudo aponta para a escolha de Boris Johnson. Ele tem feito tudo para sabotar a relação com a Europa.
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“Why Don't They Go Back”: O tuíte de Trump que relança a tensão racial.
Parece história de antiga comédia italiana mas é realidade atual em Trieste, no norte de Itália: ainda há praias com uma parte só para homens e outra só para mulheres. Com muro ao meio.
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