É evidente que está em curso uma histórica mudança nas relações no Médio Oriente: está a acabar o isolamento, que era quase total (Egito, desde 1979, e Jordânia, desde 1994, eram as exceções), de Israel com o mundo árabe. Não é seguro que esta queda de muros no Médio Oriente seja uma evolução isenta de sérios riscos: em fundo a esta aproximação está a mobilização contra um inimigo comum número um, o Irão e os movimentos xiitas na região. Também há o inimigo número 2, a Síria de Bashar el Assad. Acresce um rival com cada vez mais ambição expansionista na região, a Turquia. E há um povo traído pelos até aqui aliados árabes, o da Palestina. Esta manobra diplomática é um golpe assestado pelos líderes árabes nas costas do povo palestiniano. Na prática, com a bênção de Trump e das nações árabes (nos últimos 20 anos muito apáticas, como que fatigadas do tema, sobre a causa que tanto as inflamou no tempo de Arafat), a Palestina é oferecida a Netanyahu e a Israel. Para dar uma aparência de boa vontade e disfarçar a humilhação da Palestina, o primeiro-ministro de Israel até tirou da agenda imediata a conclusão da usurpação dos territórios mais férteis da Palestina. Não anunciou a renúncia a essa ocupação, apenas a sua suspensão por agora. A evolução em curso traduz-se em quase tudo para Israel e vagas promessas para os palestinianos.

O que está a acontecer no Médio Oriente é o resultado da negociação habilmente conduzida pelo estratego de Trump para a região, Jared Kushner, genro do presidente. Passa por cima das resoluções das Nações Unidas, que seguem em vigor e que determinam que Israel e a Palestina devem ser dois estados viáveis a coexistirem lado a lado, com direitos iguais para os respetivos povos.

O plano Trump/Kushner tem um mérito: acaba com o status quo de décadas entre Israel e o mundo árabe. Mas os negócios passam por cima dos princípios. Israel e os países árabes vão investir na inovação, no turismo, em indústrias várias, incluindo a militar. Israel sai do isolamento e entra na dança dos negócios e entendimentos do mundo árabe. Ao mesmo tempo esbatem-se anteriores equilíbrios pela tensão e agrava-se o confronto com o Irão. Com a Turquia à espreita. E com os palestinianos deixados ainda mais na revolta, a sentirem-se traídos.

No Médio Oriente há, portanto, com patrocínio de Trump, o ponto positivo de derrube de muros antigos, mas o negativo de agravamento de novas tensões.

Trump também aparece, no dia em que passavam 19 anos sobre os ataques de 11 de Setembro, como surpreendente promotor de diálogo intra-afegão, envolvendo os talibã. O secretário de Estado Mike Pompeo apareceu a juntar as partes. É bom que, pelo menos, consigam negociar.

Também na semana passada, o presidente da Sérvia e o primeiro-ministro do Kosovo foram a Washington para a assinatura, no gabinete de Trump, um acordo de “normalização económica” entre Belgrado e Pristina. Sobra muito para a negociação da boa convivência, mas um passo ficou dado, na boa direção. Também aqui aparece o genro de Trump como mediador.

Finalmente, nestas frentes externas, Trump tem o mérito de ter aberto o degelo com a Coreia do Norte. Kim passou de “rocket man” a “parceiro diplomático”. Mas o diálogo encravou. Volta a diplomacia ou regressa o confronto com ameaça nuclear?

O mesmo Trump que tanto inflamou o interior dos Estados Unidos, apesar de ser um presidente que vota costas aos aliados tradicionais e que recusa o multilateralismo, tem o crédito de conseguir apaziguamentos em hostilidades no exterior (apesar de, no Médio Oriente, à custa de agravamento de outras tensões).

O comité Nobel em Oslo está a receber propostas com o nome de Trump para o prémio da Paz do ano que vem. Há muitos outros nomes que estão a ser propostos. A decisão virá em outubro do ano que vem, mas o facto de ter sido proposto vai servir para a propaganda na campanha presidencial em curso.  A 50 dias das eleições as sondagens mostram persistente avanço de Biden, robusto em estados tradicionalmente oscilantes.

A TER EM CONTA:

A pandemia continua a dar a volta à nossa vida. É tempo de termos em conta uma outra ameaça, muito mais danosa, para a qual somos alertados há muito: as alterações climáticas. Tivemos relato da tragédia dos incêndios de janeiro na Austrália. Agora, é em toda a enorme costa ocidental dos EUA.

O que vai acontecer aos milhares de refugiados em Lesbos?

Qual será a banda sonora de Picasso?