Ora vamos lá definir aleijadinha. Segundo o dicionário, trata-se daquele que se aleijou, que tem deformidade física, especialmente nos braços ou/e pernas, manco, estropiado. No sentido figurado, pois é aquele que tem um defeito moral ou espiritual. Também serve o chavão: pessoa que tem aleijão ou deformidade. Palavras relacionadas – o que se aprende com os dicionários! – são embriado, diminuído, estropiado, cotó, boi-corneta. O meu instinto foi logo ir ver isto do boi-corneta, mas vamos deixar o dicionário de lado.
Na segunda-feira passada, dou comigo a maravilhar-me com a maravilhosa (sim, sim, passo a redundância!) Catarina Oliveira, mais conhecida nas redes sociais como Espécie Rara Sobre Rodas. Fiquei estarrecida com o clipe de um programa da SIC que mostra uma médica que emprega a palavra “aleijadinha”, assim com a ligeireza de quem anda com facilidade, ou se acha mais esclarecida que muitos.
A Catarina Oliveira é uma pequena pérola no mundo das redes sociais, mostrando como a sociedade está minada de ideias feitas e de preconceitos face a pessoas que apresentam qualquer incapacidade, ou deficiência, se preferirem. Foi com ela que aprendi uma coisa muito básica, sobre a qual não tinha pensado, admito, e que me levou a morder o lábio de vergonha: sim, já tentei ajudar um cego (também aprendi que o termo invisual não é usado pela comunidade cega) na rua sem perguntar se efectivamente precisa de ajuda.
Uma pessoa com uma determinada incapacidade não pode ser tratada com recurso sistemático à infantilização. E é o que fazemos. A Catarina Oliveira, nas suas publicações, fala, sem papas na língua, daquilo que é a sua realidade e do que a sociedade percepciona como sendo ideal e que, na maioria das vezes, é só ofensivo.
Que uma médica, na televisão, diga “aleijadinha” deixa muito a desejar. Terá o mesmo tipo de vocabulário em consultório? Talvez nunca tenha pensado nestas questões, mas precisa muito de rever o seu discurso.
Catarina Oliveira manifestou-se de imediato, escrevendo: “Sabemos que ser profissional de saúde não é sinónimo de mais nada além de se ser um profissional de saúde, mas acho que com este vídeo percebemos bem o drama que o capacitismo faz na vida das pessoas com deficiência. Isto é o que acontece muitas vezes no nosso dia a dia. Esta senhora é médica. E lida com seres humanos todos os dias. Especialmente mulheres. Imaginem uma mãe a ouvir: que vai ter uma filha ALEIJADINHA. Imaginem uma rapariga na sua primeira consulta de ginecologia a ser tratada por ALEIJADINHA. Imaginem uma mulher no pós-parto que recebe a sua irmã que se desloca em cadeira de rodas e ouve “vem aí a sua irmã ALEIJADINHA”. São situações hipotéticas? São. Pelo menos até quanto eu sei. Mas este vídeo não é hipotético. É real. Enviaram-me hoje dia 02-05-2022. Dito por uma médica. Numa televisão perto de si”.
Se não seguem a Catarina Oliveira, aka Espécie Rara Sobre Rodas, não hesitem, aprende-se muito e ri-se bastante. Como dito, uma pérola no mar das redes sociais minadas de maldade e desinformação.
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